Autor Tópico: de Thales a Newton  (Lida 1250 vezes)

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de Thales a Newton
« Online: 14 de Julho de 2011, 17:50:40 »
Para quem se interessar, tiver um tempo ocioso e quiser exercitar seus conhecimentos de história da ciência: quais detalhes no texto refletem episódios verídicos? Há alguns detalhes interessantes. O tamanho da fonte é para ficar, espero, mais confortável.



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Sobre modelos, sistemas e idéias: de Thales a Newton


Parte I

   Uma densa escuridão já se mostrava pela janela do laboratório, quando finalmente estávamos com tudo arrumado para a última viagem. Eram 18:45. Esperava o ponto crítico do processo, enquanto esticava minhas costas. Estava um pouco cansado com isso tudo pois, depois da primeira viagem ao século retrasado, já não sabia ao certo a qual eu mesmo pertencia. Pensava se ele também estava com os mesmos sentimentos.
Da última vez que nos encontramos estávamos em Estocolmo, em 2079, acompanhando as comemorações dos duzentos anos do nascimento de Einstein, juntamente com a premiação pela idealização do QCM (manipulador do continuum-quadridimensional), aparelho que tornou possível a nossa peregrinação. Há mais de seis meses não nos víamos, e somente durante a cerimônia fomos trocar umas palavras:
− Parabéns, Dr. − Tomei a iniciativa, embora um pouco hesitante. − Parabéns a você também. − Disse ele, de forma mais simpática que eu.
− Não pensei que seria tão cedo, afinal fazem apenas oito meses da primeira viagem. − Continuei, tentando manter a conversa. − Acho que o comitê deseja reverenciar nosso trabalho o quanto antes, para não menosprezar nosso feito.
− Ainda mais depois das indiferenças que recebemos assim que anunciamos a possibilidade tecnológica de criar e manipular os wormholes.
− Pois é. Nada como uma competente demonstração, para calar as resistências. O que pretende fazer com o dinheiro? − Continuei.
− Não sei ainda. Depois que voltarmos da “Última Viagem” terei bastante tempo para pensar nisso.
Senti um frio na espinha ao ouvir aquilo. Ele realmente não tinha esquecido da promessa que fizemos quando conseguimos que o equipamento funcionasse, indo logo em seguida para o séc. XIX para testar seu desempenho. A viagem não foi nada agradável, não apenas pelo mal estar corporal, mas também porque provocou lapsos de memória, juntamente com uma certa confusão “existencial”. Mas a promessa, de fazermos um “tour” completo pela história para darmos um alô aos “responsáveis” pela compreensão que temos do universo, tinha sido feita e deveria ser cumprida. Não por um sentimento de culpa, de talvez quebrar a promessa, mas porque devíamos isto. A nós e a eles. Mesmo não gostando dos detalhes históricos, ao contrário dele, que adorava, eu sabia que devia continuar.
Eram 18:50. O ponto crítico fora então atingido. O mal estar habitual começou a tomar conta de nós, enquanto a pressão corporal baixava a ponto de praticamente dormirmos. Quando acordamos, o Sol brilhava alto. O mar estava calmo em Mileto. Após uma pequena refeição e providenciarmos os trajes da época, fomos então em busca deles. Chegamos mesmo a conversar com os três: Thales, Anaximandro e Anaxímenes. Eu, claro, achei tudo um absurdo. Como estes três filósofos, que eram considerados precursores da explicação da Natureza, sem invocar os Deuses, podiam ter idéias tão absurdas? Como minha formação era científico-tecnológica, não conseguia perceber a relevância de conhecer os pormenores e subjetivismos alheios. Ainda que viessem de “ilustres pensadores”. Para Thales, por exemplo, a água constituía a base de tudo. Mas como? Não sabia ele que há vários outros elementos? Os outros dois, Anaximandro e Anaxímenes, com idéias malucas como o “apeíron”, e o ar compondo tudo o que existia, também não ajudava. Enquanto o Dr. conversava, admirado, eu não podia conter uma feição de rejeição, mas o Dr. não permitia que eu abrisse a boca. Por certo estava temeroso que eu falasse uns impropérios, mesmo depois do nosso acordo, de jamais revelarmos quem somos e de onde (ou quando) viemos.
Depois de um dia de conversas, já perto da noite, o Dr. disse-me:
− Percebi seu descontentamento com as idéias dos nossos amigos. Como sei que sua formação histórica e cultural está no limite tendendo a zero, vamos fazer disto também uma grande escola para você. Não percebe o grande salto de raciocínio que temos aqui? Pela primeira vez temos uma tentativa de se libertar dos desígnios dos Deuses, com explicações mais “coerentes” para a Natureza.
   − Coerentes? − Respondi, quase que em um grito. − Como podem ser coerentes?
   − Coerentes ao seu tempo. Com o conhecimento disponível.
   − Quase zero, você quer dizer. − Disse eu, de forma irônica.
   − Sim, quase zero! Mas não é assim que começa? Ou você acredita que suas equações diferencias caíram do Céu? Que algum “Moysés” subiu em uma montanha e disse: a taxa de variação temporal do momento é igual à força aplicada? Tudo começa com pouco, mas este pouco que é tudo! Percebe que estas pessoas já estão formando uma idéia de composição, de combinação e de concentração?
   − É. Talvez eu esteja me precipitando. Aquele cara, o Heráclito, já tem uma boa idéia do dinamismo das coisas.
   Continuando nossa viagem, conhecemos Empédocles e Pitágoras, sendo este último de maior interesse para mim. Afinal ele gostava de números! Achava que eles estavam mesmo no cerne de tudo, com suas relações e simbolismos. Só não gostei de todo aquele misticismo, que por sinal não deixaria de me perseguir tão cedo. Com Empédocles ouvi pela primeira vez a idéia de “quatro elementos” constituintes de tudo e, como o Dr. dissera, mais um passo para estruturar um modelo para a Natureza. Por falar em modelo, fiquei quase maluco ao estudar os modelos criados para explicar o sistema solar (que para os pensadores da época era o Universo!). O “fogo central” de Filolau me fez pensar no poder da crença em uma informação que não se podia, de forma alguma, comprovar. O Dr. me garantiu que depois iríamos conversar sobre isto, que veríamos que muitas das nossas próprias idéias também não podem ser comprovadas. Eu estava pagando para ver!

   Na próxima parada, fomos falar com Aristóteles. E, depois de já ouvir algumas coisas ao seu respeito, diria umas poucas e boas para ele. Mal deixei o Dr. falar, e comecei o meu ataque:
   − Pois então amigo Aristóteles. Nunca, nessa sua cabecinha, passou-lhe pela cabeça arremessar uma pedra para perceber seu real movimento?
   − Mas eu não preciso. − Disse ele, com um tom estóico. − Sei que, mesmo que a trajetória não se dê exatamente como digo, ela tenderá a fazê-lo em um mundo ideal, sem a corruptibilidade existente.
   − Você está de rodeios... Veja só. − Peguei uma pedra e joguei-a ao longe. − Percebeu como ela faz uma movimento curvilíneo em sua trajetória? E não tem nada dessa história de “antiperistasis”. Pois na ausência de ar as coisas continuam se movimentando, e para sempre!
   − Movimento no vazio? Isto é um absurdo. − Disse Aristóteles, agora não muito estóico. − Não só este movimento não existe, como o próprio vazio não existe! Como pode não haver algo? Tudo tem seu destino, seu lugar natural. É essa a causa do movimento de qualquer coisa, e nada mais existe além das coisas em seu lugar natural, dentro do Universo. E também não entendi o seu “para sempre”. Se fosse assim, não haveria um fim para o Universo e isto é outro absurdo. O Universo tem sua hierarquia, da Terra ao Primeiro Motor. E acaba aí. Não tem nada depois, nem sequer existe um depois.
   − De onde eu venho essas suas palavras o levariam para o manicômio. − Ao dizer isto o Dr. deu-me uma pisada no pé que tive que disfarçar a dor. E Aristóteles continuou:
   − Não sei o que é esse tal de manicômio, mas sei que você não tem o mínimo juízo para analisar o Universo. Como se bastasse eu jogar uma pedra! Não sabe você que a Natureza é muito mais sutil que como ela mesma se nos apresenta? É preciso muito mais que jogar uma pedra! E ainda assim, as conclusões que tiramos dos eventos aqui na Terra não podem ser aplicadas, jamais, para as esferas além da nossa. Pois estas são de uma outra natureza.
   Realmente desisti de convencer aquele cara. Na verdade fui obrigado a desistir, não só devido às repreensões do Dr., mas porque percebi que eu mesmo não era tão bom com argumentos. Eu estava acostumado a fazer e mostrar os resultados, mas não poderia fazer isto ali. Não poderia dizer como eu sei as coisas que sei. E mesmo que eu pudesse, acho que ele encontraria uma saída para qualquer questionamento. Difícil este Aristóteles. E não tive sorte também com Ptolomeu, que não me convenceu (e muito menos eu a ele) com o geocentrismo.
   − Percebeu como a crença em um movimento circular condicionou séculos de atraso no conhecimento astronômico? − Disse eu, mais tarde, esperando um balançar de cabeça concordando comigo. − Aquelas idéias de epiciclos, eqüantes... Que bagunça!
   − Novamente lá vem você... Pois eu não diria atraso, e sim avanço! Não fosse o movimento circular de Platão e de todos os outros que o adotaram como princípio, provavelmente estaríamos ainda pensando que a Terra está sustentada por quatro elefantes, apoiados sobre tartarugas que se apóiam, por sua vez, em serpentes que flutuam na existência. E não esqueça que os planetas possuem uma órbita praticamente circular!
   − Agora você deve estar brincando, Dr! Qualquer criança do jardim da infância sabe que os planetas e tudo o mais possuem órbitas elípticas.
   − É mesmo? Pois eu o desafio, na próxima viagem para Titã, a ver a diferença. Mais tarde, quando encontrarmos Tycho e Kepler, você compreenderá melhor.

   Já estava precisando de uma folga dos “velhos tempos a.C.”, quando “desembarcamos” na Idade Média. Os caras por aqui já estavam com uma argumentação mais madura (pelo menos para mim, sei que o Dr. me repreenderia novamente se dissesse isso a ele). Um tal de Filoponos, na alta Idade Média, teve “peito” para contradizer Aristóteles, ainda mais depois que os caras de chapéu engraçado, nas igrejas, adotaram suas idéias. Filoponos, embora admitisse uma “força impressa”, assim como Hiparco uns setecentos anos antes dele, já percebia uma “resistência” oferecida pelo ar. Demorou uns mil anos até que Buridan viesse com o “ímpetus” dele, propriedade que era fornecida ao objeto em movimento, e que só cessava por influências externas. Gostaria de levar Tartaglia e outros colegas afins para conversar com Aristóteles. Teria dado, no mínimo, uma acirrada conversa.
Mas a Idade Média já estava ficando, para mim, um pouco em trevas. Foi quando nos deparamos como pessoas que fariam Aristóteles sair “dando estrela”. E, vejam só, algumas destas pessoas eram daquelas que usavam chapéu engraçado! Dois “Nicolaus” começaram a mexer profundamente nas estruturas de Aristóteles. O primeiro deles, Nicolau de Cusa, já ousava dizer que o universo não tem limites, e que não tem esse papo de natureza diferente acima da Terra. É tudo farinha do mesmo saco! Não preciso dizer que gostei dele, se bem que ainda ouvia muito a palavra Deus. Na verdade, não deixaria tão cedo de ouvir esta palavra, e eu e o Dr. ainda teríamos uma conversa séria sobre isto.
Com Nicolau Copérnico finalmente vi meu querido Sol em seu lugar. Depois de falar com Aristarco, ainda nos “anos a.C.”, que, ao contrário da filosofia aristotélica dominante, defendia que o Sol estava no meio daquilo tudo, cogitei por quanto tempo levariam o absurdo do geocentrismo em frente. E levaram longe! Estamos praticamente na renascença, e só agora vem um cristão (literalmente!) me dizer que a Terra não é o centro do Universo... E provavelmente influenciado pelo nosso amigo Aristarco! Copérnico, assim como eu, não gostava nem um pouco das estratégias dos geocentristas em “salvar os fenômenos”. A ironia é que ele ainda manteve algumas destas estratégias, embora seu modelo fosse de uma matemática bem mais acurada. Como matemática é a minha praia, tivemos algumas boas conversas:
− E aí, Copérnico. E como é que você se defende da crítica do pessoal que diz que a Terra tem que estar parada, pois se assim não o fosse, um objeto atirado para cima não cairia no mesmo lugar? − Perguntei, sem os habituais puxões de orelha do Dr.
− “E aí?” Hum, bem... “E aí” pra você também. Pois é. Não tenho uma resposta definitiva para esta questão, mas − deixe eu falar baixinho, pois isto pode ser perigoso − sei que a Terra está em movimento. É mais coerente assim. Quando jogamos algum objeto para o alto, de alguma forma este objeto continua acompanhando o movimento de Terra, e por isso parece que estamos parados. A história ainda me dará razão.
− Com certeza! − Respondi, já percebendo o impropério. − Quer dizer, é claro que um raciocínio tão belo e coerente deverá prevalecer sobre os outros.
− Espero que assim seja. Mas, por favor, não diga a ninguém que eu te disse isto! Não sei se quero que saibam das minhas idéias.
− Como não? Você precisa mandar isto já para uma gráfic... quer dizer... precisa divulgar suas idéias. Já sei: e se dissesse, você ou alguém, que é apenas um modelo matemático para a explicação dos movimentos que observamos aqui da Terra? Talvez assim fosse possível manter estas idéias em voga tempo o suficiente para descobrirem que se trata da verdade.
− Excelente idéia! Acredito que esta possa ser a solução. Muito obrigado, sr...
− Chame-me apenas de “colega”. − Retruquei.

Mais tarde, esperando o sono chegar, comentei com o Dr.:
− Gente fina esse Copérnico. Meio temeroso, mas uma cara legal. E as inovações não acabam aqui, não é mesmo?
− É claro que não. Agora é que estamos chegando perto daqueles que irão abrir caminho para o surgimento do grande Newton. Quanto à cautela de Copérnico, é perfeitamente compreensível. Sabe aqueles caras cujo chapéu você acha engraçado? Pois é... eles estão pegando pesado. Apenas uma geração depois de Copérnico, temos Giordano Bruno que será queimado vivo!
− O quê? Porquê? O que ele fez? Dormiu com a filha de um desses caras?
− Não, não. É pior: defende que o Universo é infinito, que nem a Terra e nem o Sol estão no centro de tudo, e que até existe vida em outros planetas!
− E é queimado por isso? Acho que meu nariz vai sangrar de nervosismo. Mas o que estamos esperando? Vamos já salvá-lo.
− Não, você ficou louco? Não podemos fazer algo que modifique a este ponto a história. É muito perigoso... Espero que não tenhas já feito alguma alteração...
− Eu? Ãhn... É claro que não. Só bati um papinho com o Copérnico, nada mais.
   − Melhor assim. Agora descanse um pouco. Lembra quando te falei do Tycho e do Kepler? Pois é... Amanhã vamos conhecê-los.

   No dia seguinte conhecemos um cara de nariz engraçado, parecia o homem de lata. Fomos ao seu castelo, que parecia que sairia andando de tantos aparelhos utilizados para medição da posição dos astros. Achei incrível, quase sobre-humano, a quantidade e qualidade dos dados colhidos por Tycho e seus ajudantes. E, mais uma vez irônico, é o fato de ele acreditar em uma Terra estática. Se ele soubesse que seus dados não só levariam à destruição deste modelo, como também à destruição do dogma do movimento circular! Acho que ele “teria um filho”...
   Mais tarde fiz questão de dar uma fugidinha do Dr. para dar uma palavrinha com Kepler:
   − E aí, Kepler. Calculando muito?
   − “E aí”? Ãhn... Pois é... Aqui estou calculando muito sim. − Respondeu ele, meio não entendendo.
   − Aquele seu papo dos sólidos perfeitos é uma viagem, não? − Continuei.
   − Uma viagem? Acho que compreendo o que quer dizer... Sim, é uma viagem a um mundo de relações. Mas esta idéia não é exclusividade minha, um grande pensador antes de mim já falava neles.
   − Sim, eu sei: nosso amigo “Pita”. Mas usar estes conceitos para descrever o sistema solar, é coisa sua, não?
   − É. Mas já descobri que foi apenas uma conjectura. Meus últimos cálculos mostram que foi tudo uma grande viagem, como você disse. O legal é que estou conseguindo mostrar que o modelo do meu colega Tycho não tem razão de ser, e que Copérnico é “o cara”. Na verdade nem tanto, pois também descobri que os planetas não descrevem órbitas circulares. Veja só. − Ele me mostrou um desenho onde representava a órbita de um planeta. − Percebe?
   − Percebe o quê? − Perguntei em seguida. − Só vejo um círculo!
   − Não, não. É uma elipse. Embora sua excentricidade seja pequena, vê-se que não é um círculo. Os dados que “peguei emprestado” de meu colega mostram que tem que ser assim.
   Agora percebia o que o Dr. queria dizer. Para mim aquilo era um círculo, e fiquei realmente impressionado de saber que nesta época já havia um espírito tão grande de precisão. E, ao constatar que o próprio Kepler abandonaria (como o fez, com seus sólidos perfeitos) suas teorias se os dados assim o exigisse, tive que dar o braço a torcer. Apesar de suas “viagens”, estes caras eram geniais.

   Talvez mais genial ainda seja o Galileu. Quando descobri que ele não considerava a Bíblia como fonte de conhecimentos científicos, que construiu uma luneta e “descobriu” os anéis de Saturno, as luas de Júpiter, as fases de Vênus... Incrível! Sem falar nos seus estudos sobre a queda dos corpos, movimento dos projéteis e na inércia que, embora circular, daria pistas decisivas para a consolidação de uma nova física. Iniciei uma conversa então com o Dr.:
   − Esse Galileu se superou! Uma única pessoa fazer tantas novas descobertas... O que me deixa furioso é todo aquele episódio com a Igreja. Que direito eles têm de julgar um gênio do porte de Galileu?
   − Realmente este fato pode ser tudo, menos simples. Desde o início do nosso “tour” você tem ouvido a palavra Deus, mas você ainda não parou para pensar na sua importância para estes caras, não? Mesmo sendo ateu, você deve reconhecer que não é fácil contrariar uma visão predominante. Ainda mais se a maioria dos que te cercam são os “do chapéu engraçado”. Como vimos, você não vai querer confusão com eles. E Copérnico e Galileu, entre outros, sabem disto muito bem. Mesmo provavelmente não tendo subido na torre de Pisa para demonstrar suas idéias, Galileu chamou muita atenção com seu sistema heliocêntrico, pois isto ia claramente contra as sagradas escrituras. Onde já se viu a Terra andar, se é o Sol que é parado por Josué? É uma afronta!
   − Mas Galileu tinha provas! E o telescópio? Corroborava as suas idéias... − Falei indignado.
   − O que é que tem o telescópio? O que o faz pensar que isto é uma prova? − Disse o Dr. também indignado.
   − Ora, Dr. É evidente que é uma prova. Sabemos como o telescópio funciona, e como ele permite conhecer coisas que estão muito distantes.
   − Sabemos? Quem “sabemos”? Nós! Eles não! Nem mesmo Galileu! Já vejo que está na hora de uma pequena lição. Tenho certeza que você não teve aulas de filosofia da ciência. Serei breve, mas preste atenção: − Sentei, já resignado com o “sermão”, e ouvi:
   − É importante frisar que, ainda na nossa época, existem muitos estudos a respeito do que é Ciência, produzindo-se, a cada ano, uma copiosa literatura a respeito. Todos concordam que a Ciência pode ser caracterizada por várias atividades como pesquisa, experimentação sistemática e controlada, refutação e confirmação, embora uma conceituação mais categórica seja sempre controversa. Não obstante, temos um certo consenso que podemos utilizar para um princípio geral norteador. − E continuou:
   − Os conceitos de Ciência mais bem aceitos nos dias de hoje são fundamentados nos estudos de Filósofos da Ciência como Thomas Kuhn (1922-1996), Karl Popper (1902-1994), Paul Feyerabend (1924-1994) e Imre Lakatos (1922-1974). Com estes filósofos cientistas temos um entendimento de como a Ciência evolui ao longo do tempo, com a idéia de “ruptura de paradigmas” (Kuhn) que acontece de tempos em tempos. Ao longo da maior parte do tempo, a Ciência é um conjunto de procedimentos – o método científico - que visam desenvolver um conhecimento através da elaboração de uma tese e idealizar maneiras de testá-la. Para isto utiliza-se um aparato experimental adequado onde o experimento possa ser feito de forma controlada e passível de repetição, por qualquer cientista, com o intuito de produzir dados que ratifiquem, retifiquem ou refutem a tese testada para, idealmente, chegar a um conhecimento com cada vez mais sucesso de explicação e predição de novos fenômenos. Esta última característica é normalmente a “chave de ouro” de uma teoria: é quando ela, além de suas explicações de fenômenos existentes, permite a previsão de novos fenômenos, que são posteriormente verificados, é que a teoria científica mostra seu poder.
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« Última modificação: 14 de Julho de 2011, 18:18:23 por Feynman »
"Poetas dizem que a Ciência tira toda a beleza das estrelas - meros globos de átomos de gases. Eu também posso ver estrelas em uma noite limpa e sentí-las. Mas eu vejo mais ou menos que eles?" - Richard Feynman

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Re: de Thales a Newton
« Resposta #1 Online: 14 de Julho de 2011, 17:54:07 »
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Parte II

Neste período, conhecido como “Ciência Normal”, as atividades produzidas se fundamentam em alguma teoria pré-concebida e paradigmática, sendo raro o surgimento de idéias realmente novas. Quando isto acontece, temos a “Revolução Científica”, onde antigos conceitos e teorias são substituídos por outros mais corretos e/ou abrangentes. Assim, uma nova teoria científica, para sobreviver ao ataque feroz (benéfico e necessário) da comunidade científica, deve oferecer uma exatidão maior que a antecessora, ao mesmo tempo em que a engloba, ou seja, a substitui com vantagens. Deste modo, a Ciência progride de forma essencialmente descontínua, aonde cada idéia vai sendo substituída por outra melhor.
   Uma definição mais categórica de Ciência, e muito aceita pela comunidade científica, é associada à idéia de Refutabilidade (Popper). De forma a complementar as características já descritas, a noção de refutabilidade é essencial para caracterizar completamente (ou quase, como veremos) o fazer científico, estabelecendo que um conhecimento só é científico na medida em que pode, com os procedimentos já citados, ser refutado. Assim, o conhecimento esotérico a respeito dos Anjos e sua hierarquia, para citar um exemplo, não é científico justamente por não oferecer maneiras de ser refutado, e o conhecimento de que nossas características hereditárias são produzidas com base no código genético nas nossas células o é, pois oferece maneiras para sua refutação, através de experimentos que (neste caso) comprovam sua veracidade.
Esta é a idéia mais difundida concernente à Ciência e sua conceituação, e só não é absolutamente aceita pois deixa de fora uma observação crucial: o fato de pesquisas históricas mostrarem que algumas idéias científicas revolucionárias não se dão como o “método científico” exige, e sim através de caminhos muitas vezes “propagandistas” (baseados na coerção e não na demonstração), que não oferecem maneiras de serem refutadas, mas que levam à produção de teorias de extraordinário sucesso. Exemplo disto é justamente o sistema heliocêntrico, desenvolvido inicialmente por Aristarco, e melhor desenvolvido por nosso amigo Galileu, onde suas afirmações não podem, nesta época, ser testadas e refutadas, mas acabam prevalecendo devido à sua simplicidade (em relação ao sistema geocêntrico) e poder explicativo e preditivo. Analogamente temos a teoria da Evolução e do Big Bang que, mesmo em nossa época, também oferecem poucas maneiras de serem refutadas (e também ratificadas), mas que produzem resultados fantásticos quanto à explicação de fenômenos. Novamente, o motivo de sobreviverem e compartilharem significativo respeito na comunidade científica é o fato de produzirem resultados efetivos na explicação, e mesmo predição, de fenômenos. Ou seja, teorias que sobreviveram não pelo seu método, mas por seus resultados.
Com isto chegamos às idéias de Paul Feyerabend a respeito da Ciência, onde a mesma, além das características já descritas, deve gerar resultados. Importante dizer que resultados, aqui, não significa necessariamente aplicação prática direta, mas sim uma aplicação ainda que conceitual e abstrata. Exemplo disto seria o desenvolvimento de modelos matemáticos avançados que não possuem qualquer ligação direta com o mundo físico, mas que produzem um repertório maior de ferramentas de raciocínio que podem ajudar na resolução de outros problemas que, aí sim, geram frutos tecnológicos diretos.
Finalmente poderíamos dizer que a ciência é, ainda, uma constante batalha entre teorias rivais (Lakatos), sendo que a teoria que explica melhor os fenômenos a que se propõe explicar acaba fazendo com que outras, que não conseguem o mesmo feito, degenerem-se, por decisão metodológica dos cientistas pesquisadores.
− Ufa! Dr., preciso urgentemente de ar. Preciso de um “período de incubação” para digerir tudo isto! Mas acho que já percebo que realmente não é tão simples. E falando nos caras de chapéu engraçado... como você lida com Deus, Dr.? − Perguntei.
   − Eu não lido! Nem sequer penso nele! Se começasse a discorrer sobre isto, provavelmente teria motivos, ainda que subjetivos, para negá-lo, como também para aceitá-lo. Se aceito sua existência, então, de certa forma, não estou sendo científico em acreditar em algo que não pode ser, de modo algum, verificado. Por outro lado, se nego categoricamente sua existência, então também não estou sendo científico, por refutar algo que não oferece maneiras de ser refutado!
   − Então como é que é? Você fica em cima do muro?
   − Para se ficar em cima do muro é necessário ponderar as duas alternativas, o que não é o caso.
   − Você me confunde, Dr.!
   − Bom, se o que você quer é um nome para o que eu sou, então talvez a palavra mais próxima seja o “agnóstico”: uma pessoa que não sabe se acredita ou não em Deus. Na verdade, no meu caso, é um pouco mais que isso: eu simplesmente não pondero nem uma, nem a outra alternativa! Apenas não penso a respeito. Não vejo nada demais nisto. Porque afinal temos que escolher um lado? Porquê? Na ciência o fazemos? Eu acho que não. Se escolho a Física Quântica como explicação, não preciso abandonar qualquer outra teoria concorrente por isso, nem negar a existência de uma outra. Apenas uso a que dá melhores resultados no momento. Acho que, de certa forma, sou um “anarquista pessimista”: não só não compartilho da visão positivista e cientificista, como também creio ser, a verdade, intangível ao homem. É mais que o princípio da incerteza: acredito − percebe o “acredito”? − que nem mesmo haja uma verdade! Prefiro encará-la como uma construção nossa, cuja busca nos rende bons momentos de conversa, juntamente com novos brinquedinhos, como o nosso manipulador do continuum-quadridimensinal. Isto pode até parecer o que chamam de relativismo, de pragmatismo, ou outro “ísmo”. Se não há como não termos um “ísmo”, então prefiro o “Dadaísmo”.
   − Dada o quê?
   − É isso mesmo: uma recusa de “ismos”. Se vão chamar isto também de um “ísmo”, então que o façam. Não vou perder uma única noite de sono por isto. Sinto-me até um pouco fulo em ter que falar sobre tudo isto, porque quando expressamos uma idéia criamos uma identidade que pode e é usada contra nós, para colocar-nos sob algum estereótipo. Mas, por falar em sono, vamos descansar, “Sancho Pança”. Precisaremos de energia para conhecer alguns outros gigantes.

   Depois de uma longa noite de sono, não que precisássemos esperar alguma coisa, afinal podíamos ir a qualquer tempo assim que quiséssemos, mas porque o corpo pedia, descobri, como nunca, que pensar dá uma canseira... Quando voltássemos, leria mais história e filosofia.
   O próximo cara legal que conheci foi René Descartes. Ele tinha uma “fé” muito grande na razão, chegando mesmo a dizer que, se reconheço algo como verdade, então certamente é verdadeiro. No início me pareceu uma tautologia, mas o Dr. prontamente me esclareceu as idéias ao mencionar que Descartes não admitia a idéia de ser enganado por Deus, ou seja, Deus não nos mostraria algo que perecesse ser verdade se assim não o fosse. Mas, já no primeiro instante, fiquei admirado ao constatar que Descartes não admitia que nem mesmo Deus pudesse alterar as leis da natureza! Poderia tê-la criada mas, uma fez o feito, é “por sua conta”, ou seja, as leis inerentes ao universo são imutáveis e governam sua existência futura. E nós, com nossa razão, podemos conhecê-las. Fui, também, dar uma palavrinha com ele:
   − E aí Descartes. E aquela viagem do “vórtex”?
   − “E aí”? “Viagem”? Não estou entendendo. Mas o “vórtex” surge com a necessidade de se explicar o motivo de os objetos serem atraídos pelo chão. Como não pode haver o vazio, então através da dinâmica dos três elementos que constituem o Universo temos este efeito que chamamos de “queda”, assim como em um redemoinho de água a serragem vai para o centro.
   − Mas você ainda está nessa de “elementos”? Pensei que já tinham esquecido isto. Afinal, Aristóteles já está bem morto e enterrado! − Disse eu.
   − Vejo que és um homem culto, conhece Aristóteles.
   − Pois é, de onde eu venho sou chamado de “o grande mestre pensador, conhecedor de todos os segredos do Universo”. − Estufei o peito e aproveitei.
   − Também sou amigo de Aristóteles e de Platão, mas sou mais amigo da Verdade! Estes caras foram geniais, mas os tempos são outros. Os meus elementos não são os dos nossos velhos amigos gregos. Além do mais, minha física é válida para todo o Universo!
   − Mas, assim como Aristóteles, você não aceita que o vazio possa existir.
   − Não. Caso assim o fosse, os objetos se movimentariam para sempre, uma vez que só uma influência externa pode parar um movimento.
   − Mas é isto mesmo! − Comentei espantado, ao reconhecer a 1a Lei de Newton! − E por isto mesmo é possível o vazio! Não sabe você que ninguém está “empurrando” nosso planeta para que ele permaneça em sua órbita?
   − Sei, mas neste caso, minha teoria do vórtex dá conta da explicação. Além do mais, se assim não o fosse, deveria haver uma “atração à distância”, o que é claramente descabido.
   − E se eu te mostrasse dados que contrariassem suas teorias? − Agora eu pegava um!
   − Ora! A menos que tenhas uma teoria, obtida com a razão, que explique os seus dados, eles não me servem de nada!
   Como não podia revelar mais detalhes, novamente constatei, pelo jeito mais difícil, que não seriam os meus argumentos que fariam alguma diferença...

   Então, finalmente, o grande gênio! Durante toda nossa viagem dei um jeito de escapar de perto do Dr, para trocar umas palavrinhas sem ser censurado. Queria treinar para o grande momento: falar com o maestro da Natureza, aquele que, por certo, já é um cientista pleno, sem rodeios religiosos, e que somente com a matemática vai desvendar finalmente os segredos do Universo! Aquele que, sem preconceitos ou crenças descabidas, vai ser o sintetizador de todo o conhecimento físico produzido até então. Aquele que é citado em todos os livros de Física, que produziu uma nova matemática, que sepultou de vez o misticismo: Newton. Isaac Newton.
   Na verdade, antes disso, o primeiro que encontrei foi o Robert Hooke. Só para “testá-lo”, perguntei:
   − E aí, incrível Hooke. Sabia que, a partir de três elementos e sua dinâmica temos os movimentos dos planetas ao redor do Sol?
   − “E aí”? “Incrível”? Sei que sou bom, mas não é para tanto... Ah, sobre sua pergunta, vejo que conheces Descartes. Então, como deves ser da área, sabes que o que faz com que os planetas girem ao redor do Sol é o resultado do seu movimento natural juntamente com a atração do Sol.
   − É isso aí! Como sabes? − Perguntei empolgado.
   − E não sou eu o incrível Hooke? Mas já que sei que você é do meio, poderia me fazer um favor?
   − Mas é claro, será um prazer.
   − Tem um cara, muito misantropo, um tal de Newton. Conheces?
   − Se conheço?  Estava indo mesmo na casa dele! − Aproveitei.
   − Então pode, por favor, perguntar a ele sobre um problema que tem me incomodado nos últimos dias?
   − Manda lá.
   − É o seguinte: que tipo de curva descreve um objeto que está em uma órbita, em torno de um corpo, cuja atração varia com o inverso do quadrado da distância entre eles?
   − Mas essa é fácil! Quer dizer... Esta deve ser fácil para o grande Newton. − Consertei a tempo.
   Pois então lá estava eu, e agora com uma boa desculpa, na porta do Newton. Bati:
   − Sim?
   − Ne... Ne... New... Newton? − Gaguejei.
   − Pois não?
   − Primeiramente quero dar os meus parabéns, quer dizer, agradecer por ter permitido que eu chegasse até aqui, opss... Ter permitido que seu endereço me trouxesse até aqui, para... para... − Diabos, não dava uma dentro!
   − Por favor, meu jovem, aprece-se. Tenho muito o que fazer.
   − Tá legal, indo direto ao assunto. Um tal de Hooke solicitou-me que lhe fizesse uma pergunta.
   − Aquele chato, novamente. O que houve agora para enviar alguém me importunar? Será que acabou o seu nanquim? Ou deu uma martelada no dedo e não consegue mais escrever? Deus permita que sim!
   Já notando seu humor, fiz a pergunta rapidamente, a qual ele prontamente retrucou, como se estivesse competindo em um show de perguntas e respostas:
   − Uma elipse.
   − Como sabes? − Perguntei estupefato.
   − Ora, eu a calculei já faz algum tempo.
   Não querendo abusar, mas já abusando, perguntei se podia dar uma olhada nos seus cálculos. Para minha surpresa, ele me convidou a entrar (pois até então eu estava na porta!), enquanto ia ao seu escritório procurar suas anotações. Esperei durante quase uma hora, quando fui ver o que estava acontecendo.
   − Newton? Lembra de mim? Visita!
   − Ah, sim. Desculpe, estava fazendo uns raciocínios. O que você queria mesmo? Ah, sim. A elipse. Bom, eu não encontrei, mas depois eu calculo novamente. Quer tomar um vinho?
   Eu estava perplexo. Eu? Tomando vinho na casa do Newton? Ah, se o Dr. não ficasse lá conversando com o Huygens! E, para aproveitar que ele estava com um pouco de “uva” no sangue, perguntei:
   − Como foi isso? Digo... Como você conseguiu estruturar seu raciocínio? Aposto que foi a matemática aliada à razão. − Arrisquei.
   − É isso mesmo. Sabe, sou fiel ao grande Deus, mas não gosto nem um pouco dos católicos. Sabe? Aqueles caras de chapéu engraçado? Outro dia tive sérias discussões com alguns destes fanáticos, porque não aceitavam o fato de que é possível a transmutação dos elementos. Como se a alma dos elementos não pudesse ser purificada ou alterada, a ponto de termos o ouro a partir do chumbo. Mas, como você bem falou, minha razão não se deixou abalar. Continuei firme com meus amigos Pitágoras e Hermes Trismegisto, rumo à desvelação dos espíritos de atração responsáveis pela gênese de minha teoria física.
   Eu fiquei atônito. O que eu estava ouvindo? Era como se Mozart se sentasse ao piano e tocasse uma música do Little Richard! Estava tudo errado!
   − Espera aí, Isáque! Transmutação? Trismegisto? Espírito? Vamos deixar este vinho de lado, não está te fazendo bem. Onde está o Físico que há em você?
   − Ora... Aqui mesmo! Como ia dizendo, nos meus estudos alquímicos...
   − “Pó pará”... Não estou te reconhecendo. Só falta me dizer que caiu uma maçã na sua cabeça!
   − Maçã? Bem... Não que eu me lembre. Se bem que também não lembro onde estão os meus cálculos sobre a elipse...

   Parafraseando a gurizada da Mecânica Quântica, era como se o chão ruísse sob meus pés. Então o grande cientista, apesar de grande, não era tão cientista assim! Eu realmente estava precisando ter uma conversa com o Dr., para tornar isso tudo um pouco mais palatável:
   − Dr., sei que não era para eu ter falado com ninguém sem sua presença, mas não pude resistir à algumas curiosidades.
   − Tudo bem, eu já esperava isso. De qualquer forma, é sua curiosidade que faz de você um cientista. Só espero que você não tenha dito besteira.
   − Eu também espero! Sabe... Uma das coisas que mais me perturbou nesta história toda foi ter conhecido Newton. Não deve ser surpresa para você, Dr., mas fiquei chocado com o lado místico dele. Afinal, como podem coexistir, em uma pessoa, pura genialidade científica com misticismo? Eu pensei que Newton fosse muito mais que isso.
   − Espera aí, rapaz. Ele é muito mais! Como pode um traço de personalidade apagar o outro? Não pode! Embora, infelizmente, tendamos a analisar as pessoas deste modo, isto não altera o fato de ambas as idiossincrasias não serem mutuamente excludentes. Ou você vai julgar a Física de Einstein por ele não ter sido um bom violinista? Vai julgar as idéias de Rutherford por ele ter dito que toda ciência é Física ou mera coleção de selos? Se bem que Rutherford não esteja de todo errado, mas... Vai julgar as contribuições de Feynman à ciência por ele ter sido fanfarrão e mulherengo? Uma única pessoa que seja é sempre muito mais que um cientista, um músico ou um artista. Bem, na verdade, quase sempre: temos muitas pessoas por aí que não são mais que um chimpanzé de calça jeans. Mas em geral é isso. Desculpe o clichê histórico, mas não deixa de ser verdade: Newton é fruto de sua época! E, como tal, não é descabido que ele tenha colocado os pés na alquimia. Afinal, é justamente por ter sido um grande perscrutador que ele o fez! Pois ali estava um conhecimento a ser desvendado, fosse ele “científico” ou não.

   Assim tínhamos concluído a viagem. Chegando em casa, novamente em 2079, fui prontamente registrar minhas lembranças.

Fiquei alguns dias escrevendo feito um louco, e mostrei posteriormente ao Dr. Enquanto ele lia, eu fazia (ou fingia que fazia) alguns exercícios. Ao terminar, ele me disse:
   − Criativo, Teobaldo. Realmente teria sido uma grande viagem. Quem sabe um dia você possa manipular o continuum-quadridimensinal. Mas, para isto, volte à realidade, em 2004, e continue seus exercícios de Física Geral!



~/~


Algumas referências utilizadas:


FERNÁNDEZ, I.; GIL-PÉREZ ,D.; CARRASCOSA, J.; CACHAPUZ, A.; PRAIA, J.
Visiones deformadas de la ciencia transmitidas por la enseñanza. Enseñanza de las
Ciencias, 2002, 20 (3), 477-488.

FEYERABEND, P. Contra o método. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1977.

KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 1970.

LAKATOS, I. O Falseamento e a Metodologia dos Programas de Pesquisa Científica. In:
I. Lakatos; A Musgrave (Org.). A Crítica e o Desenvolvimento do Conhecimento. São Paulo:
Cultrix, EDUSP, p. 109-243. 1979.

MARTINS, R. de A. Sobre o papel da história da ciência no ensino. Boletim da Sociedade
Brasileira de História da Ciência (9): 3-5, 1990.

MATTHEWS, M. R. História, filosofia e ensino de ciências: a tendência atual de
reaproximação. Caderno Catarinense de Ensino de Física, v. 12, n. 3, p. 164-214, dez. 1995.

MOREIRA, M. A. Pesquisa básica em educação em ciências: uma visão pessoal. Artigo
em página pessoal, 2003. Disponível na Internet via WWW. URL:
http://www.if.ufrgs.br/~moreira/Pesquisa.pdf. Acesso em: 20 de fevereiro de 2009.

MOREIRA, M. A.; MASSONI, N. T.; OSTERMANN, F. História e epistemologia da física
na licenciatura em física: uma disciplina que busca mudar concepções dos alunos sobre
a natureza da ciência. Revista Brasileira de Ensino de Física, v. 29, n. 1, p. 127-134, 2007.

PEDUZZI, Luiz O. Q. As concepções espontâneas, a resolução de problemas e a história e filosofia da ciência em textos de física. UFSC, 1998

PEDUZZI, L. O. Q.; ZYLBERSZTAJN, A.; MOREIRA, M. A. As concepções espontâneas,
a resolução de problemas e a história da ciência numa seqüência de conteúdos em
mecânica: o referencial teórico e a receptividade de estudantes universitários à
abordagem histórica da relação força e movimento. Revista Brasileira de Ensino de Física,
v. 14, n. 4, p. 239-246, 1992.

POPPER, K. Conjecturas e Refutações. Brasília: UnB, 1994.

WESTFALL, R. S. A vida de Isaac Newton. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.
« Última modificação: 14 de Julho de 2011, 18:19:04 por Feynman »
"Poetas dizem que a Ciência tira toda a beleza das estrelas - meros globos de átomos de gases. Eu também posso ver estrelas em uma noite limpa e sentí-las. Mas eu vejo mais ou menos que eles?" - Richard Feynman

Offline SnowRaptor

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Re: de Thales a Newton
« Resposta #2 Online: 14 de Julho de 2011, 17:59:01 »
Precisa dessa fonte gigante?
Elton Carvalho

Antes de me apresentar sua teoria científica revolucionária, clique AQUI

“Na fase inicial do processo [...] o cientista trabalha através da
imaginação, assim como o artista. Somente depois, quando testes
críticos e experimentação entram em jogo, é que a ciência diverge da
arte.”

-- François Jacob, 1997

Offline Feynman

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Re: de Thales a Newton
« Resposta #3 Online: 14 de Julho de 2011, 18:19:47 »
Assim, talvez?  :)
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Offline SnowRaptor

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Re: de Thales a Newton
« Resposta #4 Online: 14 de Julho de 2011, 18:24:55 »
Nhé :P
Elton Carvalho

Antes de me apresentar sua teoria científica revolucionária, clique AQUI

“Na fase inicial do processo [...] o cientista trabalha através da
imaginação, assim como o artista. Somente depois, quando testes
críticos e experimentação entram em jogo, é que a ciência diverge da
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Offline Südenbauer

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Re: de Thales a Newton
« Resposta #5 Online: 15 de Julho de 2011, 00:53:46 »
Poderia começar com: "Era uma noite estrelada na Grécia Antiga..."

Até achei interessante criar diálogos fictícios baseados em episódios e reais características dos personagens, mas acho que ficaria mais legal em tirinhas do que em um conto.

Offline Feynman

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Re: de Thales a Newton
« Resposta #6 Online: 15 de Julho de 2011, 01:02:13 »
Pois é, seria legal, mas pelos meus dotes (inexistentes) artísticos, eu precisaria de um colaborador.  8-)
"Poetas dizem que a Ciência tira toda a beleza das estrelas - meros globos de átomos de gases. Eu também posso ver estrelas em uma noite limpa e sentí-las. Mas eu vejo mais ou menos que eles?" - Richard Feynman

Offline Sergiomgbr

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Re: de Thales a Newton
« Resposta #7 Online: 15 de Julho de 2011, 02:20:17 »
Esse texto parece familiar...
Algumas passagens parecem posts daqui.
« Última modificação: 15 de Julho de 2011, 02:23:09 por sergiomgbr »
Até onde eu sei eu não sei.

Offline Cientista

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Re: de Thales a Newton
« Resposta #8 Online: 18 de Julho de 2011, 03:03:53 »
Mas... mas... o que é isso meu caro Feynman?!!!! Eu entendi direito? Esse texto é seu?!

Uma viagem 'fractalenta' só (uma viagem dentro de uma viagem dentro de uma viagem...)!

Tive que esfregar bem meus olhos e ler duas vezes para me convencer de que estava mesmo passando por isso.

Preciso de mais tempo para absorver esse golpe e racionalizar isso tudo. Que decepção, meu caro! E eu que cheguei a pensar e propor que poderíamos, já, partir para um outro nível mais elevado de debate!

Também, o sergiomgbr, quietinho no canto dele, mostra-se bem atento. Tem qualquer coisa que me cheira familiar e intrigante nesse conto... Será que eu posso estar certo em pensar?... Não, melhor não me precipitar. Podem ser só sutis coincidências. Até porque não seria uma retratação justa. Tenho confiança que você não faria isso.

Quais detalhes no texto refletem EPISÓDIOS verídicos????!  NENHUM!!!!

É por isso que se torna impossível para mim ser lacônico nestes debates. Como eu posso deixar escapar uma linha sequer?

Você não está traçando perfis psicológicos; está os determinando. E, o que é mais lamentável, por conveniência.

Por exemplo (e só um exemplinho mesmo):

Você está sendo muito otimista com a interação entre Hooke e Newton. A rixa entre eles era muito feia. Mais feio que isso, talvez, só a rixa entre Marat e Lavoisier, e essa, sabemos como terminou. Ficou muito engraçado Newton chamando Hooke só de "aquele chato". Ah, esse não é o Newton que eu conheci... Acho que seu personagem deve ter viajado para um universo paralelo. Improbabilíssimo que Hooke mandasse alguém perguntar qualquer coisa a Newton; menos provavel ainda que Newton respondesse. Podia, pelo menos, ter colocado o Wren para perguntar, embora Newton, dificilmente fosse responder, de qualquer jeito. O Halley não porque ele próprio foi lá perguntar pro Newton. E o Halley... era o Halley em termos de diplomacia. Aliás... o viajante temporal não teria topado com ele por lá?

Eu não podia dormir sem fazer algum comentário hoje mesmo mas nem sei mais o que dizer agora, muito embora haja muuuuuuuita coisa para dizer. Estou perplexo em descobrir tanto wishful thinking em você. Eu sabia que tinha algum (você mesmo já confessara que deseja crer em OVNI e ET), mas tanto assim! Ao ponto de tanta viagem! Eu não imaginava.


Vou colocar mais esse na conta; na pauta.

Offline Feynman

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Re: de Thales a Newton
« Resposta #9 Online: 24 de Julho de 2011, 17:29:28 »
Cientista... sabe... a única coisa que eu considero muito ruim em você... sinceramente... a única... é sua capacidade provavelmente incontrolável e talvez inconsciente de concluir apressadamente muitas coisas além do que pode ser concluído por inferência direta do que foi dito.

Não falei mais do texto porque era algo a depender do que seria dito aqui.

Primeiro: este texto é um esboço didaticamente construído para se confrontar elementos correlatos de história e epistemologia, que não pretende, de modo algum, ser um apanhado fidedigno do que é consenso, e, sim, um pano de fundo irônico para que estes elementos possam ser debatidos sob uma moderação atenta do professor! Como muitos outros textos, leia por conta e... risco!

Segundo, ele reflete alguns pontos da personalidade do autor, mas estes são minoria dentro do corpo maior! Ou, mais uma vez, separas uma coisa da outra por conta e risco, ou pergunte e ouça o que o autor tem para te dizer sobre questões pontuais no texto.

Terceiro, e já me repetindo: o texto não retrata a idiossincrasia (sim, gosto desta palavra) do autor e, sim, reflete uma sugestão fictícia, com personagens fictícios, com características próprias e diversas das do autor, e cumpre um papel de servir como crônica jocosa ou texto inicial para as muitas aberturas possíveis a cada parágrafo.

Finalmente, sim, existem muitos pontos onde o personagem principal, o viajante, representa um personagem de real influência na situação histórica, como no caso do prefácio de Osiander no livro de Copérnico, que permitiu que esta obra sobrevivesse (devido à censura da igreja) pelo tempo necessário, até que se fizesse notar. Pena que, assim como no caso da rixa entre Newton e Hooke, tenhas dado tão pouco valor ao potencialmente rico pano de fundo para um debate didático, como é exatamente o caso deste texto, já usado diversas vezes, por mim, em atividades acadêmicas. Sua reação é a típica esperada de um bom aluno, como muitos que tive, para fazer valer sua intenção didática.

De certa forma, mostrasses como pode ser um bom ponto de partida para debates tão extensos quanto se queira (ou quanto o período da aula permitir).  :ok:
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Offline Cientista

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Re: de Thales a Newton
« Resposta #10 Online: 24 de Julho de 2011, 21:09:47 »
Ahahahahahahahahahaha!!!!! Feynman, por favor, eu rogo que não se sinta agredido de alguma forma vil, frívola e pouco aproveitável com minhas últimas palavras. Pensei que já tivesse, suficientemente, aprendido a "racionalizar e discernir a semântica do significando" de quem vos fala. Peço que me desculpe por algo que possa ter suscitado interpretação que o depreciasse no meu último comentário. Agora noto que, para algum desavisado, possa parecer que eu estivesse a contestar o inelutável valor das informações históricas por você apresentadas e não apenas sua interpretação não idiossincrática (é claro que o idiossincrático, no que concerne a estas exegeses, sou eu) das mesmas. É... pode parecer incrível (oooooooooh!) mais eu também não sou perfeito... Não se desespere, o mundo não se acabará por isso (será por outras razões mesmo... rsrsrsrsrs). O que eu quis dizer com "NENHUM!!!" foi estritamente referente ao fato de que, para efeitos de comprobabilidade possível, jamais houve tais interações entre os referidos personagens históricos e um suposto viajante temporal idiossincrático em relação aos mesmos. Eu sou essa 'força rigorosa da natureza', resistente e reagente a tentativas literárias como essa a despeito das mesmas cumprirem seu papel com outros seres normais. Eu quero sempre o caminho direto. Os "desvios", para mim, distanciam-me do "caminho", simplesmente. Mas, entendo que, para a maioria, justamente por viverem em "desvios", talvez "desvios" sejam manobras adequadas a conduzí-los ao "caminho direto". Prezo tanto você que sei que entenderá, sem qualquer dificuldade o que quero dizer. Ao contrário do que já manifestou pensar de mim, em passado protesto e solicitação, sei "ler nas suas entrelinhas".

Saiba que, mais do aprender algo a mais, minha "visão", posso assim dizer, expandiu-se pela influência de três foristas daqui: você, gilberto e lusitano. No cômputo da minha passagem por aqui, vocês foram os que me conduziram a considerações sobre alguns aspectos da realidade que, ou estavam esquecidos hibernando em algum lugar reservado da minha mente ou eu nem sequer os havia ponderado. Sem querer que outros sintam-se preteridos, vocês foram os mais valiosos para mim. Tenho especial estima por vocês.

Mas não se acomode e se tranquilize! Antes de eu decidir por encerrada minha incursão por aqui, travaremos algumas históricas batalhas em que eu, certamente, vencerei, demonstrando qual a melhor maneira da mente funcionar; sem a qual, nenhuma ciência teria lugar.

Offline Feynman

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Re: de Thales a Newton
« Resposta #11 Online: 24 de Julho de 2011, 21:37:25 »
Relaxa...

Mas tente me perguntar coisas... antes de partir para a voadeira, ok?  :-)
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