http://teoriadetudo.blogfolha.uol.com.br/2012/03/26/emagreca-comendo-chocolate-ou-nao/Sempre que a Páscoa se aproxima, começam a aparecer estudos de nutrição sobre consumo de chocolate. O primeiro da safra deste ano saiu faltando três semanas para o feriado, com uma conclusão bem radical: “Adultos que consomem chocolate com mais frequência têm índice de massa corporal menor”.
Como muitos desses estudos são patrocinados pela indústria confeiteira, a primeira coisa a fazer é verificar se os autores declaram conflito de interesse. E desta vez passou: o trabalho com a alegação acima está na edição de hoje da “Archives of Internal Medicine”, revista respeitável publicada pela Associação Médica Americana, que exige de todos os seus autores que revelem conflitos financeiros.
O estudo em questão foi liderado por Beatrice Golomb, da Universidade da Califórnia em San Diego, e assinado por mais dois colegas. Todos trabalharam apenas com financiamento público. Lê-se que “os autores declaram não ter conflitos de interesse a revelar, mas professam um anti-conflito por meio de seus hábitos de compra de chocolate”, o que pode ser constatado na foto acima, distribuída pelo departamento de comunicação da UCSD.
Se o único viés dos cientistas é o gosto por trufas e bombons, vale a pena ver o que têm a dizer. A frase de efeito usada por Golomb para divulgar seu trabalho é revelada de maneira honesta logo de cara, com o estudo explicando que a “frequência” de consumo não estava relacionada à “quantidade” de chocolate ingerida pelas pessoas analisadas no estudo. Ainda assim, o trabalho tem algum mérito.
A pesquisa foi basicamente construída sobre entrevistas com voluntários –1.108 pessoas entre 20 e 85 anos– que revelavam quantas vezes comiam chocolate por semana. Para evitar correlações falsas, também foi estimado o consumo médio de calorias e o grau de sedentarismo das pessoas. Ao final, descartados fatores de confusão, o resultado da pesquisa de fato têm boa significância estatística.
Mas o que esses estudos assim, que tentam associar um fator a outro de maneira agnóstica, permitem concluir? Pesquisas sobre nutrição como esta são produzidas em escala industrial, mas quão boas elas são em apontar causalidade, em provar que X ocorre em função de Y?
O que o trabalho de Golomb leva a imaginar é se aspectos sociais e psicológicos não estão por trás do resultado inusitado.
É possível que as pessoas mais magras entrevistadas no estudo estivessem consumindo chocolate com mais frequência por terem menos sensação de culpa? Uma barra de 80 gramas de chocolate tem mais ou menos a mesma quantidade de calorias que um prato cheio de arroz, mas é bem possível que cause mais arrependimento numa pessoa que deseje emagrecer.
Outro fator a se considerar é se o nível de renda não está por trás das conclusões. Chocolate realmente bom é uma iguaria cara e, em países bem abastecidos, a pobreza e o baixo grau de instrução estão relacionados à alimentação mal balanceada.
A explicação oferecida por Golomb para o efeito verificado, porém, é que outros estudos já mostraram correlação entre chocolate e o que ela chama de “bons indicadores metabólicos” –pressão sanguínea, nível de colesterol e sensibilidade à insulina. Como esses fatores também estão relacionados ao índice de massa corporal, ela sugere que um teste clínico mais rigoroso sobre consumo de chocolate seja realizado para tirar a dúvida.
OK. É honesto por parte de Golomb concluir que alegações mais ousadas dependem de estudos mais aprofundados. É possível que a hipótese dela esteja correta, e todos os apreciadores de chocolate do mundo ficariam felizes se isso ocorrer. Mas será que essa felicidade também não é um fator de viés a se considerar?
Na dúvida, comi dois tabletes de chocolate amargo hoje e encerrei a cota. Não acho que um terceiro me faria tão mais feliz.