Autor Tópico: PRIMATEMAIA DISSEMINADA - John Gray  (Lida 1429 vezes)

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Offline Lion

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PRIMATEMAIA DISSEMINADA - John Gray
« Online: 22 de Julho de 2011, 11:26:34 »
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De acordo com James Lovelock,

os humanos na Terra comportam-se, de alguma maneira, como um organismo patogênico ou como as células de um tumor ou neoplasma. Crescemos em número e em transtornos para Gaia a ponto de nossa presença ser perceptivelmente inquietante (...) a espécie humana é agora tão numerosa que constitui uma séria moléstia planetária. Gaia está sofrendo de Primatemaia Disseminada, uma praga de gente.

Há aproximadamente 65 milhões de anos, os dinossauros e três quartos de todas as outras espécies subitamente pereceram. A causa é controvertida, mas muitos cientistas acreditam que a extinção em massa tenha sido o resultado da colisão de um meteoro com a Terra. As espécies atuais estão desaparecendo a uma taxa destinada a suplantar a daquela última grande extinção. A causa não é nenhuma catástrofe cósmica. Como diz Lovelock, é uma praga de gente.

“O lance de dados de Darwin não foi favorável à Terra" , observa Wilson. A jogada de sorte que trouxe a espécie humana ao seu poder atual implicou a ruína para outras incontáveis formas de vida. Quando os humanos chegaram ao Novo Mundo, há cerca de 12 mil anos, o continente abundava em mamutes, mastodontes, camelos,gigantescas preguiças terrestres e dúzias de espécies similares. A maior parte dessas espécies nativas foi perseguida até a extinção. Segundo Diamond, a América do Norte perdeu cerca de 70% de seus grandes mamíferos, e a América do Sul, 80%.

A destruição do mundo natural não é o resultado do capitalismo global, da industrialização, da "civilização ocidental" ou de quaisquer falhas em instituições humanas. É a conseqüência do sucesso evolucionário de um primata excepcionalmente rapace. Ao longo de toda a história e pré-história, o avanço humano coincidiu com a devastação ecológica.

É verdade que uns poucos povos tradicionais viveram em equilíbrio com a Terra por longos períodos. Os inuits e os bosquímanos tropeçavam de leve nos modos de vida com os quais se deparavam. Nós não podemos caminhar sobre a Terra assim tão delicadamente. O Homo rapiens tornou-se numeroso demais.

O estudo das populações não é uma ciência muito exata. Ninguém antecipou o colapso populacional que está ocorrendo na Rússia européia pós-comunista, nem a escala da queda de fertilidade que está ocorrendo em muitas partes do mundo. É grande a margem de erro em cálculos de fertilidade e expectativa de vida. Mesmo assim, é inevitável um outro grande crescimento. Como Morrison observa, "mesmo se considerarmos uma taxa de natalidade declinante, devido a fatores sociais, e uma taxa de mortalidade crescente, devido a fome, doença e genocídio, os atuais mais de seis bilhões que compõem a população global serão pelo menos 1,2 bilhão a mais por volta de 2050".

Uma população humana aproximando-se dos oito bilhões só pode ser mantida devastando a Terra. Se hábitats selvagens passarem a ser usados para cultivo humano e habitação, se as florestas tropicais puderem ser transformadas em desertos verdes, se a engenharia genética possibilitar colheitas cada vez mais abundantes a serem extraídas de solos cada vez mais debilitados, então os humanos terão criado para si mesmos uma nova era geológica, a Eremozóica, a Idade da Solidão, na qual pouco restará sobre a Terra além deles mesmos e do meio ambiente protético que os mantém vivos.

É uma visão aterradora, mas é apenas um pesadelo. Ou os próprios mecanismos auto-reguladores da Terra tornarão o planeta menos habitável para os humanos ou os efeitos colaterais de suas próprias atividades abreviarão o atual crescimento de seu número.

Lovelock sugere quatro possíveis conseqüências da primatemaia disseminada: “destruição dos organismos patogênicos invasores; infecção crônica; destruição do hospedeiro, ou simbiose – uma duradoura relação de benefício mútuo entre o hospedeiro e o invasor”.

Das quatro conseqüências, a última é a menos provável. A humanidade jamais iniciará uma simbiose com a Terra. Ainda assim, ela não destruirá seu planeta hospedeiro, o terceiro resultado possível de Lovelock. A biosfera é mais antiga e mais forte do que os humanos jamais o serão. Como escreve Margulis, “nenhuma cultura humana, a despeito de sua capacidade inventiva, pode matar a vida neste planeta, mesmo que tente”.

Nem podem os humanos infestar cronicamente seu hospedeiro. É verdade que a atividade humana já está alterando o equilíbrio planetário. A produção de gases, resultando no efeito estufa, mudou irreversivelmente os ecossistemas globais. Com a industrialização de âmbito mundial, tais mudanças podem apenas acelerar. No cenário mais catastrófico possível com o qual alguns cientistas estão trabalhando seriamente, a mudança climática pode destruir completamente países litorâneos densamente povoados, como Bangladesh, e desencadear perdas agrícolas em outras partes do planeta, anunciando desastres para bilhões de pessoas antes do final deste século.

A escala da mudança em curso não pode ser conhecida com certeza. Num sistema caótico, nem mesmo o futuro próximo pode ser predito com exatidão. Ainda assim, parece provável que as condições de vida estejam mudando para grande parte da humanidade, com amplos segmentos enfrentando climas muito menos hospitaleiros. Como sugeriu Lovelock, a mudança climática pode ser um mecanismo através do qual o planeta se alivie de sua carga humana.

Como um efeito colateral de mudanças no clima, novos padrões de doenças poderiam reduzir a população humana. Nossos corpos são comunidades de bactérias indissoluvelmente ligadas a uma biosfera também constituída, em grande parte, de bactérias. A epidemiologia e a microbiologia são melhores guias para nosso futuro do que quaisquer de nossas esperanças ou de nossos planos.

A guerra poderia ter um impacto muito importante. Escrevendo na virada do século XIX, Thomas Malthus apontou a guerra como um dos modos - junto com fomes recorrentes - como população e recursos eram mantidos em equilíbrio. O argumento de Malthus foi satirizado no século XX por Leonard C. Lewin:

O homem, assim como todos os outros animais, está sujeito ao contínuo processo de adaptação às limitações de seu ambiente.
Mas o principal mecanismo que tem utilizado para esse propósito é único entre as criaturas vivas. Para impedir a ocorrência dos inevitáveis ciclos históricos de oferta inadequada de alimento, o homem pós-neolítico destrói o excesso de membros de sua própria espécie recorrendo a guerras planejadas.


A ironia está fora de lugar. A guerra raramente tem resultado em qualquer redução de longo prazo no número de humanos. Ainda assim, hoje seu impacto poderia ser considerável. Não é apenas que armas de destruição em massa – especialmente as biológicas e (em breve) as genéticas - sejam mais temíveis do que antes. Mais do que isso, é provável que seu impacto sobre os sistemas de apoio à vida na sociedade humana seja maior. Um mundo globalizado é uma construção delicada. Uma população incomparavelmente maior do que qualquer outra depende de redes de suprimento muito amplas, e qualquer guerra numa escala como a dos maiores conflitos século XX poderia ter o efeito de selecionar e eliminar partes da população da maneira descrita por Malthus.

Em 1600 a população humana era de cerca de meio bilhão. Só na década de 1990, ela cresceu esse mesmo tanto. As pessoas que têm hoje mais de quarenta anos viveram um período em que a população humana do mundo dobrou. Para elas, é natural pensar que esses números serão mantidos. Natural, mas equivocado - a menos que os humanos sejam realmente diferentes de todos os outros animais.

O crescimento da população humana ocorrido durante os últimos poucos séculos é parecido, mas do que com qualquer outra coisa, com os picos que ocorreram nos tamanhos das populações de coelhos, camundongos e ratos. Como nos casos deles, só pode ter vida curta. A fertilidade já está caindo em muitas partes do mundo. Conforme observa Morrison, os humanos são iguais a outros animais quanto à maneira de reagir ao estresse. Eles reagem à escassez e à superpopulação desligando o impulso reprodutivo:

Muitos outros animais parecem ter uma resposta hormonal compatível com o estresse ambiental, tendo seu metabolismo mudado para um modo mais econômico sempre que os recursos se tornam escassos. Inevitavelmente, os processos reprodutivos, com sua alta demanda de energia, são os primeiros a ser visados (...) A assinatura hormonal que sinaliza esse processo (...) foi identificada em gorilas de planície vivendo em cativeiro e em mulheres.

Ao reagir ao estresse ambiental parando de se reproduzir, os humanos não estão sendo diferentes de nenhum outro mamífero.

O pico atual no crescimento de humanos pode chegar ao fim por diversas razões - mudança climática, novos padrões de doenças, efeitos colaterais de guerra, uma espiral descendente na taxa de natalidade ou uma mistura desses e de outros fatores ainda desconhecidos. O que quer que produza esse fim, é uma aberração:

(...) se a praga humana é realmente tão normal quanto parece, então a curva descendente deve espelhar a curva de crescimento da população. Isso significa que o grosso do colapso não levará mais que cem anos, e, por volta do ano 2150, a biosfera deverá ter voltado, com segurança, à sua população de Homo sapiens pré-praga - algo entre meio e um bilhão.

Os humanos são como qualquer outra praga animal. Não podem destruir a Terra, mas podem facilmente danificar o ambiente que os sustenta. A conseqüência mais provável entre as quatro mencionadas por Lovelock é uma versão da primeira, na qual a primatemaia disseminada é curada por uma queda, em grande escala, no número de humanos.

John Gray – Cachorros de Palha

Offline TMAG

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Re: PRIMATEMAIA DISSEMINADA - John Gray
« Resposta #1 Online: 22 de Julho de 2011, 12:22:05 »
Concordo em partes com o texto, John Gray é conhecido por muitos pelo epíteto de catastrofista, e não é por coincidência, como esse texto mostra. Também acho que o aumento vertiginoso da população humana é um problema, mas não acho que ele se resolverá por meios destrutivos em todos os lugares da terra, penso que as regiões mais ricas e com taxas de natalidade decrescentes se manterão relativamente seguras e bem protegidas das catástrofes que possam vir a ocorrer no decorrer do século XXI. Por outro lado é provável que regiões como a África e a Ásia poderão sofrer drásticas reduções populacionais, principalmente a primeira por ter total falta de estrutura e o aumento desordenado de sua população. Há ainda a possibilidade de uma ''invasão dos bárbaros'' aos moldes do que aconteceu no império romano, com grandes massas humanas (em escala bem maior do que já ocorre nos fluxos migratórios do ''terceiro mundo'' para Europa e EUA) de países em estados de calamidade devido a possíveis combinações de fome, guerra e danos ambientais, para países com melhores condições tecnológicas para suportar tais coisas. Não acho que uma redução global da população humana aos moldes de uma ''grande extinção'' irá ocorrer como Gray insinua nesse texto e deixa claro em outros. Sobre o autor em si, simpatizo bastante com suas críticas ao antropocentrismo humanista, que ele considera algo completamente contrário ao naturalismo e também acho bastante interessante sua visão cíclica da história da civilização humana, em que o progresso moral segue caminhos distintos do progresso tecnológico, ou seja, não estamos em direção ao mundo perfeito gerido pela tecnologia.
''O objetivo dos Governos é sempre o mesmo: limitar o indivíduo, domesticá-lo, subordiná-lo, subjugá-lo.'' - Max Stirner

Offline Lion

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Re: PRIMATEMAIA DISSEMINADA - John Gray
« Resposta #2 Online: 15 de Agosto de 2011, 10:18:37 »
Concordo com você Telefonista Mágico da Arquidiocese Galáctica. A propósito, belo nome...   :lol:

Offline Lion

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Re: PRIMATEMAIA DISSEMINADA - John Gray
« Resposta #3 Online: 15 de Agosto de 2011, 10:20:41 »
Esse vídeo tem tudo a ver com o texto

<a href="http://www.youtube.com/v/aDaOgu2CQtI&amp;feature=player_embedded" target="_blank" class="new_win">http://www.youtube.com/v/aDaOgu2CQtI&amp;feature=player_embedded</a>

Offline Geotecton

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Re: PRIMATEMAIA DISSEMINADA - John Gray
« Resposta #4 Online: 15 de Agosto de 2011, 22:43:01 »
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De acordo com James Lovelock,
[...]
Das quatro conseqüências, a última é a menos provável. A humanidade jamais iniciará uma simbiose com a Terra. Ainda assim, ela não destruirá seu planeta hospedeiro, o terceiro resultado possível de Lovelock. A biosfera é mais antiga e mais forte do que os humanos jamais o serão. Como escreve Margulis, “nenhuma cultura humana, a despeito de sua capacidade inventiva, pode matar a vida neste planeta, mesmo que tente”.
[...]

A espécie humana estará extinta há muito tempo quando o Sol engolfar a Terra em sua fase de 'gigante vermelha'.
Foto USGS

Offline Gaúcho

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Re: PRIMATEMAIA DISSEMINADA - John Gray
« Resposta #5 Online: 16 de Agosto de 2011, 09:58:51 »
Ou terá se mudado para outro planeta. :)
"— A democracia em uma sociedade livre exige que os governados saibam o que fazem os governantes, mesmo quando estes buscam agir protegidos pelas sombras." Sérgio Moro

 

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