Autor Tópico: Sobre pastores e astrólogos  (Lida 1049 vezes)

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Offline 4 Ton Mantis

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Sobre pastores e astrólogos
« Online: 18 de Agosto de 2011, 07:50:19 »
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/sobre-pastores-e-astrologos


Por Ulisses Capozzoli


Num seminário recente, no Rio, ouvi o relato de um dos componentes da mesa sobre a reação de parte de crianças à ideia de o universo ter a idade aproximada de 14 bilhões de anos, informação que os jornais divulgam quase diariamente. Essas crianças, que frequentam determinado espaço dedicado à ciência – influenciadas pelo criacionismo e interpretações fundamentalistas religiosas do mundo – segundo o palestrante, sorriem com desdém sobre a científica idade do cosmos.

Isso significa que, antes de estarem criticamente maduras para uma apreciação sensível, inteligente e promissora da natureza, estão mentalmente dominadas pelo dogmatismo de fundo religioso que ameaça retroceder o pensamento a uma repugnante idade das trevas. E o mais desconcertante: o palestrante diz que “respeita esse tipo de interpretação”.

Isso não seria paradoxal se, um par de minutos depois, ele não exibisse uma arte das constelações zodiacais e, em seguida, fizesse provocativas críticas à astrologia. A questão aqui é a seguinte: se ele aceita ideias arcaicas e sem sentido, promessas despudoradamente falsas e “milagres” deslavadamente mentirosos que uma legião de “pastores” propaga diuturnamente em programas de rádio e TV, por que criar caso com a astrologia?

A resposta, a meu ver, é simples e direta: covardia e ausência de integridade científica. Não estou acusando uma pessoa em particular – isso não faria sentido. Estou me referindo a uma tendência, visível a olho nu, de se “respeitar” farsas que são verdadeiros casos de polícia, envolvendo estelionato, entre outros crimes, mas ao mesmo tempo não perdoar astrólogos.

Jornais continuarão publicando

Aqui uma rápida explicação: não estou defendendo nem atacando astrólogos e a astrologia. Estou fazendo uma comparação entre pastores e astrólogos, o que é muito diferente. Carl Sagan (1934-1996), astrônomo e divulgador científico talentoso, preveniu, em seu último livro, O mundo assombrado pelos demônios – a ciência como uma vela no escuro, sobre as consequências da impotência da ciência em sensibilizar a sociedade humana para uma perspectiva mais promissora. Se visse ou ouvisse qualquer um desses espetáculos grotescos na TV ou em inúmeras estações de rádio, envolvendo pregadores de diferentes igrejas – todas elas preocupadas com interesses mundanos –, Sagan teria descoberto que a tragédia que previu chegou mais cedo que havia pensado.

Quanto à covardia da posição a que me refiro e que não se restringe, evidentemente, a uma única pessoa, talvez possa ser entendida da seguinte maneira: criticar esses criminosos que manipulam a fé das pessoas – um valor sagrado, na acepção clássica desse termo –, hoje é literalmente como cutucar um vespeiro. Igrejas, cada vez mais concebidas como uma rentabilíssima atividade – à custa da miséria material e filosófica de boa parte da população – costumam reagir com a veemência típica de criminosos farsantes e abusadores da fé como forma de proteger seus negócios hediondos.

Já os astrólogos, para usar uma expressão cotidiana, estão “pouco se lixando” para o que dizem astrônomos e outros cientistas. Eles sabem que os jornais continuarão publicando o horóscopo diário. E possivelmente a maior parte dos leitores faça uma consulta diária a eles, mesmo sem confessar esse comportamento. E nem precisam. Esse é um direito individual elementar.

Oráculo rarefeito

E, além disso, convenhamos, a astrologia e os astrólogos não são nenhuma ameaça. Ao contrário do que ocorre com igrejas que costumam saquear financeiramente um número desconhecido de vítimas. Ou estimular ataques para a “conquista de almas”, como ocorreu no Iraque sob a obscurantista administração de Bush filho e que agora está se revelando um dos preços excessivamente caros para ser pago sem desequilíbrios estruturais.

Eventualmente, uma nota de canto de página nos jornais traz uma pequena referência a abusos dessa natureza. Curiosamente, jornais e revistas semanais, que tratam de polícia e de política, evitam esse campo minado por contradições. Pessoalmente, posso dizer que não tenho qualquer dificuldade em revelar que leio meu horóscopo diariamente, com um critério bem particular: se as previsões são boas, considero que está tudo bem. Se forem ruins, interpreto que tudo não passa de besteira e não ligo a mínima.

Talvez uma leitura possível das colunas de horóscopo publicada diariamente pelos jornais seja a de que são uma espécie de diluição homeopática do que um dia foi, por exemplo, o prestigioso Oráculo de Delfos. O horóscopo diário é o oráculo rarefeito do século 21, para atender a cultura de massas, do homem destituído de alma e de senso crítico, a que se referiram filósofos como o espanhol José Ortega y Gasset.

Ameaças à ciência

O horóscopo diário talvez seja uma espécie de bengala em que as pessoas se apoiam para enfrentar a insegurança crescente do dia-a-dia: o ônibus perfurado de balas, não por bandidos, mas pela polícia, no Rio de Janeiro. As garotinhas assaltantes e ameaçadoras, de 11 e 12 anos de idade, que atuam impunemente na Vila Mariana, em São Paulo. Os edifícios incendiados por protestos em Londres, que no passado recente já foi uma Inglaterra bem mais cool. O atirador inesperado que dispara, sem razão aparente, numa escola americana ou numa ilha paradisíaca, na Noruega.

O horóscopo, certamente, é o remanescente da idade mágica que vivenciamos na pré-história e não completamente superado, ao contrário do que se costuma crer. A astrologia e os astrólogos não são incentivadores de guerras, ao contrário do que ocorreu e continua ocorrendo com o fanatismo religioso.

E a manipulação da religiosidade de cada um talvez seja a culminância do abuso e desrespeito profundos, camuflados sob uma pretensa liberdade religiosa que, na realidade, acoberta, entre outras coisas, uma negociata política, nefasta à sociedade como um todo. Não tenho qualquer pretensão de colocar ponto final numa questão que se arrasta pelo tempo e talvez venha a ser ainda pior no futuro imediato. Ao menos se as coisas continuarem assim. Toco no assunto porque essa é uma questão profundamente afeita à ciência e à produção do conhecimento científico com base na ética, na estética e na história.

Talvez esteja na hora de se refletir um pouco mais sobre quais são, neste momento, as verdadeiras ameaças à ciência e à humanidade, seguindo as pistas deixadas por Sagan em O mundo assombrado pelos demônios.



[Ulisses Capozzoli é jornalista e editor chefe da Scientific American Brasil]
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Offline Dbohr

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Re: Sobre pastores e astrólogos
« Resposta #1 Online: 18 de Agosto de 2011, 09:44:53 »
É uma luta inglória, mas alguém tem que combatê-la...

Assino embaixo.

Offline Geotecton

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Re: Sobre pastores e astrólogos
« Resposta #2 Online: 18 de Agosto de 2011, 10:26:14 »
Citar
[...]
E a manipulação da religiosidade de cada um talvez seja a culminância do abuso e desrespeito profundos, camuflados sob uma pretensa liberdade religiosa que, na realidade, acoberta, entre outras coisas, uma negociata política, nefasta à sociedade como um todo. Não tenho qualquer pretensão de colocar ponto final numa questão que se arrasta pelo tempo e talvez venha a ser ainda pior no futuro imediato. Ao menos se as coisas continuarem assim. Toco no assunto porque essa é uma questão profundamente afeita à ciência e à produção do conhecimento científico com base na ética, na estética e na história.
[...]

Não é somente a Ciência que está sob ameaça com o avanço das "religiões de resultado rápido". A própria sociedade está sob perigo na medida em que a ignorância e a intolerância se juntam e passam avassaladoramente sobre as liberdades individuais.
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Offline romeu7

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Re: Sobre pastores e astrólogos
« Resposta #3 Online: 18 de Agosto de 2011, 12:57:46 »
O grande problema é que a religiao é uma saída fácil, especialmente para aqueles que estao passando por uma situacao difícil ou que nao perspectiva alguma na vida. A religiao foi criada com fins malignos, mas um grande efeito positivo de "crowd control" relacionado a ela.
A abolição da religião é algo a ser feito com MUITO cuidado.

Por outro lado concordo plenamente que deixar a religiao avançar em pleno século 21 é impensável e temos que nos manifestar contra isso.


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« Última modificação: 18 de Agosto de 2011, 16:52:11 por SnowRaptor »

Offline 4 Ton Mantis

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Re: Sobre pastores e astrólogos
« Resposta #4 Online: 18 de Agosto de 2011, 15:31:17 »
O grande problema é que a religiao é uma saída fácil, especialmente para aqueles que estao passando por uma situacao difícil ou que nao perspectiva alguma na vida. A religiao foi criada com fins malignos, mas um grande efeito positivo de "crowd control" relacionado a ela.
A abolição da religião é algo a ser feito com MUITO cuidado.

Por outro lado concordo plenamente que deixar a religiao avançar em pleno século 21 é impensável e temos que nos manifestar contra isso.


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Se algum dia as crenças religiosas deixarem de existir,será num futuro beeeeeeeeem distante...SE VIER A ACONTECER !!!
« Última modificação: 18 de Agosto de 2011, 16:55:22 por SnowRaptor »
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Offline Enio

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Re: Sobre pastores e astrólogos
« Resposta #5 Online: 19 de Agosto de 2011, 19:55:51 »
Não há nada que possa se fazer para forçar o fim das religiões. A crença existirá para sempre, de uma forma ou de outra, mas ao menos a religião organizada poderá acabar a partir do momento em que a humanidade como um todo ter uma visão mais ampliada das coisas. Não estou dizendo que todos serão ateus, aliás, penso que ocorrerá o contrário, mas não haveria mais necessidade de uma religião organizada. Como sempre existirão crentes, então deve-se criar um espiritualismo que pregue um poder difuso, e não pirâmide de poder. Pregar a pirâmide de poder é apoiar o controle de massas e a limitação da liberdade individual. E esta pirâmide continuará sendo uma desculpa para a existência de religiões.

Offline Enio

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Re: Sobre pastores e astrólogos
« Resposta #6 Online: 19 de Agosto de 2011, 19:56:16 »
Vejo o poder descentralizado como uma solução para diversos males desta sociedade.

Offline Mr. Mustard

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Re: Sobre pastores e astrólogos
« Resposta #7 Online: 19 de Agosto de 2011, 20:50:08 »
Não há nada que possa se fazer para forçar o fim das religiões. A crença existirá para sempre, de uma forma ou de outra, mas ao menos a religião organizada poderá acabar a partir do momento em que a humanidade como um todo ter uma visão mais ampliada das coisas. Não estou dizendo que todos serão ateus, aliás, penso que ocorrerá o contrário, mas não haveria mais necessidade de uma religião organizada. Como sempre existirão crentes, então deve-se criar um espiritualismo que pregue um poder difuso, e não pirâmide de poder. Pregar a pirâmide de poder é apoiar o controle de massas e a limitação da liberdade individual. E esta pirâmide continuará sendo uma desculpa para a existência de religiões.

Enio,

É bem provável que sempre possa existir algum tipo de crença. Neste ponto eu também estou propenso a concordar com você.
Porém, o que eu adiciono no seu post é que uma vez que a educação seja para todos, então eu também acredito que as crenças possam ser mais sutis e mais particulares, e não massificadas e fanáticas como vemos hoje.

Estimular o raciocínio e o pensamento crítico podem, no pior das hipóteses, não erradicar totalmente as crenças, mas tendem a acalmar ânimos e o ódio que hoje elas propagam (quando falamos de fanáticos fundamentalistas).

Offline Tefah

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Re: Sobre pastores e astrólogos
« Resposta #8 Online: 20 de Agosto de 2011, 01:19:38 »

Citar
Se algum dia as crenças religiosas deixarem de existir,será num futuro beeeeeeeeem distante...SE VIER A ACONTECER !!!


Eu duvido que venha a acontecer. Por vários motivos.

Muitos religiosos já chegaram absurdamente perto de deixar a fé de lado e não o fizeram por medo.
Medo da morte, medo de deixar de existir, medo de não conseguirem prosseguir com a vida... Minha própria mãe é assim! Ela SABE que deus tem tanta probabilidade de existir quanto o lobisomem (se o lobisomem não tiver mais probabilidade, pois que tem-se mais "pistas" do lobisomem que de deus, mas enfim...) mas ela não conseguiria seguir em frente encarando a verdade.

Outro motivo interessante é o de que SEMPRE vão existir mistérios (é aquela velha história do que veio antes do que veio antes do que veio antes) para nós e alguns de nós teimam em pensar que esse mistério precisa tem um PORQUE MAIOR (é onde entra deus, o preenchedor de lacunas), de origem quase que sentimental, como por exemplo: "Nós não podemos estar aqui hoje só porque ocorreram tais e tais fenômenos...", que é o mesmo motivo que muitos não entendem como é possível que eles possam deixar de existir um dia.
« Última modificação: 20 de Agosto de 2011, 01:23:04 por Tefah »
Para os peixinhos do aquário, quem troca a água é deus.

Offline Sergiomgbr

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Re: Sobre pastores e astrólogos
« Resposta #9 Online: 20 de Agosto de 2011, 03:15:07 »
O bem do nosso ser pode embaraçosamente passar por prover-se a vida tão somente de conceitos ditos "mágicos" ou sobre um tênue lume de referencial científico aqui e alí se muito? Essa é a pergunta que não quer calar... A investigação científica pode nos levar por ironia a perceber o cérebro e por extensão o ser humano com vocação para "funcionar" em latitudes "mágicas". E que estamos nos aventurando então como Ícaros que querem voar perto do sol!
Até onde eu sei eu não sei.

Offline Tefah

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Re: Sobre pastores e astrólogos
« Resposta #10 Online: 20 de Agosto de 2011, 04:06:32 »
O bem do nosso ser pode embaraçosamente passar por prover-se a vida tão somente de conceitos ditos "mágicos" ou sobre um tênue lume de referencial científico aqui e alí se muito? Essa é a pergunta que não quer calar... A investigação científica pode nos levar por ironia a perceber o cérebro e por extensão o ser humano com vocação para "funcionar" em latitudes "mágicas". E que estamos nos aventurando então como Ícaros que querem voar perto do sol!

Poderia explicar e exemplificar "funcionar em latitudes mágicas", por favor?
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Offline Sergiomgbr

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Re: Sobre pastores e astrólogos
« Resposta #11 Online: 20 de Agosto de 2011, 11:59:06 »
O bem do nosso ser pode embaraçosamente passar por prover-se a vida tão somente de conceitos ditos "mágicos" ou sobre um tênue lume de referencial científico aqui e alí se muito? Essa é a pergunta que não quer calar... A investigação científica pode nos levar por ironia a perceber o cérebro e por extensão o ser humano com vocação para "funcionar" em latitudes "mágicas". E que estamos nos aventurando então como Ícaros que querem voar perto do sol!

Poderia explicar e exemplificar "funcionar em latitudes mágicas", por favor?
Fé.
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Offline Eremita

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Re: Sobre pastores e astrólogos
« Resposta #12 Online: 20 de Agosto de 2011, 16:22:27 »
O bem do nosso ser pode embaraçosamente passar por prover-se a vida tão somente de conceitos ditos "mágicos" ou sobre um tênue lume de referencial científico aqui e alí se muito? Essa é a pergunta que não quer calar... A investigação científica pode nos levar por ironia a perceber o cérebro e por extensão o ser humano com vocação para "funcionar" em latitudes "mágicas". E que estamos nos aventurando então como Ícaros que querem voar perto do sol!
Com a diferença que Ícaro caiu por falta de cuidado e uma boa dose de ignorância.
Dédalo somente o avisou para não chegar perto do Sol, mas não explicou o motivo.
Isso não se aplica à Ciência por ser puro conhecimento.
Latebra optima insania est.

 

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