A ciência depende dos gays?Não uso esse título para perguntar se há menos ou mais heterossexuais nas universidades e centros de pesquisa. O título tem a ver é com a guerra aberta, já detonada, entre o movimento contra a homofobia e as igrejas. Por quê?
Bem simples: filósofos como Daniel Dennett e biólogos como Richard Dawkins têm militado insistentemente nas fileiras do ateísmo, renovando parte do radicalismo iluminista (vindo do século XVIII) com a tese de que não basta vivermos sob a regra da tolerância religiosa, como nos ensinou Locke, se nossos jovens são crescentemente conquistados pela mentalidade religiosa de uma maneira inculta e, então, são impedidos de aprender matérias básicas nas escolas, que implicam em uma visão moderna comum. É desagradável admitir isso. Mas há verdade nessa denúncia. E olha que eles não falam do Brasil! No entanto, esses militantes ateístas não têm tido sorte nessa guerra. Eis então que, agora, uma força inesperada pode tornar-se um grande aríete contra a mentalidade religiosa. A força gay. Ora, não seria tal força uma aliada natural de movimentos brasileiros equivalentes ao que Dennett e Dawkins fazem nos Estados Unidos e Europa?
O poder da religião e, no caso atual, do misticismo, principalmente com a onda conservadora iniciada a partir de meados dos anos oitenta no Ocidente, criou mecanismos novos nas batalhas pela conquista almas. Os grupos evangélicos fizeram nascer uma religião mais permissiva em termos do que é e do que não é pecado, obtendo assim muito mais fiéis do que se esperava que as religiões pudessem conseguir nos tempos atuais. Mas, quando se diminui o número de itens na classificação dos pecados, é natural que aquilo que ainda permanece como pecado ganhe maior ênfase. E foi o que ocorreu. Entre outras cláusulas que apontam o que é errado, uma parte não diminuta das igrejas resolveu manter o item “homossexualismo” como cativo do demônio. Tendo o homossexualismo sobrado como um dos poucos pecados reais, eis que ele sobressaiu-se quase que naturalmente nos sermões. Agora, no Brasil, a guerra aberta está posta: de um lado, o movimento contra a homofobia, de outro, grande parte das igrejas evangélicas e da Igreja Católica (Veja o JB de 20/05/2011). Assim, a mentalidade iluminista pode, contra a mentalidade religiosa menos afeita ao desenvolvimento do pensamento aberto, ter um aliado importante: os gays. Mas, no caso, não só. Como o movimento contra a homofobia pode até ser mais amplo que o movimento GTBLS, o movimento em prol da mentalidade científica pode estar conseguindo, para o seu lado, um aliado conjuntural nada desprezível. Talvez, um aliado decisivo, capaz de se por à frente do movimento antirreligioso em geral.
É claro que algumas igrejas logo perceberão que é mais fácil lutar contra a escola pública, o ensino laico e contra figuras não populares como os filósofos e os cientistas, que contra os gays. Talvez as igrejas, ao final, mantenham como pecado somente o palavrão e, é claro, o não pagamento de algo que já não é mais dízimo, mas, como dizem os pastores atuais, não menos que 30% do salário ou do valor do aluguel (isso quando não pedem o valor de um aluguel todo!). As igrejas podem perceber, logo que o movimento antihomofóbico der mais passos, que há mais gays no mundo do que se imagina atualmente, e então irão fazer o que o mercado já fez: não desprezar as almas gays, pois elas foram um público consumidor – e forte. Então, as igrejas irão tentar mostrar que se Maria Madalena foi acolhida, outras pessoas de um meio tido como semelhante ao dela poderiam ser vistas antes como transgressores menores que como pecadores demoníacos. E como na cabeça de pastor pode caber qualquer coisa que venha a significar mais almas e, portanto, mais dinheiro, no limite chegaria o dia em que todos receberiam a “boa nova”: Jesus não deixava passar ileso um apóstolo peladinho. E olha que não vejo esse dia como ruim não! Todavia, antes dos pastores conseguirem isso, a guerra contra os gays teria durado bastante, o suficiente para ela poder ajudar na guerra da mentalidade científica contra a mentalidade religiosa.
O que estou contando é que pensadores como Daniel Dennett e Richard Dawkins, que dizem para pessoas como Richard Rorty e eu mesmo que nosso liberalismo tolerante em relação às religiões é um tolo tiro no pé, poderá expandir seu prestígio aliando-se a movimentos com forte apelo popular, uma vez que apela pela preservação da vida, do direito de viver em paz, como é o caso do movimento antihomofóbico. Este movimento traria para o interior de uma frente anti-igrejas um peso que nós, darwinistas e iluministas, não conseguiríamos ter por nós mesmos jamais. Digo isso pensando no presente e no futuro, não no passado. Pois, ao menos não agora, nessa nova etapa, não se trata mais de sair da Idade Média e, sim, dar um passo além e simplesmente não deixar os jovens, na escola média, perderem seus cérebros de vez. Poderíamos dizer que, olhando para o passado, nossa luta hoje é mais fácil. Mas, em termos de movimento de ideias, o fácil e o difícil nem sempre pode ser comparativo entre passado e presente.
Em troca, o que o nós, iluministas, daríamos ao movimento antihomofóbico?
O movimento antihomofóbico não precisa endossar as teses iluministas como nós filósofos fazemos. Mas podem unir forças com tal movimento quando este vê na religião, e principalmente nas igrejas, um entrave para a liberdade e, portanto, para a felicidade. O movimento antihomofóbico não precisa ser ateísta, mas pode adotar a ideia de boa parte dos iluministas que, enfim, acreditaram que religião e visão escolar de mundo se separam, uma vez que a visão escolar precisa, no mundo atual, ser científica. Não há razão para pedir aos gays que sejam ateus, mas a razões para chamá-los para as fileiras anti-igrejas à medida que a filosofia pode lhes dar munição para dizerem coisa com “podemos ampliar nossos círculos de amizade usando palavras agregadoras antes que palavras de culpa a qualquer preço”.
© Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo, escritor e professor da UFRRJ