Quando algumas pessoas vivenciam um estado próximo do da morte, elas referem uma experiência profunda, na qual acreditam deixar seus corpos e ingressar em alguma outra esfera ou dimensão, transcendendo os limites do ego e as fronteiras convencionais do tempo e do espaço. Tais experiências foram descritas esporadicamente na literatura médica desde o século XIX (Greyson, 1998a) e foram identificadas como uma síndrome distinta a mais de um século atrás (Heim, 1892). Moody (1975) introduziu o termo experiências de quase-morte (EQM) para nomear esse fenômeno e delineou características específicas, comumente referidas pelos americanos que sobreviveram a uma EQM. Essas características, que definem uma experiência de quase-morte, tanto no meio acadêmico como na linguagem popular, incluem inefabilidade, ouvir o anúncio da própria morte, envolventes sentimentos de paz, ouvir um ruído, ver um túnel, sentir estar fora do corpo, encontrar-se com seres não-físicos, um "ser de luz", realizar uma revisão da vida, retornar à vida, passar pela experiência de contar aos outros sobre essa vivência, os efeitos dessa vivência sobre a vida da pessoa que vivenciou uma EQM, ter novas visões da morte e a comprovação de conhecimentos não adquiridos por meio da percepção normal (Moody, 1975).
Alterações nos gases sangüíneos
Uma suposição comum tem sido a de que a anóxia ou hipóxia, fatores comuns no processo de morte cerebral, devem ser implicadas nas EQMs (Blackmore, 1993; Rodin, 1980). Entretanto, EQMs ocorrem sem anóxia ou hipóxia, como em doenças não-fatais e em acidentes que quase ocorreram, dos quais o indivíduo sai ileso. Além disso, as vivências associadas à hipóxia são somente superficialmente similares às EQMs. Whinnery (1997) comparou as EQMs aos devaneios que ocorrem durante os períodos breves de inconsciência induzidos por aceleração rápida em pilotos de caça, embora tenha referido que seu modelo não explica todos os fenômenos de EQM. As características principais compartilhadas entre a hipóxia induzida por aceleração e as EQMs são a visão do túnel e de luzes brilhantes, a sensação de estar flutuando, as sensações agradáveis e de prazer, breves fragmentos de imagens visuais e algumas raras vezes a sensação de deixar o corpo. Comparando-se os citados devaneios com as EQMs, aqueles incluem visões de pessoas vivas, mas nunca de pessoas mortas, assim como neles não há referências às revisões da vida nem à memória panorâmica (Whinnery, 1997). Também se deve observar que as EQMs não incluem sintomas típicos de hipóxia, tais como convulsões mioclônicas, amnésia retrógrada para os eventos ocorridos antes da perda de consciência, movimentos automáticos, efeitos da memória, formigamento nas extremidades e em torno da boca, confusão e desorientação após despertar, assim como sensação de não conseguir movimentar o corpo ao acordar. A hipóxia ou a anóxia produz geralmente alucinações idiossincrásicas e assustadoras e conduzem o indivíduo à agitação e à agressividade, estados completamente diferentes dos sentimentos de paz que são consistentes e universalmente descritos em EQM. Além disso, os resultados de pessoas que tiveram próximas da morte mostraram que aquelas que referem uma EQM não têm níveis mais baixos de oxigênio do que aquelas que não tiveram uma EQM (Sabom, 1982; van Lommel et al., 2001).
Outros autores sugeriram que a hipercapnia pode contribuir para as EQMs (Jansen, 1997; Morse et al., 1989). Entretanto, as características semelhantes a uma EQM, que têm sido relatadas na hipercapnia, como a sensação de sair do corpo, a visão de uma luz brilhante, a escuridão no vazio, a revisão da vida, o sentimento de paz, são raras e isoladas. Além disso, têm ocorrido relatos de EQM em pacientes cujos níveis de dióxido de carbono não estavam elevados (Morse et al., 1989; Parnia et al., 2001; Sabom, 1982). Por fim, se a anóxia e hipercapnia representam um fator importante para as EQMs, as EQMs deveriam ser muito mais comuns do que as observadas após parada cardíaca (Kelly et al., 2006; van Lommel et al., 2001).