Tópico: Procura-se escapismos apropriados

[Digão]

Pessoal, se eu descrever uma personalidade ilustrando-a com alguns filmes/livros, vocês citam outros filmes/livros dos quais essa pessoa possa gostar? "É para um amigo meu..."

Aí vai:

Vive angustiado enquanto a vida passa (O Sétimo Selo) por ser ao mesmo tempo melindroso em relação a emprego e preocupado com estabilidade financeira. É melindroso porque trabalha somente no que gosta e valoriza a liberdade de escolher o emprego em suas nuances, ao ponto de evitar concursos públicos (Clube da Luta), mas também se preocupa com o investimento nos futuros filhos e a própria aposentadoria (encontra refúgio nos filmes de assalto elegantes, como Onze Homens e Um Segredo). Gostaria muito de crescer junto com uma empresa sólida; porém, na sua área de preferência - que é desenvolvimento de software - as empresas vivem altos e baixos, e além disso ele só consegue se manter no topo do ranking de funcionários casualmente.

Gosta de tecnologia e atividades de precisão e controle (2001 - Uma Odisséia no Espaço). Gosta de ler, de música, de arte (O Nome da Rosa, A Arte do Crime). Convencido, acha que seu intelecto merece confete (Homem de Ferro). Tem TOC, poucos skills sociais e dificuldade em se convencer de que não seja uma pessoa ruim (Melhor É Impossível). Pouco empático (A Rede Social), poucos amigos, não é desprendido e nem fã de historinhas água-com-açúcar, porém inveja os caridosos, os magnéticos, os eficientes. Interessa-se por biologia. Aprecia escapismo: épocas antigas, ficção científica, anacronismos. Angustia-se por viver demais no seu passado particular (Amnésia).

Também podem completar a descrição com filmes/livros que faltarem. Ou quem sabe sugerir um outro emprego (que não seja escritor de horóscopos)...

[Rocky Joe]

Eu gosto de recomendar coisas, hein? Lá vamos nós! Recomendações de livros, que acredito que irá gostar:

Angústia com a passagem do tempo? Me lembro de Dia de Finados, do Cees Nooteboom, onde o protagonista, um documentarista, tenta filmar e lutar através disto com a sensação de que algo não pára de morrer nesse mundo. Não é essa a "história" do livro; é apenas uma das muitas divagações do protagonista. Se quiser ler uma crítica, clica aqui. É um dos meus livros prediletos.

Outro livro: O Estrangeiro, do Albert Camus. Bom pra caralho. Um dos meus prediletos, também. Sartre dizia que parecia que a cada paragrafo do livro, era como se o mundo morresse e nascesse de novo. Puta sagacidade do Sartre, e isto descreve bem o personagem do livro - ele é aquele que não consegue encontrar uma narrativa em que possa acreditar, que conecte as coisas, alguém que vive senão por suas necessidades biológicas básicas. Comentário aqui. Primeiro parágrafo do livro:

Hoje, mamãe morreu. Ou talvez ontem, não sei bem. Recebi um telegrama do asilo: “Sua mãe faleceu. Enterro amanhã. Sentidos pêsames”. Isso não esclarece nada. Talvez tenha sido ontem.

Esse livro tem na coleção "Imortais da Literatura", que se encontra aí nos sebos por 5 reais, em média.

Minha Querida Sputnik, do Haruki Murakami. Grande livro, baseado levemente em "A Aventura" do Antonioni, sobre dois jovens à margem da sociedade e esses amores que são, assim, como um furacão. Outro puta livro do Murakami é o "Kafka À Beira-Mar". Tô para conhecer alguém que não tenha gostado do livro. 

Também tenho a impressão que gostará de "A Coleira do Cão", do Rubem Fonseca.

Para sua parte que gosta de filmes sobre assaltos, imagino que isto inclua mistérios em geral? O Longo Adeus do Raymond Chandler é um bom livro de um mistério, com um grande protagonista, o detetive Marlowe. Joe LaBrava, do Elmore Leonard, também é um bom livro neste estilo. Dois livros bem baratos de se comprar em selo, também.

[Rocky Joe]

Filmes recomendados:

A filmografia do Wong Kar Wai, basicamente. Diversos temas que você diz aí são típicos da sua obra. Eu diria para você ver primeiro "Anjos Caídos", mas não foi lançado aqui no Brasil. Amor à Flor da Pele, Amores Expressos e 2046 eu sei que foram, todos muito bons. Felizes Juntos também, se você não se importa com um romance gay. Crítica de Amores Expressos aqui.

Você provavelmente vai gostar de Waking Life, também.

<a href="http://www.youtube.com/v/TVoD9RfsQHg" target="_blank" class="new_win">http://www.youtube.com/v/TVoD9RfsQHg</a>

(Adoro a trilha sonora desse filme.) E Anti-Herói Americano:

<a href="http://www.youtube.com/v/APpxQm7sH5k" target="_blank" class="new_win">http://www.youtube.com/v/APpxQm7sH5k</a>

Crimes e Pecados, do Woody Allen. A Mulher na Praia, de Hong Sang Soo. Filmes dos irmãos Coen, também. 12 Homens e uma Sentença.

Mistério? Memórias de um Assassinato e Mother - A Busca pela Verdade, ambos do Bong Joon-ho. À Beira do Abismo, do Howard Hawks.

Para se divertir? Filmes do Tarantino?

Estou recomendando coisas demais, né? 

[Digão]

Opa, recomendações nunca são demais Valeu mesmo!!!

É difícil acertar na mosca quando se trata de um desconhecido, e é constrangedor se abrir assim num fórum de internet. Mas são coisas que eu estava querendo desabafar mesmo, e são convenientes para guiar melhor sugestões, inclusive porque o que tenho pego para ler/assistir não tem me inspirado ultimamente.

Algumas nuances: faz parte do medo da morte o drama da busca por uma saída que não existe, mas o que angustia no caso são as escolhas de vida já feitas, e suas consequências, ou melhor, a identificação tardia dessas consequências. Quando escolhi computação, não imaginava que a exigência de atualização constante fosse me pegar pelo pé, que eu iria me ver às voltas com uma profissão que dispensa facilmente os experientes em prol dos recém-formados, mal pagos e cheios de motivação, e que será pior ainda quando eu estiver mais velho. E quando eu falo em melindres, soa como alguém mimado, mas na verdade tem mais a ver com uma doença sabotadora que é o TOC, cuja característica mais sórdida é se disfarçar de faceta comportamental. Uma frase de Guimarães Rosa: "a história de um homem é bem dada no resumo de um só dia de sua vida". E meus últimos anos têm sido difíceis. Por esse lado, creio que estou num passo posterior ao que o trailer do Waking Life me sugeriu.

A solução de crimes não me atrai especialmente, mas um roubo bem bolado e bem-sucedido sim. É a catarse do cara que é honesto mas está se vendo num beco sem saída em termos de carreira.

Achei legal a resenha do Dia de Finados. O protagonista parece um morto que vive, e coleciona um mosaico de fotografias de cenas aleatórias de seu país ao estilo do que Adso faz no final d'O Nome da Rosa, tentando extrair algum significado de um mundo que não o possui. Porém eu vejo um sentido na vida, que é basicamente de passar os genes adiante, mesmo que não sejam os melhores do mundo, e fazer um melhor trabalho que meu pai, daí em diante é por conta dos meus filhos.

O comentário d'O Estrangeiro sugere um convite a viver sem as mentiras que a sociedade nos impõe, e suspeito que o final não será muito feliz.

[Rocky Joe]

Se fosse indicar um dos livros/filmes que indiquei que lhe inspirariam, diria Anti-Herói Americano. Os outros, eu não tenho muita certeza. No seu caso, se o você quer é recuperar o ânimo, talvez o melhor fosse tirar um final de semana, passear, passar um tempo sozinho. Bem, é uma situação que cada um tem seu jeito de lidar.

Se você gostasse de animes, eu recomendaria Tatami Galaxy. É justamente uma história de escolhas erradas, do protagonista tentando se achar - é composto de 13 episódios, e em cada episódio o protagonista volta no tempo e pode fazer outra escolha, já que a última foi uma droga.

O que você disse aqui é realmente angustiante:

Algumas nuances: faz parte do medo da morte o drama da busca por uma saída que não existe, mas o que angustia no caso são as escolhas de vida já feitas, e suas consequências, ou melhor, a identificação tardia dessas consequências.

Mas, é a vida, né? Você vive, aprende o que fazer e o o que não fazer, e aí você morre.

E quando eu falo em melindres, soa como alguém mimado, mas na verdade tem mais a ver com uma doença sabotadora que é o TOC, cuja característica mais sórdida é se disfarçar de faceta comportamental.

É, é verdade. A maior parte das pessoas pensam que TOC é apenas como nossos pequenos comportamentos irracionais, nossas idiossincrasias, como o fato da maior parte das pessoas gostar de pôr o volume da TV em número par ou múltiplo 5. Boa sorte aí.

[Digão]

Mas, é a vida, né? Você vive, aprende o que fazer e o o que não fazer, e aí você morre.

Ri muito dessa parte, um pouco de riso nervoso também, mas foi gratificante. Qualquer que seja a limitação pessoal, se você consegue se acomodar dentro desse quadrado e suportar viver nele, a vida vai muito bem, que o digam os deficientes físicos. Mas só vou me conformar quando acabarem as alternativas terapêuticas que se usam no TOC.

Vou conferir o Anti-Herói Americano. E gosto de animes, Tatami Galaxy parece interessante. Já sonhei com cômodos infinitos como no episódio 10.