Autor Tópico: Ateus e seus filhos  (Lida 1473 vezes)

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Offline rizk

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Ateus e seus filhos
« Online: 09 de Julho de 2011, 20:41:44 »
Mais um texto sobre os ateus com filhos, a dificuldade de encontrar escolas laicas, e aquele PROBLEMÃO: como educar as crianças numa sociedade como a nossa.

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Ateus e agnósticos, esses seres esquisitos

Depois de um breve período matriculada em uma escola laica, minha filha, aos 6 anos, sentou-se à mesa e começou a cantarolar: “Meu lanchinho todo dia vou tomar para o Papai do Céu triste não ficar…”. A música deveria estar vindo da escola, perguntei se era o que cantavam para lanchar. Ela afirmou que sim, estava contente porque havia conseguido decorar; as outras crianças matriculadas desde a pré-escola já sabiam a letra toda.

Perguntei quem ela achava que era o Papai do Céu.

– Ah mãe, é um senhor grandão que fica lá no Céu espiando se a gente faz tudo direitinho aqui embaixo na Terra.

Tremi nas bases, era tudo o que eu não ensinara e não recomendo que se ensine às crianças. Ser temente a um Ser Supremo Imaginário é um caminho para a abertura do núcleo psicótico de qualquer humano em fase de desenvolvimento infantil.

Religiosidade é coisa complexa demais para o cérebro infantil, as crianças deveriam ser poupadas desse tipo de doutrina até que tivessem o córtex totalmente desenvolvido e capacidade de discernimento para estudar e escolher — ou não — uma religião.

O irmão de 17 anos explicou que ela podia ter certeza de que não havia um Grande Homem no Céu espionando quem quer que fosse, retirou a pequena de perto dos meus olhos perplexos e pôs-se a estudar ludicamente com ela um livro infantil a la Carl Sagan, que ele havia recebido de presente de um amigo geólogo por volta dos mesmos 8 anos. Liguei para a escola e marquei reunião com professora e coordenadora.

A coordenadora, em voz monótona, afirmou que a escola era laica e que nenhum professor estava recebendo qualquer orientação sobre ensinar religião. A professora, mais íntima porque já nos conhecíamos, contou ingenuamente que todos os dias agradeciam o lanche a Deus, cantavam a música, mas que de maneira alguma vinculava Deus a qualquer punição quando as crianças não faziam as coisas direitinho.

– Não é religião, ensino a eles sobre Deus, um Deus de todos, sem uma religião, até porque na sala tem crianças de várias religiões, às vezes uso o termo Papai do Céu, mas normalmente uso Deus mesmo.

Perguntei a ela como achava que seria essa condução para crianças vindas de famílias que não crêem em Deus, os ateus. Ela olhou-me estupefata, impressionadíssima.

– Ah, mas não me diga que a senhora sendo uma pessoa engajada nas questões ambientais, no respeito às crianças, alguém que faz campanha contra bater em crianças, é contra Deus, como pode não acreditar em Deus?

Respirei fundo e marcamos outra reunião para conversar sobre a separação entre pedagogia e crenças pessoais.

No Dia das Mães, a mesma escola laica marcou um evento na igreja católica. Tudo pelo social, lá fomos nós e numa demonstração de apreço por todas as religiões houve um desfile com entrada triunfante de representantes das várias igrejas da comunidade. Achei interessante, a menina estava aprendendo que existem várias religiões das mamães e dos papais, mas continuava sem entender direito porque seu papai e sua mamãe não pertenciam a qualquer daquelas instituições. E dê-lhe aula de ciência-para-crianças em casa, um dia ela poderia juntar lé com cré.

Mudamos para Porto Alegre no início desse ano, ela agora está com quase 9 anos. Tomei o cuidado de escolher uma escola laica. Foi dificílimo encontrar na cidade um colégio que não tivesse nome de santo ou de santa. Ainda que as escolas com nomes de santo afirmem que são laicas, escolhi uma com nome laico. Obviamente não foi o único fator considerado e nem mais o importante.

Pois justamente na semana passada, às vésperas da campanha da ATEA anunciada aqui no Sul21, vindo da escola com a menina, volta o assunto latente:

– Mãe, na minha sala as meninas estão fazendo catequese, elas me convidaram, é tipo uma aula para depois desfilarem de vestidos brancos na igreja. Posso fazer?

– Filha, elas são católicas, nós não somos católicos, só os católicos fazem aulas de catequese e depois tem um dia que é dessa cerimônia, a primeira comunhão.

– Isso mesmo mãe, primeira comunhão. E se eu quiser ser católica, posso ser?

– Pode, mas é muito cedo para essa decisão e optar por ter uma religião é optar por cumprir as regras da religião. Papai, mamãe e teus irmãos não gostam das regras das igrejas e não seríamos hipócritas de ter uma religião se não podemos cumprir suas regras, por discordância ou simplesmente por não gostarmos.

– O que é hipócrita?

– É assim quando uma pessoa pensa e sente de um jeito, mas diz e faz outra coisa.

– Ah entendi, uma pessoa mentirosa dela mesma… Mas mãe, eu queria um exemplo de regra da igreja católica que vocês não cumpririam.

– Hummm, sabe assim quando teu irmão e tua irmã dormem na casa dos namorados e nós damos boa noite e achamos tudo normal?

– Aham, sei, normal.

– Pois é, para a igreja católica isso é considerado errado, as pessoas só podem namorar assim de dormir juntas depois que casam.

– Entendi, acho que também não vou gostar de ser católica. E as outras religiões, que regras têm?

– Muitas regras, a maioria das religiões acha que mulher é uma pessoa menor em relação ao homem, que nossos amigos gays são feios, sujos e malvados; existem algumas religiões que não permitem que as mulheres usem calças compridas e brincos e quase todas elas acreditam que o Universo inteiro foi criado em sete dias por uma única pessoa que nos olha, nos controla e nos castiga ou nos orienta fazendo com que sejamos bons e felizes.

– Isso já entendi, o T. me explicou que as meninas e os meninos pobres da guerra são bons e infelizes e tem gente bem má que anda por aí superfeliz, então, o Deus controlador, se existisse, precisava ser demitido.

Sorri e expliquei a ela que esses assuntos eram bem difíceis de tratar na escola e que se ela sugerisse que Deus deveria ser demitido as pessoas poderiam não rir e não entender como eu, o seu raciocínio. Remeti-a à nossa convivência familiar, pacífica, democrática, garantindo que não fazíamos nada de errado e praticando o bem, como praticamos, tudo está bem, inclusive os deuses das pessoas, as suas religiões, que ela jamais pensasse que nossa família poderia ser do mal por não ter religião.

– Ihh mãe, fica tranqüila, claro que sei disso, mas que nossa família é esquisita, isso é, já percebi que até as professoras acham estranho esse negócio de não ter religião. Mãe, mas me diz, não existe assim nenhuma religião inteligente?

Liberdade religiosa ou condescendência com a burrice?

– Hummm, as religiões podem parecer bem bonitas, uma vez procurei muito por uma religião e andei viajando o mundo para encontrar alguma. Na Índia conheci o hinduísmo e o budismo, adorei a história dos ventos internos dos budistas, da alimentação, a paz na meditação, mas quando saí de dentro do templo, a igreja deles, era tanta pobreza lá fora, tanta gente precisando de ajuda ali na vida de verdade que até me senti mal de ter ficado aquele tempo meditando no ótimo conforto, foi como se fizesse parte de um lindo quadro flutuando na lama. E no Japão conheci uma religião também bem linda, o taoísmo, eu adoro até hoje ler os textos taoístas, mas na prática tem também muitas regras que não poderia seguir. As pessoas ficam rezando para uma vida melhor depois da morte e o nosso pequeno planeta Terra está precisando que a gente aja para as coisas darem certo na vida aqui e agora. Olha filha, acho que a diferença é que nos preocupamos menos com o que vai ser de nós depois da morte e mais com o que vamos deixar de bom aqui na Terra, com o que podemos pensar, sentir e fazer enquanto estamos vivos.

– Ah, sei como é, minha amiga esses dias disse que ia rezar muito para fazer um bom trabalho de apresentação para a professora e os colegas; acho que sou como tu e o papai, vai ver é genético, porque cheguei em casa e fui logo pensar e fazer a minha parte do trabalho, se eu ficasse rezando o trabalho não ia aparecer sozinho, isso tenho certeza. Como diz o papai, as coisas boas não caem do céu, né, mãe?

–  Não, querida, até a boa chuva que cai do Céu tem a ver com o que fazemos aqui embaixo e todas as coisas más podem ser fabricadas aqui mesmo e é aqui mesmo que precisamos acertá-las.

Difícil encontrar espaço na sociedade laica, num país laico, para ser ateu ou agnóstico. A campanha chega em boa hora e talvez promova uma oxigenada básica nas atitudes daqueles que não praticam as regras de suas religiões, mas compram o certificado de salvação do inferno, por via das dúvidas. Agora, os que investem dinheiro no Céu, esses estão aqui literalmente pela hora da morte, nada mais interessa preservar.

http://sul21.com.br/jornal/2011/07/ateus-e-agnosticos-esses-seres-esquisitos/

Offline Aronax

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Re: Ateus e seus filhos
« Resposta #1 Online: 11 de Julho de 2011, 09:40:39 »
É um problema...eu criei duas filhas, que estudaram em colégio católico......
Em casa eu falei de religião antes que outros o fizessem....dei minha versão, que elas ouviam quase diariamente, sempre que de alguma forma pudesse ser falado....mesmo que não diretamente com elas...
Antes de irem para a escola falei que deviam responder as questões de religião apenas para ter a nota...responder o que queriam que respondesse....Resultado...são adultas, e uma delas é atéia, e a outra não segue religião nenhuma...e são, modestia a parte, ótimas pessoas.....
Uma verdade ou um ser podem ser vistos de vários pontos, porém a verdade e o ser estão acima de pontos de vista.

Offline Titoff

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Re: Ateus e seus filhos
« Resposta #2 Online: 11 de Julho de 2011, 10:13:38 »
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– Hummm, sabe assim quando teu irmão e tua irmã dormem na casa dos namorados e nós damos boa noite e achamos tudo normal?

– Aham, sei, normal.

– Pois é, para a igreja católica isso é considerado errado, as pessoas só podem namorar assim de dormir juntas depois que casam.

– Entendi, acho que também não vou gostar de ser católica. E as outras religiões, que regras têm?


Menininha já espertinha, hein? :hihi:

É difícil poupar um filho disso. Podem ser os coleguinhas na sala, professora, creche, babá, sogra, etc, enfiando minhoca na cabeça da criança enquanto você trabalha.

Offline Südenbauer

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Re: Ateus e seus filhos
« Resposta #3 Online: 15 de Julho de 2011, 20:08:03 »
Eu ia vir postar esse texto.

Acho que os pais têm direito de influenciar seus filhos a respeito de suas cosmovisões. Ao mesmto tempo, não vejo a diferença entre pais religiosos e o que essa mãe atéia que só fala sobre os aspectos negativos da religião. Também não compactuo, como já comentei em outros tópicos, desse medo macartista dos filhos aprenderem sobre Deus ou religião na escola. Essa mãe tomou cuidado até em escolher uma escola cujo nome não fizesse menção religiosa. Menos, né? "Hum... Escola Monteiro Lobato... não gosto desse autor. Escola Presidente Afonso Pena... hum... não é o meu presidente favorito."

[quoteTremi nas bases, era tudo o que eu não ensinara e não recomendo que se ensine às crianças. Ser temente a um Ser Supremo Imaginário é um caminho para a abertura do núcleo psicótico de qualquer humano em fase de desenvolvimento infantil.

Ao contrário da mãe, acho que religiosidade é natural ao ser humano assim como não vejo nada em nocivo em uma criança acreditar em uma ordem transcendental consciente das coisas.

Mas aprecio o engajamento da mãe em trazer a discussão à superfície.

Offline Sergiomgbr

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Re: Ateus e seus filhos
« Resposta #4 Online: 15 de Julho de 2011, 22:30:33 »
Filhos, pra que tê-los? :twisted:
Brincadeirinha! :P
Oque uma criança pode saber acerca da aflição dos homens? Que a mamãe e papai do coleguinha na escola acredita que pode superar uns "momentos"..., atribuindo a coisas "mágicas"compartilhar os rumos de suas vidas? Uma criança pode perceber que o mundo é fantástico e quanto disso é fantasia desde muito cedo, e qual o pensamento de seus pais acerca de tudo isso!
« Última modificação: 15 de Julho de 2011, 22:59:22 por sergiomgbr »
Até onde eu sei eu não sei.

Offline MaiconO

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Re: Ateus e seus filhos
« Resposta #5 Online: 16 de Julho de 2011, 14:48:06 »
Gostei muito do texto
Isso mostra como uma família atéia é mais tolerante.
Diálogo entre uma filha e sua mãe atéia de acordo com o texto.
Filha: Mãe e se eu quiser ser católica, posso ser?
Mãe: Pode, mas é muito cedo para essa decisão.
Se fosse uma mãe que frequentasse uma igreja evangélica conversando com sua filha:
Uma possível resposta da mãe seria: Não. Ou usaria também uma explicação que não é ofensiva (acho que não aconteceria): a igreja católica possui algumas crenças que não vão de acordo com as nossas.

 

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