Autor Tópico: Dois artigos sobre a União Civil Homossexual  (Lida 1077 vezes)

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Rhyan

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Dois artigos sobre a União Civil Homossexual
« Online: 21 de Maio de 2011, 18:40:53 »
União homoafetiva: uma pequena vitória para a liberdade
17 de Maio de 2011 - por Magno Karl


No dia 5 de maio, o Supremo Tribunal Federal (STF) analisou duas ações sobre o reconhecimento legal das uniões homoafetivas no Brasil, propostas pelo governo do estado do Rio de Janeiro e pela Procuradoria Geral da República. Na ocasião, o tribunal reconheceu aos casais que estejam em uniões homoafetivas “públicas, contínuas e duradouras” os mesmos direitos e deveres que a legislação brasileira reserva aos casais heterossexuais.

Mesmo que a decisão do STF não tenha promovido a revolução dos meus sonhos liberais – já que não retirou do estado o poder de regular os termos de um contrato entre dois adultos –, ela foi uma pequena vitória para liberdade. Apesar de ainda existir regulamentação sobre as uniões civis, o estado deixou de definir a composição dessa união em termos do gênero dos participantes. Centenas de milhares de brasileiros que viviam às margens da lei se encontram agora aptos para gozarem da segurança jurídica garantida pela constituição aos seus iguais.

Há outro fator importante nesta discussão. Nos últimos anos, a união estável entre casais homossexuais já vinha sendo reconhecida por portarias do poder público ou pela justiça. Em 2005, a justiça determinou que o INSS concedesse o direito de pensão a um homem após a morte de seu parceiro, com quem vivera por 18 anos. No ano passado, uma portaria determinou ao Ministério da Previdência que tornasse definitiva a regra de reconhecimento de parceiros do mesmo sexo para fins de pensão. Neste ano, a Justiça Federal concedeu a José Américo Grippi o direito à pensão, 12 anos após a morte do companheiro Darci Dutra, ex-capitão do Exército. Os dois viveram juntos por 35 anos.

No dia 10 de maio, aqui mesmo no OrdemLivre.org, Monica Magalhães publicou o artigo"União estável, homofobia e igualdade de direitos". Nele, a autora afirma que o Brasil progrediu com o reconhecimento da união estável entre casais homossexuais e estamos mais próximos de viver em igualdade perante a lei quando os direitos e deveres dos cidadãos são independentes de circunstâncias como sua orientação sexual.

Discordando de Magalhães, Bruno Garschagen, autor do post “Uma perspectiva liberal sobre o casamento”, publicado no blog do OrdemLivre, não vê progresso na decisão unânime dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Garschagen prefere a posição adotada por André Azevedo Alves no artigo Casamento: entre o estado e a liberdade, de junho de 2010. Nele, Azevedo Alves questiona os motivos pelos quais o estado haveria de impor determinada tipificação legal de casamento à sociedade.

Não vejo contradição alguma entre os artigos de Monica Magalhães e André Azevedo Alves. Acredito que as duas posições são aceitáveis do ponto de vista liberal e mesmo conciliáveis. Na minha visão, tratam de cenários diferentes de uma mesma discussão.

Em seu artigo, Magalhães argumenta que o país progrediu em direção a uma sociedade "mais liberal e de igualdade perante a lei”. Compara, assim, um momento anterior e menos liberal, a um momento posterior, mais liberal, sem jamais argumentar que chegamos a uma situação ideal. Para ser mais específico, ela fala em “progresso em direção a uma sociedade mais liberal”. A autora não reivindica ser essa a posição liberal ou mesmo a situação mais desejável para um liberal.

Azevedo Alves, por sua vez, com o auxílio de Rizzo e Friedman, questiona a própria interferência do estado neste tipo de contrato, argumentando que seu papel nesse caso deve ser semelhante àquele que desempenha nos contratos em geral. Ele advoga a “desestatização do casamento”, uma ideia que não é necessariamente contrária à posição defendida por Monica Magalhães, cujo artigo afirma apenas que a decisão do STF nos moveu em uma direção mais liberal, mesmo que ainda não tenha chegado ao modelo ideal – como descrito, para o meu gosto, no artigo de André Azevedo Alves.

Ao determinar que a união entre João e José tenha o mesmo reconhecimento jurídico que a união entre João e Maria, o STF não implementa um modelo liberal, mas retira das mãos do estado um poder fundamental: o poder de determinar a composição dessa união. E esse é um passo em direção à sociedade mais liberal da qual nos fala Monica Magalhães, uma sociedade onde o estado tem menos poder para definir os termos da relação.

Apesar de admitir que a privatização do casamento seja a opção mais desejável, vejo avanço na decisão do STF. Ainda assim creio que não devemos perder de vista o que escreve David Friedman na passagem citada no artigo de André Azevedo Alves: “a única forma de escapar a este dilema é a opção neutra: retirar o governo da atividade de definir o que é ou não casamento”. A privatização segue sendo a única forma de evitarmos tais discussões e por ela devemos nos engajar. No entanto, a permanecerem algumas questões práticas que requerem o reconhecimento legal da convivência conjugal, prefiro que o estado possua menos poder para determinar as condições dessa parceria.

Para aqueles com disposição e recursos para enfrentar os trâmites legais, o reconhecimento da união estável de casais homoafetivos já era fato, mesmo antes do julgamento do Supremo Tribunal Federal. O que as ações do Ministério Público Federal e do Governo do Estado do Rio de Janeiro buscavam era o reconhecimento de STF e a simplificação desses processos. No artigo Marriage against the State, Jason Kuznicki sugere uma nova abordagem em relação ao casamento civil nos Estados Unidos e conclui: “o papel do governo federal em relação ao casamento é sair do caminho e, quando não puder ficar de fora, o seu papel deve ser, no mínimo, se comportar de maneira previsível, ordenada e de custo baixo, para garantir que os indivíduos possam conduzir suas vidas e de suas famílias da forma que acharem melhor”.

No caso brasileiro, na impossibilidade do estado sair do caminho por completo na questão das uniões homoafetivas, a decisão do STF resultou em uma política mais previsível sobre o reconhecimento dessas uniões pela justiça. Políticas mais previsíveis e de menor custo para as diversas esferas governamentais, para a iniciativa privada e para os beneficiários, livres de brigas judiciais que se estendiam por décadas, como no caso de José Américo Grippi e Darci Dutra.

Quando tratamos de decisões concretas, nossos princípios devem ser nossos guias, mas a expectativa de um salto futuro não deve nos impedir de dar pequenos passos no presente. Sem jamais abrirmos mão da política ótima, podemos aceitar de bom grado uma política boa. Uma sociedade em que há menos interferência do estado nos termos da relação entre dois adultos é uma sociedade mais liberal. Mesmo que essa ainda não seja a situação ideal ou a situação com a qual sonhamos e pela qual trabalhamos. Embora nosso objetivo seja a extinção de qualquer tipo de interferência estatal sobre os contratos firmados livremente entre dois adultos, uma sociedade onde há mais liberdade é sempre mais desejável do que outra onde haja menos liberdade.


Fonte: http://www.ordemlivre.org/textos/1291


Mais estado não significa menos estado
20 de Maio de 2011 - por Bruno Garschagen


Interessante a forma como os liberais avaliam a liberdade e a relaciona com as decisões governamentais, entendendo o governo como a soma dos três poderes (Judiciário, Legislativo e Executivo). E como, às vezes, o desejo pelo avanço das ideias da liberdade pode prejudicar a análise do problema.

Abordando a decisão do STF que reconheceu a união legal dos homossexuais, Magno Karl afirmou que a posição adotada pela Corte “foi uma pequena vitória para a liberdade”. Embora reconheça que não tenha sido a revolução liberal de seus sonhos, comemorou o fato de o estado ter deixado de definir “a composição dessa união em termos do gênero dos participantes”. Segundo acredita, “centenas de milhares de brasileiros que viviam às margens da lei se encontram agora aptos para gozarem da segurança jurídica garantida pela Constituição aos seus iguais”.

Citando um post que escrevi, Magno diz não ver “contradição alguma”, que eu apontara, “entre os artigos de Monica Magalhães e André Azevedo Alves”. Monica via a decisão do STF como um progresso rumo a uma sociedade “mais liberal e de igualdade perante a lei”. André, a meu ver corretamente, rejeitava a participação do estado num contrato que deveria ser privado. Magno, por sua vez, acredita “que as duas posições são aceitáveis do ponto de vista liberal e mesmo conciliáveis. Na minha visão”, disse ele, “tratam de cenários diferentes de uma mesma discussão”.

Permita-me discordar. Os cenários não são diferentes nem as posições são conciliáveis. O problema sob a perspectiva liberal é um só: o estado deve ou não continuar a impor uma determinada tipificação legal e a intervir na instituição social do casamento? Sendo esta a questão fundamental, então, a substância dos argumentos de ambos os textos são inconciliáveis.

Muito embora o artigo da Monica, como nota Magno, celebre a decisão do STF como uma importante conquista rumo a uma sociedade mais liberal em relação ao que era antes, e não de uma situação ideal, tal posição aceita o fato, para mim de suma importância, de que tal conquista implica, necessariamente, a ampliação da intervenção do estado na vida da sociedade ao colocar sobre sua esfera de intervenção uma parte dos indivíduos que não era abrangida pela união legal (e não importa ao argumento se essa parcela quisesse e tivesse lutado pelo reconhecimento).

O dado concreto é que a decisão implica no alargamento dos tentáculos do estado e um ataque à liberdade negativa. Foi justamente esta a armadilha apontada por André Azevedo Alves: “Nesta, como em muitas outras questões, a resposta mais intuitiva não é necessariamente a mais correta”.

Note que a defesa da redução da interferência estatal nos modos de vida e nos comportamentos resulta numa situação incômoda para grupos que desejam se submeter voluntariamente ao Leviatã. Novamente cito o texto de André: “Subjacente a esta linha de pensamento está a ideia de que essa certificação legal pelo estado pode ser utilizada como um instrumento de transformação social no sentido considerado desejável pelos seus promotores. Infelizmente, por muito meritórias que possam ser as intenções anti-discriminatórias de alguns dos seus promotores, a instrumentalização do estado para este tipo de efeitos simbólicos é ilegítima e potencialmente perigosa”. Subscrevo, subscrevo.

Assim, a vontade de se submeter ao estado, mesmo que quem assim o queira ignore esse aspecto ou mesmo lhe seja indiferente, não tem o poder de deslocar ou alterar o argumento liberal pela redução do poder e da interferência estatal. Se levarmos em consideração os fundamentos do liberalismo, festejar o reconhecimento legal da união homosexual não é um progresso rumo a uma sociedade mais liberal, mas rumo a uma sociedade mais amplamente submetida à órbita direta do estado, portanto, mais iliberal, como afirma André ecoando o argumento de Mario Rizzo”.

Defender o direito dos homossexuais em ver reconhecidos aqueles direitos que consideram importantes pode ser uma bandeira simpática, mas não necessariamente liberal, por mais antipática que possa soar essa posição, justamente porque se tenta modificar uma legislação absurda, que, por exemplo, impede a transferência de patrimônio por herança ao companheiro (a) homossexual(o que tornaria a reivindicação legítima), não eliminando-a, mas ampliando os seus efeitos que culminam no aumento da interferência estatal.

O que me interessa, neste caso, não são os direitos específicos dos homossexuais (e me desagrada profundamente me referir a indivíduos segundo uma categoria sexual), assunto que não faz parte das minhas preocupações, assim como a corrida de girinos, mas os resultados concretos da decisão do STF e as consequências não-intencionais.

Magno Karl encerra o seu texto afirmando que “quando tratamos de decisões concretas, nossos princípios devem ser nossos guias, mas a expectativa de um salto futuro não deve nos impedir de dar pequenos passos no presente. Sem jamais abrirmos mão da política ótima, podemos aceitar de bom grado uma política boa”. Permita-me, também para encerrar, apontar o equívoco subjacente às duas frases, que sugerem que a minha posição, de alguma forma, estaria demasiada conectada aos princípios a ponto de me fazer rejeitar os “pequenos passos no presente”. Como resultado, estaria eu a desconsiderar a política boa em benefício de uma política ótima. O problema é que a política boa representada pela decisão do STF está longe de ser liberal. Além do mais, se afrouxarmos os princípios a cada vez que as decisões concretas assim exigem teríamos decisões erradas demais e princípios de menos.

Num ponto, pelo menos, concordamos: “uma sociedade onde há mais liberdade é sempre mais desejável do que outra onde haja menos liberdade”. Para chegar a esta etapa, porém, os liberais não devem cair nas armadilhas colocadas pelos casos concretos. Inexiste uma contradição intrínseca e inevitável entre os princípios e a realidade. E a intuição e a boa vontade não devem substituir os fundamentos que permitem compreender a diferença extraordinária entre uma sociedade livre e uma sociedade submetida a decisões que apenas lhe dão uma aparência de liberdade.


Fonte: http://www.ordemlivre.org/node/1293

 

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