Salve a todos! Atendendo a pedidos, vou expor minha experiência ateísta à comunidade Clube Cético. Esse testemunho é dedicado aos religiosos que vez ou outra se pegam questionando pontos de sua fé; aos agnósticos indecisos; aos ateus que ainda não saíram do armário; e, principalmente, àqueles que conseguiram romper a vigorosa membrana da religião.
O início
Quando um antigo amigo que eu não via há uns tempos me encontra, fica perplexo ao ouvir que me tornei ateu. A pergunta é sempre a mesma: "Mas como você mudou assim, do nada?" ou "Como você negou isso tudo da noite pro dia?". De fato, se meu eu do ano passado pudesse me ter visto como sou hoje, certamente ficaria tão ou mais atônito que meus amigos.
Fui criado em família de base cristã. Entende-se por base cristã a própria fé em Jesus Cristo (o que todos aqui devem conhecer bem em termo de redenção, salvação e eternidade). Para se ter uma noção mais aproximada da realidade, vou citar o "currículo" de minha família:
- Meus avós fundaram diversas comunidades evangélicas pelo Maranhão (onde moramos);
- Um tio meu é reverendo da Igreja Presbiteriana do Brasil;
- Uma tia minha apresenta um programa televisivo local sobre como educar os filhos segundo os valores cristão;
- Um tio meu é missionário ativo, hoje residente em Trinidad e Tobago. Já morou (fez missões) na Inglaterra, Índia, Venezuela; além de viajar muito para acompanhar projetos mundo afora;
- Todos os meus tios são evangélicos praticantes;
- 90% dos meus primos são evangélicos praticantes.
Com uma influência dessas era inevitável que eu me tornasse cristão. Contudo, só fui ter experiência com Deus em julho de 2009, quando eu somava 15 anos (aos que não estão muito afim de fazer contas, hoje tenho 18). Isso aconteceu na ocasião em que participei do chamado Encontro com Deus, espécie de retiro promovido pela igreja.
(Em outro tópico vou mostrar como funciona esse Encontro e como se trabalha o psicológico para a conversão do indivíduo)Sai dessa experiência com a completa convicção de que Deus era não só real, mas um amigo íntimo que "caminhava" comigo aonde quer que eu fosse; me amava acima de todas as coisas; havia escrito uma história maravilhosa para mim aqui na terra; e, principalmente, haveria de presentear-me com o supra-sumo: a vida eterna ao Seu lado. Com uma convicção tão maravilhosa como essa, eu me sentia, naturalmente, na obrigação de presenteá-Lo com o que eu tenho de melhor: eu mesmo (minha própria vida). Para isso estava disposta a viver em função do evangelismo, amor ao próximo; ao abandono do Eu Pecador; a abstinência aos desejos carnais (não só a promiscuidade, mas tudo o que é considerado pecado, ou moralmente inaceitável aos olhos de Deus).
Primeiras controvérsias
Contudo, sempre fui um garoto inteligente que, apesar de inocente quanto ao mundo, assimilava bem as coisas. Não podia, com isso, deixar de notar que existia a parcela dos que não criam em deus algum. Esses assuntos alheios sempre me interessaram. Astronomia, antropologia e teorias da conspiração sempre acenderam em mim um entusiasmo singular. Frequentava fóruns, blogs e sites com conteúdo que, diria hoje, seriam abomináveis aos olhos da Inquisição Medieval, justamente por incitarem o livre-pensar.
Além disso, sempre buscava questionar o que lia na Bíblia. Nunca lia um texto sem me aprofundar nele, inclusive historicamente. E, claro, sempre encontrava algo que minha fé reprovava: passei a desconfiar da irrefutabilidade bíblica. Contudo, esses questionamentos contrastavam com a constante presença divina a qual eu sentia nos louvores, evangelismos, pregações e mesmo meditações madrugada a fora.
Comecei a criar o seguinte pensamento:
Não vou abandonar um ser tão perfeito como Deus, cuja criação apenas comprova sua existência, por causa de erros bobos encontrados num livro milenar que sofreu tantas perdas em traduções e avarias pela Idade Média Clerical. É óbvio que o livro sofreu inúmeras alterações e seu significado primordial já foi perdido há muito. O que resta é tentar conciliar os ensinamentos encontrados no livro com o que eu aprendo com o próprio Deus no dia-a-dia.
E assim eu segui. Meu atrito com a igreja (instituição) só aumentava e, a cada dia, eu alicerçava esse ponto de vista. Comecei a ver que algumas pessoas que lideravam eram sujas e incapazes para tal. As doutrinas, que variam de igreja para igreja, eram coisas que me deixavam realmente indignado! Comecei a gostar de uma garota (ela também gostava de mim), mas não podíamos namorar porque era doutrina da nossa igreja que o namoro só fosse permitido depois dos 18 anos. Se eu desobedecesse a doutrina estaria, automaticamente, pecando por desobedecer uma autoridade espiritual. Situações como essa me deixavam realmente estarrecido.
"Varria a incredulidade para debaixo do tapete"...
Terminei o Ensino Médio e entrei na faculdade (Jornalismo - UFMA) no começo do ano passado e comecei a ter aulas de antropologia, filosofia, lógica e retórica. Eu ia acumulando cada informação e tentando criar um paralelo com minha fé. Às vezes eu até conseguia, mas na maioria das vezes as informações históricas iam contra qualquer tipo de crença - do contrário, confrontavam diretamente. Mas como eu não conseguia abrir mão do que eu sentia, acabava retendo tudo aquilo e isolando. Eu me defendia mais ou menos assim:
Satanás pode muito bem usar do artifício "ciência" para enganar as pessoas; levá-las a distanciarem-se de Deus e de sua coerência.
Assumindo o ateísmo
Mas, é claro, chega uma hora em que o indivíduo já não consegue mais simplesmente ignorar aquele monte de questões acumulado debaixo do tapete. Decidi rever minha crença. Esse período foi exageradamente curto! Acho que não foi mais que uma semana. Foi quando decidi deixar de lado todo postulado cristão para analisar isoladamente os argumentos ateístas. Em súmula, decidi parar de enxergar o ateísmo com a parcialidade dos olhos cristãos. Foi tiro e queda!
Passei cinco dias sem ir às aulas. Ficava as tardes na biblioteca, ou na sala de informática. Pesquisava, lia, analisava. Tudo isso com a Bíblia devidamente fechada, bem longe dali. Consumia todas as teorias ferozmente e, quanto mais recebia, mais eu queria. Li Platão, Aristóteles, Nietzsche, Darwin. Busquei outras religiões, outras concepções teístas, materialistas, céticas, agnósticas. Li livros apócrifos da Bíblia, busquei críticas ateístas aos textos bíblicos.
Lembro do momento em que caiu a ficha. Eu lia sobre alguma coisa relacionada ao silogismo lógico quando me veio de forma nua e crua na cabeça:
Não existe Deus algum. Toda a humanidade está doente, presa nessa caverna, pensando estar numa verdade que não existe. Estão perdendo suas vidas. Mas eu consegui quebrar o casulo! Eu estou livre!
Euforia
Lembro perfeitamente que sai da biblioteca e fiquei fora de mim, tamanha era a felicidade. Me senti como que alguém que foge de uma prisão a qual é praticamente impossível sair. Palavras são insuficientes para demonstrar o mínimo do que senti naquela hora. Sentia meu corpo todo pulsar! Eu estava livre daquela jaula ridícula!
Me entreguei à militância. Quebrei todos os vínculos com a igreja. Só não assumi diretamente para a família porque realmente não tinha como. Eles iam acabar fazendo represália e eu ia perder o livre-arbítrio. Hoje eles já sabem, apesar de eu não sair discutindo com eles sobre religião. Não escondo meus pensamentos hoje de ninguém.
Bom, essa foi minha experiência. Espero que tenham gostado e que sirva também para dar forças a quem está em cima do muro. A melhor forma de chegar a algo realmente confiável é através do estudo, da crítica. Não acredite no que os outros falam, mas analisem cada teoria com os olhos da razão!
Losing my religion - REM
"I thought that I heard you laughing
I thought that I heard you sing
I think I thought I saw you try
But that was just a dream, just a dream..."