Tópico: Quem é que vai empacotar nossas compras?

[Fabi]

O aeroporto tá parecendo rodoviária

O FUNCIONÁRIO do supermercado empacota minhas compras. A freguesa se aproxima com sua cesta e pergunta: "Oi, rapazinho, onde fica a farinha de mandioca?". "Ali, senhora, corredor 3." "Obrigada." "Disponha."

A cena seria trivial, não fosse um pequeno detalhe: o "rapazinho" já passava dos quarenta. Teria a mulher uma particularíssima disfunção neurológica, chamada, digamos etariofasia aguda? Mostra-se a ela uma imagem do Papai Noel e outra do Neymar, pergunta-se: "Quem é o mais velho?", ela hesita, seu indicador vai e vem entre as duas fotos, como um limpador de para-brisa e... Não consegue responder.

Infelizmente, não me parece que a mulher sofresse de uma doença rara. Pelo contrário. A infantilização dos pobres e outros grupos socialmente desvalorizados é recurso antigo, que funciona naturalizando a inferioridade de quem está por baixo e, de quebra, ainda atenua a culpa de quem tá por cima.
Afinal, se fulano é apenas um "rapazinho", faz sentido que ele nos sirva, nos obedeça e, em última instância, submeta-se à tutela de seus senhores, de suas senhoras.

Nos EUA, até a metade do século passado, os brancos chamavam os negros de "boys". Em resposta, surgiu o "man", com o qual os negros passaram a tratar-se uns aos outros, para afirmarem sua integridade.

No Brasil, na segunda década do século XXI, o expediente persiste.

Faz sentido. Em primeiro lugar, porque persiste a desigualdade, mas também porque todo recurso que escamoteie os conflitos encontra por aqui solo fértil; combina com nosso sonso ufanismo: neste país, todo mundo se ama, não?

Pensando nisso, enquanto pagava minhas compras, já começando a ficar com raiva da mulher, imaginei como chamaria o funcionário do supermercado, se estivesse no lugar dela. Então, me vi dizendo: "Ei, "amigo", você sabe onde fica a farinha de mandioca?", e percebi que, pela via oposta, havia caído na mesma arapuca.

Em vez de reafirmar a diferença, reduzindo-o ao status de criança, tentaria anulá-la, promovendo-o ao patamar da amizade. Mas, como nunca havíamos nos visto antes, a máscara cairia, revelando o que eu tentava ocultar: a distância entre quem empurra o carrinho e quem empacota as compras.

"Rapazinho" e "amigo" -ou "chefe", "meu rei", "brother", "queridão"- são dois lados da mesma moeda: a incapacidade de ver, naquele que me serve, um cidadão, um igual.

Não é de se admirar que, nesta sociedade ainda marcada pela mentalidade escravocrata, haja uma onda de preconceito com o alargamento da classe C, que tornou-se explícito nas manifestações de ódio aos nordestinos, via Twitter e Facebook, no fim do ano passado.

Mas o bordão que melhor exemplifica o susto e o desprezo da classe A pelos pobres, ou ex-pobres que agora têm dinheiro para frequentar certos ambientes antes fechados a eles, é: "Credo, esse aeroporto tá parecendo uma rodoviária!". De tão repetido, tem tudo para se tornar o "Você sabe com quem está falando?!" do início do século XXI. Se o Brasil continuar crescendo e distribuindo renda, os rapazinhos, que horror!, ganharão cada vez mais espaço e a coisa só deve piorar. É preocupante. Nesse ritmo, num futuro próximo, quem é que vai empacotar nossas compras?


http://antonioprata.folha.blog.uol.com.br/

[Derfel]

Esse autor está exagerando. Como ele deveria chamar o empacotador? Senhor empacotador? Todos os vocativos teriam uma conotação pejorativa? "amigo" é uma palavra usada para qualquer um, quando se quer chamar a atenção, seja rico ou pobre. Existem também vocativos regionais. Em Minas, por exemplo, todo mundo é "moço". Existem também vocativos etários, que pessoas de idade utilizam para qualquer um que seja mais jovem que ela, é o caso de "rapazinho". Querer comparar isso com "boy" americano, que é usado especificamente para negros de forma pejorativa já é demais. Da mesma forma a comparação do aeroporto com uma rodoviária, ela surge do número de pessoas presentes no local e não da classe social dessas pessoas.

[_tiago]

Esse autor está exagerando. Como ele deveria chamar o empacotador? Senhor empacotador? Todos os vocativos teriam uma conotação pejorativa? "amigo" é uma palavra usada para qualquer um, quando se quer chamar a atenção, seja rico ou pobre. Existem também vocativos regionais. Em Minas, por exemplo, todo mundo é "moço". Existem também vocativos etários, que pessoas de idade utilizam para qualquer um que seja mais jovem que ela, é o caso de "rapazinho". Querer comparar isso com "boy" americano, que é usado especificamente para negros de forma pejorativa já é demais. Da mesma forma a comparação do aeroporto com uma rodoviária, ela surge do número de pessoas presentes no local e não da classe social dessas pessoas.

Concordo. Sem contar que um caso, mesmo verdadeiro, e me refiro ao da Sra. e o empacotador, não fazem um estudo e menos ainda alguma descoberta de algum preconceito arraigado das elites ou quem for.

[gogorongon]

Saber quem vai empacotar não é nada. O pior são clientes que desempacotam, e que ainda por cima são ANTAS que não prestam atenção no que estão fazendo, e que por isso não sabem pôr de volta no pacote depois, aí destróem as embalagens ou largam tudo aberto de qualquer maneira, fazendo com que peças e acessórios se percam ou se estraguem, pra depois ainda brigarem, gritarem e dizerem que a culpa pelos danos é da empresa!

Gente prepotente é muito mais prejudicial que gente desesperada, e no meu serviço ando surpreso com o percentual de gente assim que encaro. O bom de estar nas classes mais baixas é que certos fdp de classes mais altas acabam não se dando ao trabalho de esconder a podridão de caráter deles.

E a maioria desse povo é mais burra que eu. Hmm.

PS: Li o texto agora (é, eu tava empolgado e respondi sem ler). Tive um colega de serviço que era debochado e fez umas zoações comigo que não gostei (me fez de trouxa com piadas), ainda mais porque minha depressão ainda estava muito alta no serviço.

Ele também sempre vinha com essas de me chamar de "menino" e outros apelidos infantilizantes, aí num dia, ao final do expediente, eu estava sozinho no banheiro quando ele entrou e me veio com uma dessas. Eu estava absolutamente mudo e sério, e respondi apenas:
"- Qual sua idade?"

Ele veio com palhaçada, querendo me enrolar, me perguntando o porquê de eu querer saber a idade dele, dando uma de indignado dizendo que era injusto só ele ter de responder coisas e eu não, aí depois de ouvir tudo isso quieto eu só balancei a cabeça, olhando pra baixo decepcionado, e disse:
"- Deixa pra lá."

Virei e estava começando a sair.

Aí, depois de um instante ele me pediu para esperar, e me perguntou:
"- Quantos anos você tem?"
Eu:
"- 31."

Em seguida continuei:
"- E você?"
Ele:
"- 26."

Ele ficou com cara de merda, saí sem falar nada, ele não me pentelhou mais no serviço e jamais comentei nada com ninguém do serviço pra não dar margem a fofocas. Assunto resolvido.

A "chave" disso era que era final de expediente e eu estava sozinho com ele no banheiro, então não tinha ninguém por perto para ele fazer rir de mim.

[Spitfire]

Esse autor está exagerando. Como ele deveria chamar o empacotador? Senhor empacotador?

CAMARADA! ou, na versão tupiniquimzinho, companheiro. 

[Geotecton]

Pela narrativa eu não deduzi nenhum tipo de preconceito daquela senhora.

[Derfel]

Eu vejo mais é um preconceito latente do autor do texto, que se esforça tanto para não parecer preconceituoso.