"... a única base segura para a oligarquia é o coletivismo. A riqueza e os privilégios são mais fáceis de defender quando possuídos em conjunto. A chamada abolição da propriedade privada, que teve lugar em meados do século, representou, na realidade, a concentração da propriedade num menor número de mãos do que anteriormente: apenas com a diferença de os novos proprietários serem um grupo, em vez da multitude de indivíduos singulares. Individualmente, nenhum membro do Partido possui o que quer que seja, exceto os seus bens pessoais. Coletivamente, o Partido possui tudo o que existe na Oceânia, porque tudo controla e dispõe da produção como bem entende...
O Partido não forma uma classe no velho sentido do termo. Não se propõe transmitir o poder aos seus próprios descendentes, enquanto tais; e se não houvesse outro meio de manter no topo da escala as pessoas mais capazes, estaria perfeitamente disposto a recrutar uma nova geração nas fileiras do proletariado. Nos anos decisivos, o facto do Partido não ser um corpo hereditário contribuiu bastante para neutralizar a oposição. Os socialistas da velha guarda, treinados para lutar contra uma coisa chamada privilégios de classe, partiam do princípio de que aquilo que não é hereditário não é permanente. Não viam que a continuidade da oligarquia não precisa necessariamente de ser física; nem constituía, para esses socialistas, motivo de reflexão as aristocracias hereditárias sempre terem tido vida curta, enquanto organizações adotivas como a Igreja Católica chegarem, por vezes, a durar séculos ou milénios.
A essência do princípio oligárquico não reside na transmissão de pai para filho, mas na permanência de uma certa visão do mundo e certo estilo de vida, que os mortos impõem aos vivos. Um grupo dominante só é dominante enquanto conserva a capacidade de designar os seus sucessores. O importante para o Partido não é perpetuar o sangue, mas perpetuar-se a si próprio. Não interessa quem detém o poder, contanto que a estrutura hierárquica se mantenha."
GEORGE ORWELL - 1984
A descoberta da Nomenklatura nos países marxistas-leninistas levaria a que se visse a questão da hereditariedade da oligarquia com outros olhos, mas Orwell não chegou a perceber essa realidade.