Só um último esclarecimento. Em modelos de concorrência perfeita, a participação dos salários na renda permanece constante e igual a 1- alfa * A variável alfa é uma constante que representa a participação do capital no processo de produção. Ela depende da chamada “elasticidade de substituição técnica entre capital e trabalho” no processo produtivo, isto é, do grau de dificuldade envolvido em substituir trabalho humano por máquinas e equipamentos. Em concorrência imperfeita, pode haver alteração na distribuição lucro/salário se o markup médio das empresas se alteram. Então, a concorrência imperfeita e o componente "inercial" da desigualdade podem explicar a questão da distribuição da renda nos EUA.
No manual “Macroeconomia” (2ª edição) do Olivier Blanchard é observado alguns dados sugestivos. Considerando apenas os trabalhadores de horário integral nos EUA, há dados mostrando significativas discrepâncias entre os aumentos reais dos salários em diferentes épocas. Os salários subiram 17,7% no período 1963-1979, contra uma queda de 11,2% no período 1979-1995 (p.283).
Para os trabalhadores com até 11 anos de estudo, houve crescimento de 17,2% no primeiro período e uma queda de 20,2% no segundo. Nem para trabalhadores entre 13 e 15 anos de estudo, os dados são bons: 17,7% no primeiro período e queda de 12,4% no segundo. Para quatro anos ou mais, os dados são melhores: 18,9% e 3,5%, respectivamente. Porém, os dados são assustadores para trabalhadores com apenas diploma de segundo grau e até cinco anos de experiência: queda de 40% na remuneração real de 1979 até 1995!
Dados de outros autores merecem atenção. Vejam este artigo de James Cypher (1) onde é demonstrado que nos EUA (1972-2005) o crescimento da produtividade ultrapassou em 50% o crescimento do salário real mais outros benefícios auferidos pelos trabalhadores “não-agrícolas” (por exemplo, com prêmios de seguro de saúde). Além disto, peguem este artigo (2) de Dani Rodrik- famoso blogger e economista da Universidade de Harvard- e verão um gráfico que compara a evolução da produtividade (em vermelho) com a evolução do salário médio (benefícios incluídos) de várias categorias de trabalhadores (homens entre 35 e 44 anos com diferentes níveis de escolaridade). Nota-se que nos EUA, entre 1980 e 2006, o salário médio dos trabalhadores com o 2º grau (high school) caiu em termos reais.
Quais as explicações para tais discrepâncias salariais? Olivier Blanchard dá três explicações para o fenômeno. Em primeiro lugar, ele aponta que o índice de preço influi muito neste aspecto. Do ponto de vista de testar a teoria básica, o índice certo para calcular salários reais é o índice de preços ao consumidor, não o deflator implítico do PIB.
Se o último cresceu muito mais que o segundo, então um salário menor que o esperado deveria aparecer. Blanchard ainda cita que o progresso tecnológico fez cair bruscamente a demanda por trabalhadores menos qualificados, sobretudo aqueles que não sabem lidar com operações e equipamentos mais complexos.
Por fim, ele cita que as fábricas que empregam trabalhadores menos qualificados estão sofrendo com a importação de bens vindos de regiões onde a mão-de-obra é mais barata (como a China), o que leva mais e mais firmas a se deslocarem para essas regiões.
Claro, até agora só falei de modelos ortodoxos. Os economistas heterodoxos da Cambridge inglesa (Nicholas Kaldor, Joan Robinson, Luigi Pasinetti, etc.) se fundamentaram numa crítica teórica do economista italiano Piero Sraffa para negar a validade dos pressupostos dos modelos solowianos, algo que gerou a famosa “controvérsia do capital” da década de 60. Essa crítica leva em conta a observação de que como o capital é um bem reprodutível, um produto e não uma dotação da natureza, um aumento no salário real não necessariamente conduzirá a uma redução na relação capital/trabalho da economia; e vice-versa. Um aumento do salário real também aumenta o custo de produção e, portanto os preços das máquinas e equipamentos (capital); não é impossível que, ao invés de economizar trabalho nestas circunstâncias, as empresas recebam incentivos para utilizar técnicas que economizem capital, reduzindo, e não aumentando, a relação capital/trabalho.
A conseqüência é que nada garante que o mecanismo neoclássico de substituição entre capital e trabalho sempre opere na direção correta prevista pelo modelo. Isso pode explicar porque em alguns países subdesenvolvidos há tanto subemprego e desemprego por desalento.
Isso implicaria que os índices de desemprego são muito maiores que os oficiais, já que não é por opção que as pessoas ficam nesta situação, mas sim por causa devido a um desequilíbrio cumulativo entre crescimento do estoque de capital e o crescimento da taxa de disponibilidade da mão-de-obra.
Fontes:
(1)
http://www.dollarsandsense.org/archives/2007/0107cypher.html(2)
http://rodrik.typepad.com/dani_rodriks_weblog/2008/02/mr-kristol-you.html