Marcel, como você é sortudo, rapaz! Estou com algum tempo livre e até me sentindo descansado.
Como a resposta é tão tremendamente simples e eu verifiquei que há bem a possibilidade da coisa ter mais se complicado que se solucionado para você, vou dar uma ajuda. Além do que, isto é de interesse 'relativamente' amplo, sendo uma das mais populares apresentações da relatividade e pode ser usado como ponto de apoio por mim.
A resposta pode ser algo tão simples como:
Por causa do princípio de Mach.
Mas isso pode não ser tão imediatamente esclarecedor, além de não ter muita graça. Então...
É uma questão interessantíssima mesmo. Se fôssemos ser rigorosos, a relatividade restrita deveria ser chamada teoria da absolutização, porque se baseia numa tática matemática para obter os valores das variáveis dimensionais de qualquer referencial para/em qualquer referencial. A realidade física que a teoria ataca aqui é a do tempo sendo função do referencial e do movimento num referencial, por exemplo, e estes são relativos, mas o que ela (a teoria) nos permite, até independentemente da própria realidade física em si, é a instrumetalização para "sobrepujar" isto -- gerando, a partir de quantidades relativas numa matriz dimensional de três dimensões mais tempo (separadamente), quantidades absolutas numa matriz espaço-temporal quadridimensional. Por que é importante frisar isto? Na verdade, no que concerne à questão, seria mais difícil correlacionar e não significaria nada sem a necessária condição de contorno. Foi só algo que me ocorreu e que achei interessante observar. Claro que tudo está relacionado dentro da intricação da teoria, mas, para dar uma visualização ao problema da sua questão, acho que tenho uma abordagem muito melhor.
Obs. 1: os dois links que te foram apresentados tentam abordar o problema justamente dessa forma (até mesmo o segundo!), tocando na questão fundamental como se fosse puramente acessória de modo que a mesma passa quase despercebida no meio de tudo e tudo o que sobra é a generalização do teorema de Pitágoras para quatro dimensões. No segundo link, chega a ser divertido ver a sugestão de que o conteúdo do primeiro link seria um "engineer-not-friendly" one. O 'pulo do gato' no primeiro link está em "This underlines an important principle of special relativity: an **inertial observer** present at two events will always observe a shorter time interval between the events than what an observer not present at both events will observe." Uma complexificação absurdamente desnecessária de algo tão simples. Mais adiante (até um pouco antes, também, já por antecipação), desculpas são apresentadas sabendo-se que esse carrapicho pilular não desce pela garganta. A pergunta que fica é: por que (fazem) isso?
Obs. 2: se não for de seu interesse uma abordagem generalista do que julgo serem os fundamentos da sua própria dúvida, salte logo 4 parágrafos abaixo.
Quando eu digo que o princípio da incompletude deve ser reconhecido como o conceito fundamental da física e, ainda muito mais que isso, da própria realidade, normalmente, encontro problemas nos interlocutores. Mas o fato é que isto se evidencia continuamente em tudo. Neste "paradoxo", só como exemplo. Eu gostaria de, antes de responder, dar uma analisada no contexto da dúvida, na razão da dúvida sobre a questão porque um dos meus maiores interesses é a análise dos processos cognitivos na maior essencialidade possível.
Uma coisa interessante é que ao mesmo tempo em que eu mesmo reconheço toda a relatividade como uma teoria real, com uma compatibilidade realista destacada, eu não deixo de voltar os olhos para suas limitações, não preponderantemente no alcance de suas descrições e resultados matemáticos, mas no alcance de seu próprio 'contorno'. E observo que, normalmente, muitos olham para ela com uma perspectiva de perfeição além da conta, como se, de alguma forma, houvesse um absolutismo real na mesma, intrigantemente, dentro de sua própria relatividade. Assim, acreditam, quase que instintivamente, me parece, que referenciais absolutos desaparecem por completo dentro do seu contexto, sendo que o recurso das transformações resolve tudo. E aqui está o ponto: referenciais absolutos "desaparecem", *mas não por completo*.
O próprio Einstein demonstrava ter alguns problemas com isso, de um modo geral. Ele percebia que "faltava algo". Como não conseguia localizar ou esquadrinhar esse "algo", chamava de "verdadeira religiosidade" e saía com pérolas comprometedoras como "ciência sem religião é manca e a segunda sem a primeira é cega". Ciência é manca *sem o resto da realidade*, e é só isso, simples assim. E religião é cega... oh, céus! por natureza própria e irrevogável e não há absolutamente nada que possa sequer minorar essa desgraça. E observe-se que ele travou amizade com Gödel, mas tenho a impressão que nenhum dos dois jamais se deu conta da interrelação entre seus maiores trabalhos teóricos. Hoje, eu posso ver claramente que a relatividade tem sua base conceitual como um de muitos casos particulares de um princípio geral de incompletude, mais geral que os teoremas de Gödel.
O problema que estou abordando até aqui vai muito mais fundo que o deste tópico. Sem dúvida, Einstein entendia muito bem o que vou te mostrar e não tinha qualquer dúvida a respeito dessa questão específica. Mas eu desconheço qualquer indicação de que o que estou exatamente abordando aqui ele sequer avaliasse. Será que alguém perceberá do que estou falando? Se leu até aqui, Marcel, me desculpe se não é de seu interesse isso e tudo o que quer é uma resposta clara e objetiva, mas é que eu gostaria de aproveitar o ensejo e deixar este texto exposto para outros leitores.
Vamos, então.
Os postulados da relatividade especial são bem claros:
1)as leis da mecânica e do eletromagnetismo são invariantes para todo e qualquer observador *inercial* (com movimento retilíneo uniforme em relação ao céu de estrelas fixas, logo, entre si mesmos).
2)o tempo e o espaço são homogêneos, com o espaço vazio apresentando isotropia.
A questão é que *existe um referencial "absoluto" no universo*, o chamado 'céu de estrelas fixas' ou, alternativamente, segundo o princípio de Mach, "a distribuição da matéria-energia por todo o espaço". É o referencial inercial universal e todo e qualquer corpo com movimento retilíneo e uniforme em relação a ele o compõe em completude com o mesmo, servindo como referência local para o mesmo. Isso não é novidade alguma. Ele só não é completo diante de qualquer abordagem prática que façamos dele. Isso talvez possa ser uma novidade, pelo menos diante do sentido que tento expor aqui. Deixe-me tentar ser breve na pequena história:
Newton postulou um espaço absoluto como referencial universal para o que ele chamava de movimentos reais. Foi uma hipótese ad hoc, mas alguém como Newton pode fazer isto sem efeitos colaterais. Ele sabia perfeitamente bem o que estava fazendo, que estava dentro dos seus limites. E, o mais importante, como não podia deixar de ser, a hipótese ad hoc dele prossegue até hoje, transferida para um substrato mais "físico", o que lhe confere alguns aspectos e implicações novas, porém, de resultados práticos idênticos. Verificou a licitude física em fazê-lo por meio da sua 'experiência do balde d'água' (descrita em seus Principia), que consiste em girar um balde com água e observar os efeitos relativos dos movimentos do balde e da água entre si. Ele fez a simples e ainda assim fantástica constatação de que a força centrífuga na água não se fazia existir pelo seu movimento relativo ao balde, pois se o balde gira deslizando na água inicialmente sem transferir movimento a ela, não se produz força centrífuga na água, não se forma vórtice. Ele entendeu que a força centrífuga era evidência da existência de um referencial absoluto universal e postulou-o localizando-o num "espaço" fixo que envolvia e permeava tudo, o que quer que isso fosse em realidade.
Mentes de porte batalharam nessa questão porque, de um lado, não é concebível uma realidade física para um espaço absoluto como o proposto por Newton (a não ser para mentes crentes de pensadores filosóficos, isto é, mágicos, claro); de outro lado, o movimento relativo entre corpos quaisquer se expõe como uma realidade insofismável a qualquer perscrutação parcialmente bem detida. E, nessa história, entram os nomes de Leibnitz, Berkeley, Maxwell, Mach e o próprio Einstein.
Berkeley faz uma proposição pitoresca para a questão. Ele propõe uma experiência de pensamento na qual imaginam-se dois globos perfeitos solitários num universo vazio de modo que não seja realizável o movimento de rotação dos mesmos em torno do centro comum, do ponto à distância média de seus centros. Então, ele propõe que se imagine a repentina criação do céu de estrelas fixas (e acho que aqui ele estabelece seu pioneirismo na cunhagem da expressão), assim surgindo um frame referencial que faz o movimento surgir cinemática e dinamicamente de modo que os corpos tenderão a se afastar pelo surgimento da força centrífuga. Tente visualizar isso como puder.
Ernst Mach, reiterando isto, deixe-me ver o que ele disse, de modo mais exato...
"Para mim, só existe movimento relativo. Quando um corpo está em rotação, relativamente às estrelas fixas, forças centrífugas são produzidas; quando está animado de movimento de rotação em relação a algum outro corpo, mas não em relação às estrelas fixas, nenhuma força centrífuga é produzida. Eu nada tenho a objetar que a primeira rotação mencionada seja chamada rotação, contanto que seja lembrado que isto nada mais significa do que rotação em relação às estrelas fixas." Ernst Mach (Sciama, D. W. The Physical Foundations of General Relativity. London, Heinemann, 1972. P. 18-19)
Einstein, a partir disso, propõe o Princípio de Mach: "As propriedades inerciais de um sistema material são determinadas pela distribuição da matéria-energia através de todo o espaço."
O que Ernst Mach fez foi nada menos que substituir o espaço absoluto de Newton pelo céu de estrelas fixas, abordagem esta que simplesmente, de certa forma, relativiza o espaço absoluto. Do meu ponto de vista, a principal alteração que isso promove é que o caráter do referenial se torna de absoluto para completo; de um absoluto vai para um parâmetro de completeza, de modo que a mesma nave com o gêmeo a viajar aqui, que tem a matéria-energia distribuída universalmente como referencial inercial, para um possível viajante no outro confim do universo, é, ele próprio, parte do referencial universal.
A teoria da relatividade especial de Einstein não muda nada disso e, de fato, tem nisso um de seus fundamentos, de modo que o princípio de Mach, cuja proposição é do próprio Einstein, deve ser usado como condição de contorno para as equações de Einstein.
Por último, quero deixar notado que a Terra não é um referencial inercial, como ficou, por primeiro, bem demonstrado pelo experimento do pêndulo de Foucault, o que não tem, todavia, influência significativa no resultado da questão. Quem viaja na nave próximo à velocidade luminal deve adotar um referencial inercial para fazer o cálculo da contração/dilatação temporal, e quem estiver na Terra também.