Autor Tópico: Fernando Pessoa ultracético  (Lida 2633 vezes)

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Offline Pagão

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Fernando Pessoa ultracético
« Online: 30 de Janeiro de 2011, 09:55:41 »
Nasci em um tempo em que a maioria dos jovens haviam perdido a crença em Deus, pela mesma razão que os seus maiores a haviam tido - sem saber porquê. E então, porque o espírito humano tende naturalmente para criticar porque sente, e não porque pensa, a maioria desses jovens escolheu a Humanidade para sucedâneo de Deus.
Pertenço, porém, àquela espécie de homens que estão sempre na margem daquilo a que pertencem, nem vêem só a multidão de que são, senão também os grandes espaços que há ao lado.
Por isso, nem abandonei Deus tão amplamente como eles, nem aceitei nunca a Humanidade.
Considerei que Deus, sendo improvável, poderia ser, podendo pois dever ser adorado; mas que a Humanidade, sendo uma mera ideia biológica, e não significando mais que a espécie animal humana, não era mais digna de adoração do que qualquer outra espécie animal.
Este culto da Humanidade, com os seus ritos de Liberdade e Igualdade, pareceu-me sempre uma revivescência dos cultos antigos, em que animais eram como deuses, ou os deuses tinham cabeças de animais.
Assim, não sabendo crer em Deus, e não podendo crer numa soma de animais.......

Fernando Pessoa "O Livro do Desassossego".

O autor começa deste modo o livro.... pareceu-me interessante para reflexão e comentário num fórum cético.   
Nenhuma argumentação racional exerce efeitos racionais sobre um indivíduo que não deseje adotar uma atitude racional. - K.Popper

Offline Gigaview

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Re: Fernando Pessoa ultracético
« Resposta #1 Online: 30 de Janeiro de 2011, 23:02:06 »
Fernando Pessoa dizia-se um cristão gnóstico. Foi astrólogo, algumas fontes indicam que foi iniciado na Ordem Templária de Portugal e fez  defesa pública de ordens iniciáticas numa série de artigos publicados no Diário de Lisboa. Em carta a sua tia Anica, o poeta afirma: “Creio na existência de mundos superiores ao nosso e de habitantes desses mundos e em existências de diversos graus de espiritualidades”. Chegou a se envolver com Aliester Crowley quando da visita do mago a Portugal e foi testemunha da misteriosa simulação de suicídio de Crowley na Bôca do Inferno de onde o mago inglês teria sumido misteriosamente para reaparecer tempos depois na Alemanha.

Existem duas versões de "O Livro do Desassossego"-  assinados por Vicente Guedes numa primeira fase (anos 10 e 20) e Bernardo Soares (final dos anos 20 e 30). A maioria dos fatos citados acima acontencem nos anos 30. Será que Pessoa nunca foi cético ou foi um cético que mudou de opinião?
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Offline Pagão

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Re: Fernando Pessoa ultracético
« Resposta #2 Online: 31 de Janeiro de 2011, 09:44:26 »
Julgo que Fernando Pessoa nunca se fixou num sistema de crenças e sempre andou em demanda de algo que estivesse para além dos Teísmos e dos Ateísmos. Tinha uma espiritualidade própria... cheia de intranquilidade e de dúvida permanente... por isso seria um cético... é dele a frase que uso a quem não tem crenças até a dúvida é impossível... talvez por isso alegava crenças, mas sempre difusas e contraditórias e sem nada de dogmático... afinal sempre abertas à dúvida... Bem mais cético do que as "certezas" do materialismo, ou melhor do fisicalismo.
Cético até quanto ao homem... como se pode ser mais cético?   
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Offline Gigaview

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Re: Fernando Pessoa ultracético
« Resposta #3 Online: 31 de Janeiro de 2011, 17:05:14 »
Cético com espiritualidade própria?  :hein: Demanda por algo além dos Teísmos e dos Ateísmos?  :?

Para continuar a discussão  é necessário que você defina e explique com clareza e objetividade essas e outras idéias e conceitos tirados da cartola sob o risco de nos perdermos em blá-blá-blás semelhantes aos posts do Ênio. 
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Offline Pagão

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Re: Fernando Pessoa ultracético
« Resposta #4 Online: 31 de Janeiro de 2011, 19:15:25 »
Cético com espiritualidade própria?  :hein: Demanda por algo além dos Teísmos e dos Ateísmos?  :?
Cético com espiritualidade própria: Talvez se possa considerar que o uso de heterónimos revela facetas diferentes de Pessoa, que não me parece coerente, mas alguém em demanda e em permanente dúvida até quanto às suas crenças. E a espiritualidade própria que me diz algo deste autor é todo o seu pensamento intelectual (porventura a única realidade verdadeiramente espiritual) cheio de contrastes e que, repentinamente, como que atinge o leitor com força.
Demanda por algo além dos Teísmos e dos Ateísmos: julgo isso como uma afirmação de puro ceticismo quanto à "Questão de Deus", pois Pessoa não crê no Deus transcendental, pessoal, criador e providencial das grandes religiões que reconhecem a Bíblia, e também não crê na verdade da afirmação categórica de que Deus não existe.... julgo que o faz porque reconhece a possibilidade de outro Deus que não o definido por ateus e teístas... mas não o afirma,... antes procura... como qualquer cético deve fazer... e talvez sem qualquer convicção de que irá encontrar o que quer que seja... a demanda não será um fim nobre em si mesma?
No Livro do Desassossego, há pelo menos duas referências ao divino: Haja ou não deuses, deles somos servos e Deus é o existirmos e isto não ser tudo....não vejo aí nem teísmo, nem ateísmo... mas quem fala é Bernardo Soares, mero ajudante guarda-livros...
Em tudo isto entendo haver ceticismo... dúvida e incerteza...porventura panteísmo?       
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Offline lusitano

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Re: Fernando Pessoa ultracético
« Resposta #5 Online: 04 de Fevereiro de 2011, 11:36:03 »
Caro - Sérgio Sodré

Se Fernando Pessoa, não era ultra-céptico, pelo menos era ateu, ou panteísta, de acordo com o seu heterónimo "Alberto Caeiro".

O poema "O guardador de rebanhos" é bastante sugestivo nessa aspecto.

Eu nunca guardei rebanhos, mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor, conhece o vento e o sol...
E anda pela mão das estações a seguir e a olhar.

Toda a paz da Natureza sem gente, vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr do Sol, para a nossa imaginação,
quando esfria no fundo da planície e se sente a noite entrada
como uma borboleta pela janela.

Mas a minha tristeza é sossego porque é natural e justa
e é o que deve estar na alma, quando já pensa que existe.
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso,
como um ruído de chocalhos, para além da curva da estrada,

os meus pensamentos são contentes.
Só tenho pena de saber que eles são contentes,
porque, se o não soubesse,
em vez de serem contentes e tristes,
seriam alegres e contentes.

Pensar incomoda como andar à chuva,
quando o vento cresce e parece que chove mais.

Não tenho ambições nem desejos:
ser poeta não é uma ambição minha,
é a minha maneira de estar sozinho.

Sei ter o pasmo essencial que tem uma criança,
se ao nascer, reparasse que nascera deveras,
sinto-me nascido a cada momento,
para a eterna novidade do mundo.

Creio no mundo como num malmequer,
porque o vejo, mas não penso nele, 
porque pensar é não compreender…

O Mundo não se fez para pensarmos nele,
pensar é estar doente dos olhos,
mas para olharmos para ele e estarmos de acordo.

Eu não tenho filosofia, tenho sentidos:
se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
mas porque a amo, e amo-a por isso.

Porque quem ama, nunca sabe o que ama,
nem sabe por que ama, nem o que é amar,
amar, é a eterna inocência:
e a única inocência, é não pensar…

Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo:
entraria pela minha porta dentro, dizendo-me, estou aqui!

Isto é talvez ridículo aos ouvidos
de quem, por não saber o que é olhar para as cousas,
não compreende quem fala delas,
com o modo de falar, que reparar para elas, ensina.

Mas se Deus é as flores e as árvores,
os montes, o sol e o luar,
então acredito nele, a toda a hora.

E a minha vida é toda uma oração e uma missa:
uma comunhão, com os olhos e pelos ouvidos.

Mas se Deus é as árvores e as flores
e os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar...

Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar, flores, árvores e montes,
Se ele me aparece, como sendo árvores e montes,
luar, sol e flores, é que ele quer que eu o conheça,
como árvores e montes, flores, luar e sol.

E por isso eu obedeço-lhe.
Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?
Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
como quem abre os olhos e vê...

Chamo-lhe luar e sol, flores, árvores e montes,
amo-o sem pensar nele,
penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda a hora.

Etc...

« Última modificação: 05 de Fevereiro de 2011, 07:59:29 por lusitano »
Vamos a ver se é desta vez que eu acerto, na compreensão do sistema.

_______________________________________
Especulando realismo fantástico, em termos de
__________________________
paralogismo comparado - artur.

Offline Hold the Door

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Re: Fernando Pessoa ultracético
« Resposta #6 Online: 06 de Fevereiro de 2011, 08:59:11 »
Cada heteronimo de Pessoa tinha história própria de nascimento, vida e morte, personalidade própria e crenças próprias. E que eram diferentes das de Fernando Pessoa. Não dá para definir a crença de Pessoa baseado no que ele atribuiu aos seus heteronimos.
Hold the door! Hold the door! Ho the door! Ho d-door! Ho door! Hodoor! Hodor! Hodor! Hodor... Hodor...

Offline Pagão

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Re: Fernando Pessoa ultracético
« Resposta #7 Online: 06 de Fevereiro de 2011, 09:33:29 »
Cada heteronimo de Pessoa tinha história própria de nascimento, vida e morte, personalidade própria e crenças próprias. E que eram diferentes das de Fernando Pessoa. Não dá para definir a crença de Pessoa baseado no que ele atribuiu aos seus heteronimos.

Certo. Todavia, "o Livro do Desassossego", vasto e em prosa, poderá ser a obra em que Pessoa mais revela de si mesmo... fica-se com essa sensação.
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Offline Gigaview

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Re: Fernando Pessoa ultracético
« Resposta #8 Online: 06 de Fevereiro de 2011, 23:53:20 »
Cada heteronimo de Pessoa tinha história própria de nascimento, vida e morte, personalidade própria e crenças próprias. E que eram diferentes das de Fernando Pessoa. Não dá para definir a crença de Pessoa baseado no que ele atribuiu aos seus heteronimos.



Certo. Todavia, "o Livro do Desassossego", vasto e em prosa, poderá ser a obra em que Pessoa mais revela de si mesmo... fica-se com essa sensação.

O Livro do Desassossego, como disse acima, teve dois heteronimos: Vicente Guedes  e Bernardo Soares. Como pode afirmar que a obra é a que mais revela sobre a pessoa de Fernando Pessoa? Qual é a evidência disso?

Concordo com o Angelo Melo.

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Offline Pagão

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Re: Fernando Pessoa ultracético
« Resposta #9 Online: 07 de Fevereiro de 2011, 12:21:56 »
António Quadros atribui a parte mais antiga do livro ao próprio Fernando Pessoa e a mais recente a Bernardo Soares, que Pessoa refere em cartas que é um semi-heterónimo, portanto mais chegado à sua personalidade do que qualquer heterónimo. O seu melancolismo é uma das maleitas que a medicina atribui a Pessoa e é bem clara nesta sua obra. ´
Ler o início do livro que apresentei e ver nele o próprio Pessoa é razoável. Não será mera construção de uma personagem oposta às crenças ou às dúvidas do autor... Pessoa seria muito assim...
Em texto do Plano Nacional de Leitura relativo ao Livro do Desassossego é dito: ... mostra Fernando Pessoa na sua faceta mais íntima e também mais universal na sua verdadeira essência e na sua dispersão não menos verdadeira...
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