Autor Tópico: Para economista francês crise de 2008 não teve nada a ver com desregulamentação  (Lida 324 vezes)

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Guy Sorman - “Falar em fim do capitalismo é histeria”


O economista francês diz que a crise financeira não abala o sistema econômico nem a globalização


ENTREVISTA - GUY SORMAN

 
QUEM É
Economista, filósofo e escritor, tem 64 anos. É conselheiro do governo da Coréia do Sul. Vive entre Paris e Nova York

O QUE FEZ
Foi professor no Instituto de Ciências Políticas de Paris e em universidades nos EUA, na China, na Rússia e na Argentina

O QUE PUBLICOU
É autor de 16 livros, entre eles A Revolução Conservadora Americana (1983), A Solução Liberal (1984) e O Estado Mínimo (1985)


Guy Sorman é um espécime raro. Primeiro, porque é um apologista do liberalismo econômico e dos Estados Unidos, num dos lugares do planeta onde o papel do Estado é mais reverenciado e onde há mais aversão ao modo de vida dos americanos: a França. Segundo, porque, na contracorrente da maior parte dos economistas, continua a defender a desregulação dos mercados e a se manifestar contra a intervenção estatal na economia, mesmo depois da mais grave crise financeira desde os anos 30 – uma idéia, aliás, com a qual ele não concorda. Na semana passada, de seu apartamento em Nova York, Sorman conversou com ÉPOCA, antes de embarcar para o Brasil. Nesta semana, ele lança aqui seu livro A Economia não Mente, uma nova defesa das idéias liberais. 

ÉPOCA – O senhor continua a acreditar no livre funcionamento dos mercados, mesmo depois da maior crise financeira desde os anos 30?

Guy Sorman – A crise bancária é real, mas ela causou reações histéricas como se fosse o fim do capitalismo ou algo que nunca tivesse ocorrido antes na História. O apocalipse não vai acontecer agora. Depois de três séculos de conhecimento acumulado em ciência econômica, sabemos que o fenômeno das bolhas especulativas é, de certa forma, banal. Elas estão relacionadas à inovação e aos ciclos da economia. A economia cresce, freqüentemente, de bolha especulativa em bolha especulativa. No começo do século XX, os EUA tinham 3 mil fabricantes de automóveis. Hoje, restam dois. No ano 2000, havia 5 mil empresas de internet no Vale do Silício, e 80% desapareceram. A atual crise bancária segue a mesma lógica. Milhares de bancos inovaram com os derivativos. Centenas vão desaparecer. O que importa é: depois do estouro dessas bolhas, um número maior de americanos anda de automóvel, tem acesso à internet e um número ainda maior terá se tornado proprietário de imóveis, apesar da crise. Esse discurso antiliberal que se faz hoje, sobre regulamentação e o retorno do Estado, tem muito de populismo – até mesmo de nostalgia do marxismo.

 

ÉPOCA – Mesmo o megainvestidor George Soros cobra mais regulação e diz que a origem da crise tem a ver com uma fé fundamentalista no mercado.

Sorman – Há dois problemas na análise de Soros, que acho absurda. Primeiro: ele é membro 100% do sistema econômico e não propõe a substituição do liberalismo por outro sistema. Segundo: ele diz que a ausência de regulação é a causa da crise. Isso é falso por dois motivos. Em primeiro lugar, países muito regulados, como a França, foram tão inundados por derivativos como países pouco regulados, como os Estados Unidos. Em segundo lugar, a análise de Soros supõe que os governos seriam capazes de regular por antecipação inovações que não existiam antes. Supõe que a economia é estática, quando ela é dinâmica. Quando houve o estouro da bolha da internet, houve o mesmo discurso de que o governo deveria ter regulado a internet. Mas a internet não existia antes. Se você regula demais, você impede a inovação. Isso seria mais absurdo, porque a inovação é o motor do crescimento da economia. Os governos estarão sempre em atraso em relação aos empreendedores.

 

ÉPOCA – Apesar de o senhor dizer que as críticas à desregulação do mercado são histéricas, os governos, em busca de uma solução, tiveram de socorrer os bancos.

Sorman – No sistema econômico liberal, há duas escolas. Há aqueles que dizem que, se o governo não tivesse feito uma intervenção, provavelmente o mercado acharia uma solução. Essa é a minha posição. Há outra escola intervencionista, que recomendou que os governos assumissem posições minoritárias nos bancos de maneira provisória, com o objetivo de restaurar a confiança no sistema bancário. Não foi uma nacionalização dos bancos. Os governos britânico e francês deixaram claro isso. Acredito que essa intervenção não era necessária, mas ela não me incomoda, porque não põe em questão nem o sistema econômico nem a globalização.

 

ÉPOCA – Mas essa intervenção dos governos não é um sinal de que as idéias liberais, que ganharam força depois dos anos 80, recuarão a partir de agora?

Sorman – Não acredito, por razões concretas. A economia liberal é um sistema imperfeito, mas ainda não se descobriu outro melhor. O crescimento mundial começou nos anos 80, graças à desregulação e à liberação das trocas comerciais. Lembro que, até os anos 80, não era possível importar computadores no Brasil. Foram os derivativos, combinados ao alinhamento de quase todas as nações à economia de mercado e à liberalização do comércio, que fizeram a economia mundial progredir à média de 5% ao ano nos últimos dez anos. Milhões de empresas e o acesso à propriedade em países ricos e pobres foram financiados graças a esses derivativos. Antes de berrar contra os especuladores e os banqueiros, é preciso lembrar essa riqueza gerada em benefício de grande parte da humanidade.
 


“Krugman ganhou o Prêmio Nobel porque é um bom economista e porque torce por Obama. O Nobel muitas vezes é político”


ÉPOCA – Apesar de o senhor não acreditar num recuo do liberalismo, as idéias do economista John Maynard Keynes voltaram com força.

Sorman – Ir atrás de Keynes hoje em dia é um pouco como estar doente e ir atrás de um médico formado em 1918. Não é uma boa idéia. Keynes se enganou completamente – e isso foi demonstrado. Keynes acreditava que a criação de moeda poderia levar à retomada do crescimento econômico – ou, simplificando, que a inflação poderia ser boa para o crescimento. O método de Keynes foi aplicado pela primeira vez em 1974, quando tivemos uma recessão verdadeira. Todos os países – EUA, Europa e Japão – emitiram moeda para retomar o crescimento. E o que aconteceu? Tiveram inflação e desemprego – um fenômeno conhecido como estagflação. Essa foi a aplicação prática das idéias de Keynes. Depois dessa experiência real, todos os economistas estão de acordo em dizer que as idéias de Keynes eram falsas e que a estabilidade monetária é essencial para o crescimento.


ÉPOCA – O que o senhor achou da escolha de Paul Krugman para receber o Prêmio Nobel de Economia?

Sorman – Krugman fez trabalhos científicos muito interessantes há 20 anos, sobre o comércio internacional. A equipe de que ele participou merece o Prêmio Nobel. Mas ele não era o chefe da equipe. O chefe era o economista Avinash Dixit, de origem indiana. Fico surpreso ao ver que o chefe da equipe não ganhou o Prêmio Nobel, e sim o número dois. Mas isso acontece. O Nobel é muitas vezes político e raramente é neutro. Krugman ganhou o Nobel, em primeiro lugar, porque é um bom economista. Em segundo, porque torce por Barack Obama. O que me incomoda um pouco nos artigos de Krugman para o The New York Times é a mistura de ciência econômica com a política. Temos o mesmo problema com Joseph Stiglitz, que ganhou o Nobel há alguns anos e também faz uma crítica muito política.



ÉPOCA – O senhor diz que a economia é uma ciência e não se deve misturar economia com política. Mas esse, no fundo, também não é um discurso ideológico?

Sorman – Não sou fundamentalista nem ideólogo. Ao contrário de Milton Friedman e Friedrich Hayek (os patronos do liberalismo econômico), que eram ideólogos, não penso que podemos dispensar o Estado. Toda a história econômica mostra que a economia não funciona sem a presença de um Estado sólido e previsível. É preciso também ter exércitos, porque, senão, você não tem livre-comércio. A utopia liberal é interessante do ponto de vista intelectual, mas não é prática. Sou a favor da economia que funciona. Há 30 anos, você tinha uma economia marxista, outra liberal. Isso acabou. Há um único sistema econômico, que é o livre mercado. A economia passou do domínio da opinião ao da ciência humana. Ela não é uma ciência perfeita, mas a evolução econômica é agora uma evolução de caráter científico. O único critério para medi-la é o da eficiência.



ÉPOCA – Como o senhor virou um liberal na França, que não é um país conhecido pelo liberalismo econômico?

Sorman – A tradição liberal sempre existiu na França, desde o século XVIII. Meu professor foi Raymond Aron (intelectual francês antimarxista), muito conhecido no Brasil. Nos últimos anos, a França fez muitos progressos no sentido do liberalismo. Há 25 anos, eu defendia a privatização da Renault, um símbolo do estatismo francês. À direita, achavam que eu era histérico. Hoje, a França privatizou maciçamente, entrou na globalização e nem mais moeda nacional tem.


http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI15069-15295,00.html
« Última modificação: 23 de Fevereiro de 2012, 09:23:17 por Geotecton »
''O objetivo dos Governos é sempre o mesmo: limitar o indivíduo, domesticá-lo, subordiná-lo, subjugá-lo.'' - Max Stirner

 

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