Decidi abrir outro tópico paralelo àquele da linha de campanhas que penso que terão efetividade próxima de nula ou até negativa, para explorar especificamente o porque disso: a mente do estuprador.
Me parece que esse tipo de campanha se baseia em teorias feministas sobre o estupro. Um resumo das idéias menos ridículas* nessa escola de pensamento talvez possa ser dado como uma citação de Susan Brownmiller, em "against our will", que sugere que o estupro "não é nada mais que um processo consciente de intimidação pelo qual todos os homens mantém toda as mulheres num estado de medo (p. 15)" (citação em resenha de "Causes of rape" pelo professor de psicologia David Barash).
Se partimos dessa hipótese, não é tão inimaginável que se pudesse recuperar estupradores com meros apelos, "por favor, não estupre". Mas o que diz a literatura cientifica quanto a recuperação de estupradores?
Gregory DeClue, PhD, em sua resenha dos livros "The Causes of Rape: Understanding Individual Differences in Male Propensity for Sexual Aggression" de Martin L. Lalumiere, PhD; Grant T. Harris, PhD; Vernon L. Quinsey, PhD; e Marnie E. Rice, PhD, e "Preventing sexual violence: how society should cope with sex offenders", de John Q. Lafond, diz:
então, temos uma idéia bastante boa sobre quais agressores sexuais são os mais perigosos, mas não sabemos o que fazer deles? E quanto ao tratamento? Funciona 'maravilhosamente bem' como na notícia que citei no começo dessa resenha? [...] A situação é ainda pior quanto ao caso de estupradores especificamente. Simplesmente não há evidência convincente de que tratamento alguma vez já fez com que estupradores desistissem ou ao menos reduzissem seu comportamento
O que é quase de conhecimento comum como sendo o caso com psicopatas mais genericamente.
E quanto a mente dos estupradores em si, da mesma resenha:
- estupro é mais comum quando as mulheres a serem estupradas são desvalorizadas e os custos percebidos do estupro são baixos.
- os homens com maior probablidade de desvalorizar mulheres e que incorrem ou percebem em menores custos por exibir coerção sexual têm maior probabilidade de estuprar.
- Estupro e coerção sexual pareem ser parte de uma tendência anti-social geral.
- Geralmente, estupradores não são sexualmente desprovidos de acesso à parceiras sexuais, e parecem procurar relações sexuais freqüentes e de curto prazo a um grau maior que homens que não se engajam em coerção sexual.
- O uso de táticas sexualmente coercivas é parte de uma série de outras táticas de reprodução anti-sociais usadas por homens anti-sociais para criar oportunidades sexuais e aumentar seu número de parceiros sexuais,
- estupradores são caracterizados por alto esforço em praticar sexo e anti-socialidade.
- Há forte evidência falométrica de que muitos estupradores são sexualmente diferentes dos homens que não cometem estupro.
Entre outros ítens.
Aparentemente não há, contudo, uma etiologia única da mente do estuprador. Há um que se encaixa mais nessa descrição, cujo comportamento se extende mais por toda a vida, e outros traços de distúrbio de personalidade anti-social são mais evidentes, e há o que deve ser responsável talvez pela maior parte dos estupros, "estupros em encontro", "estupros entre conhecidos", cujo comportamento estuprador é mais restrito à adolescência e juventude. É nesse último que os defensores de tentativas de prevenção como a dos cartazes já mencionados dizem ter um enfoque, não no primeiro, que erroneamente algumas vezes consideram uma entidade "lendária".
O problema é que mesmo para esses a situação ainda não inspira otimismo quanto a simples apelos de "por favor, não estupre". Segundo alguns pesquisadores, eles ainda não são "qualquer um", um homem normal, mas ainda estão dentro de um perfil de distúrbio de personalidade anti-social, ainda que algo um pouco mais ameno, e menos evidente, "sociopatia secundária" (Mealey). A sub-classificação seria narcisismo (Baumeister), que não é como no uso popular, uma vaidade exacerbada, mas algo mais sério, que inclui a característica mais "clássica" e crucial de baixa empatia às outras pessoas.
Uma objeção que parece um pouco comum é a de dizer que "os estupradores não são psicopatas, eles podem ser, e na maior parte dos casos são, um colega de trabalho ou de classe, um vizinho, um parente." O problema é que isso deriva da percepção do fato de que estupradores não se enquadram apenas naquele primeiro tipo, erroneamente classificado até como "legendário", mas que pode ser uma "pessoa comum", e não um óbvio vilão de filme de terror. Mas não há nada nessas categorias de pessoas aparentemente comuns que seja incompatível com "psicopata"/distúrbio de personalidade anti-social/narcisismo. Ao contrário, me parece razoável supor que se uma pessoa próxima comete tal crime então se enquadraria mais firmemente como tal, uma vez que normalmente a empatia é maior para pessoas próximas.
Baseado nisso, eu me pergundo, é possível gerar a empatia necessária através de cartazes como esses em pessoas que, ao que tudo indica, não são completamente normais, cujo problema é justamente uma falta de empatia? Esses cartazes me parecem ser "pregação ao clero", só "funcionam" para alguém que normalmente já não seria estuprador de qualquer forma, assim como "funcionariam" cartazes se dirigindo as mães em geral pedindo para não queimar as mãos dos bebês ou crianças segurando contra panelas quentes quando se irritarem com elas, pedindo que não as joguem de janelas e etc.
E pior, em combinação com a outra abordagem, "beber não é crime, estuprar é", temo que, se as mulheres forem realmente ingênuas o suficiente para desistirem da idéia de pensar em alguma forma de prevenção da parte delas, o ambiente resultante é uma falsa sensação de segurança originária desses cartazes-placebo e um aumento da vulnerabilidade das potenciais vítimas.
A única área que imagino que um trabalho de "conscientização" focado no estuprador poderia ter algum efeito seria para os casos envolvendo uso de bebida alcoólica. Não lembro de ter lido sobre isso, mas parece muito razoável supor que uma pessoa alcoolizada poderia "virar" um estuprador mesmo não se enquadrando naturalmente em nenhum dos dois tipos anteriores, apenas por um estado alterado pelo álcool.
Mas nesse caso, o enfoque dos cartazes ainda está errado, deveria ser dirigido mais especificamente a esse risco da pessoa perder o controle e se tornar agressiva sob efeito de álcool. A mensagem não deve ser, "não estupre no elevador", mas "cuidado, se beber demais, você pode acabar se tornando um estuprador" (ainda que talvez a perspectiva do homem mesmo poder ser vítima de estupro talvez seja mais motivacional).
Ao mesmo tempo eu não descartaria uma parte dirigida às mulheres recomendando não só também não beber além da conta, como evitar quem esteja bebendo demais -- ainda que algo assim provavelmente será alvo de ataques histéricos sob a acusação de estar se "culpando a vítima". Coisa que curiosamente não acontece com recomendações de prevenção à qualquer outro tipo de crime, por motivos que ainda não consigo entender. Se eu fosse ser tão conspiratório e acusador quanto são algumas dessas pessoas, concluiria que é tudo uma farsa, que o objetivo é justamente fazer com que mais pessoas sejam vítimas de estupro. Mas acredito que estejam simplesmente sendo ingênuas e preconceituosas.
Também li alguma coisa sobre estratégias nesse sentido, mas não vi muita coisa e nem lembro de nada sobre efetividade. Elas só podem ser efetivas para esses casos especificamente, e não algo universal. Cuidados ainda devem ser tomados levando em consideração os estupradores cujo comportamento não é induzido apenas pelo mau uso de álcool.
Alguém saberia me apontar a qualquer coisa que contradiga algo disso que eu expus? Haveria chance de realmente esses cartazes surtirem algum efeito considerável em estupradores?
* porque há outras coisas bem piores. Como Principia Mathematica de Newton ser "um manual de estupro", E=mc² ser uma equação "sexualizada" porque "privilegia a velocidade da luz em detrimento de velocidades que são mais vitalmente necessárias para nós"; a mecânica de fluídos supostamente ser injustamente negligenciada, porque a "física masculina" privilegia coisas rígidas e sólidas (Dawkins, "postmodernism disrobed").