Sou suspeito ao afirmar que Battlestar Galáctica é um dos melhores seriados de televisão já feito, pois sou fã convicto da série. Mas citei a série porque um dialogo em particular que ocorre no 15º episódio da 4º temporada atraiu e muito a minha atenção. Trata-se de uma máquina cylon projetada para imitar com perfeição a espécie humana, reclamando das limitações de o sê-lo:
“Eu não quero ser humano, quero ver raios gama, quero ouvir raios X, e eu quero sentir o cheiro da matéria escura. Estais vendo o absurdo que eu sou? Não posso nem me expressar apropriadamente por que tenho que contextualizar idéias complexas nessa língua falada estúpida e limitada. Mas sei que quero ir além com algo mais do que essas patas prenseis e sentir o vento solar de uma super nova passando por cima de mim. Posso saber muito mais, posso experimentar muito mais, mas estou preso nesse corpo absurdo.”
Não é somente as máquinas de nossos seriados de ficção que podem reclamar disso. A nossa capacidade de perceber o espectro eletromagnético é extremamente limitada, certa vez, assistindo ao canal Discovery Channel percebi uma analogia que me mostrou o quão limitado somos: Se você estendesse um rolo de filme (aqueles rolos de filme de cinema com quadrados) entre Las Vegas e Washington a capacidade humana de sentir/perceber o espectro eletromagnético seria apenas o de um quadro do filme, ou seja, de apenas 4 cm. Isso é extremamente limitado, mas será que podemos fazer algo a respeito?
O pesquisador brasileiro Miguel Nicolelis propõe algo interessante, que vai de encontro a isso, a hipótese do cérebro relativista [1]:
“Quando confrontado com novas formas de obter informação sobre a estatística do mundo que o cerca, o cérebro de um indivíduo assimila imediatamente essa estatística, da mesma forma que os sensores e as ferramentas utilizadas para obtê-las. Desse processo resulta um novo modelo neural do mundo, uma nova simulação neural da noção de corpo e uma nova série de limites ou fronteiras que definem a percepção da realidade e o senso de eu. Esse novo modelo cerebral será testado e remodelado continuamente, por toda a vida desse indivíduo. Como a quantidade total de energia que o cérebro consome e a velocidade máxima de disparo dos neurônios são fixas, propõe-se que, durante a operação do cérebro, tanto o espaço como o tempo neuronal são relativizados de acordo com essas constantes biológicas”.
Para testar essa hipótese, Nicolelis propõe dois paradigmas experimentais jamais testados na história da neurociência, mas nos ateremos somente ao primeiro já que o mesmo tem correlação direta com o assunto que estamos discutindo. Nesse experimento, ainda em estágios iniciais, é sugerido a criação de um “mundo magnético” onde todas as características e locais de interesse como os limites espaciais do mundo, a localização de fontes de água, alimento e possíveis parceiras sexuais de um roedor bem como a posição de predadores são determinados por diferentes fontes magnéticas.
Para verificar como os ratos comuns aprenderiam a transitar nesse ambiente, um pequeno sensor de campos magnéticos será implantado no osso frontal de seus crânios. Dessa forma, quando eles visitarem esse mundo magnético, o sensor poderá sinalizar a presença de uma fonte magnética ao emitir um padrão espaçotemporal único de estimulação elétrica que será diretamente aplicado ao seu córtex S1, por meio de uma matriz de microeletrodos previamente implantada.
Ao explorar esse mundo magnético, o rato receberá uma recompensa natural (água, comida ou um encontro conjugal com a ratinha) e também receberá estímulos negativos (um alarme ruidoso) que será desencadeado quando da entrada por engano do roedor no compartimento dos predadores.
Os roedores com esse novo “sexto sentido” magnético foram batizado de R6-T – o T representa o tesla, a unidade aprovada pelo Sistema Internacional de Medidas para designar a força de um campo magnético. Será que os R6-Ts serão capazes de aprender a interpretar as mensagens magnéticas que serão remetidas a seus cérebros por estimulações intra-corticais?
Aprenderão a viver nesse mundo completamente diferente confiando apenas em seu recém-adquirido senso magnético para encontrar comida, água e evitar predadores, além de buscar o caminho de seus lares aconchegantes? E, admitindo que os R6-Ts consigam aprender tudo isso, será que uma nova representação desse mundo magnético emergirá em seus córtex cerebrais?
Minha predição pessoal é que os R6-Ts finalmente aprenderão, se não todos, alguns dos parâmetros cruciais desse admirável mundo novo magnético, e que claros campos receptivos magnéticos emergirão em seu córtex para suplementar as respostas táteis típicas desses animais. Nicolelis enfatiza que não existe nada de especial na escolha de fontes magnéticas para construir esse novo mundo para tais experimentos. Na realidade, se a hipótese de um cérebro relativista estiver correta, iremos obter os mesmos resultados se forem usados experimentos empregando mundos de infravermelho ou ultrassom. A primeira demonstração de um rato utilizando sinais de luz infravermelha, codificados em estimulação intra-cortical em seu córtex para navegação em um novo mundo perceptível atras de ondas infravermelhas já foi obtida nos laboratórios da Universidade de Duke.
Como seria perceber/sentir um mundo através de ondas infravermelhas, ondas magnéticas ou através do ultrassom? Talvez estejamos mais próximos disso do que possamos imaginar. Finalizo o post comentando acerca dos resultados do experimento de William Dobelle, onde ele desenvolveu um sistema inicial para portadores de necessidades especiais visuais [2] e o implantou em Jens Naumman, possibilitando a recuperação parcial de sua visão (Imagem 1).
Imagem 1: Jens Naumman no programa da CBS The Early Show.
Referências:[1] Nicolelis, Miguel. “
Muito além do nosso Eu“, Companhia das letras.
[2] Dobelle, William H. Ph.D.; Quest, Donald O. M.D.; Antunes, Joao L. M.D.; Roberts, Theodore S. M.D.; Girvin, John P. M.D. ”
Artificial Vision for the Blind by Electrical Stimulation of the Visual Cortex“.
Fonte:
http://braincomputerinterface.wordpress.com/2011/11/16/integracao-entre-cerebro-e-maquinas-vai-influenciar-evolucao-humana/