(A seguir, um apanhado das ideias de um livro recomendável apenas para aqueles que não se incomodam com o risco de fazer projeções da ciência e da tecnologia de décadas do futuro.)
No futuro, seremos como os deuses mitológicos um dia adorados e temidos. Os computadores obedecerão aos comandos de nossos pensamentos e atenderão nossos desejos. Também poderemos usar o mesmo tipo de comando ao mover os objetos através de telecinese. Construiremos corpos impecáveis e estenderemos drasticamente o nosso tempo de vida. Construiremos engenhocas e outros objetos úteis quase a partir do nada. Nos transportes na Terra, viajaremos pelos céus através de veículos velozes quase sem combustível. Em viagens espaciais, “içaremos nossas velas” em direção às estrelas e as alcançaremos.
Tudo isso se assemelha a uma mágica que só parece plausível daqui a milhares de anos? Michio Kaku levanta a possibilidade de que todas essas coisas ocorram até daqui a aproximadamente um século.
À essa altura da leitura deste texto, o leitor já deve ter pensado: “Prever o futuro da tecnologia é muito arriscado”. Kaku concorda com a assertiva, mas faz duas observações importantes. Em primeiro lugar, alguns dos erros mais famosos de futurologia são aqueles que subestimaram o ritmo da evolução tecnológica. Segundo, muitos autores que nasceram antes do século XX, como Júlio Verne e Leonardo da Vinci, surpreendem as pessoas de hoje pela sua capacidade de acerto de previsões que parecem irreais até para os intelectuais da sua época. No caso de Júlio Verne, que jamais foi cientista, sabe-se qual era o seu “segredo”. Conversar com cientistas de diferentes áreas sobre as perspectivas dos progressos tecnológicos em seus campos de especialização. Foi justamente isso que fez Kaku na sua obra
A Física do Futuro, ao consultar várias dezenas de especialistas nas áreas de tecnologia de computadores, nanotecnologia, biotecnologia, telecomunicações, entre outras.
Por fim, lembro de Kaku fazer as principais ressalvas sobre possíveis alegações contrárias as suas previsões. Uma é que as projeções das invenções mencionadas são consistentes com as leis da física (como se sabe, consistência é um conceito diferente de necessidade ou suficiência). A outra é que a maioria das invenções projetadas já tem protótipos disponíveis ou os alicerces para a construção das mesmas já foram implantados.
Estes são os setores alvos das projeções: (1) Computadores; (2) Inteligência Artificial (IA); (3) Nanotecnologia; (4) Medicina; (5) Energia; (6) Viagens Espaciais; (7) Economia; (8) Tipos de Civilização. Vamos aos detalhes...
1. Computadores* Como atualmente um chip pode ser pequeno a ponto de ser colocado numa película de polímero de lentes de contato, o futuro nos reserva internet em lentes de contato e óculos. Isso já faz acontece nos protótipos que Kaku citou no livro. Ademais, há a aposta de que os cursores de nossos computadores serão movidos por comandos de pensamentos, também como nos protótipos que Kaku citou no seu livro. (Ademais, o iBrain também seria citado, caso não tivesse sido uma invenção apresentada depois da publicação do livro).
* A realidade virtual será ampliada com a tecnologia táctil. No futuro, poderemos passar as férias em Marte sem sair de casa.
* Óculos especiais fundirão o real e a realidade virtual, permitindo que certos detalhes dos objetos desapareçam, enquanto outros permanecem intactos. Isso ajudará vários profissionais. Por exemplo, operários de construções subterrâneas poderão utilizar os mesmos para enxergar como canos, fios e válvulas se conectam ao fazerem um reparo de rotina. Atualmente, óculos que fundem realidade virtual e o real já existem.
* Depois da televisão 3D, vem aí a TV holográfica, que permitirá que assistemos uma partida de futebol como se estivéssemos caminhando por dentro do campo.
* Pacientes com lesões na medula controlarão braços e pernas mecânicos. Tal como aconteceu no caso em que neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis implantou um chip no cérebro de um macaco e permitiu o controle do braço robótico por ondas cerebrais pelo animal.
* O aparelho de imagem de ressonância magnética funcional do futuro tirará fotos do pensamento visual e dos sonhos, tal como já acontece de forma rudimentar nos aparelhos mais modernos atuais. (Atualmente, já é possível criar uma imagem do que a mente está lembrando ou sonhando, embora essas não sejam consideradas exatamente “fotos”. Eletrodos miniaturizados captam as imagens cerebrais e as projetam numa grade, e depois essas imagens são decodificadas num computador).
* Teremos computadores que superarão a capacidade computacional do cérebro humano.
2. Inteligência artificial (IA)* Com o avanço da IA, haverá robôs por toda parte ocupando empregos de seres humanos, sobretudo aqueles em que as tarefas são simples e repetitivas (teremos cozinheiros-robôs, por exemplo). E as máquinas poderão ser incorporadas como partes do corpo de pessoas sadias, o que inaugurará a era dos cyborgs.
* Ainda assim, durante grande parte do século XXI, um computador não poderá substituir completamente um cérebro humano, principalmente no que diz respeito ao que Kaku chama de “reconhecimento de padrões” e “bom senso” (intuição?).
* Além da fusão com robôs, especialistas em robótica como Hans Moravec sugerem que poderíamos nos transformar nos próprios objetos que construímos. Faríamos isso ao submetermos a uma cirurgia que substituísse cada neurônio de nosso cérebro por um transistor dentro de um robô. Poderíamos fazer o download de nossa personalidade inteira num computador.
* Se a IA forte se desenvolver, que preocupações elas poderão gerar além de uma revolução dos robôs como a da Skynet de Exterminador do Futuro? Como evitar tais conflitos? Quatro observações interessantes foram feitas:
(a) Podemos colocar um chip no cérebro de cada robô para que ele desligue automaticamente ao apresentar o menor indício de intenção assassina ou agressiva. Ao menor comando de voz, um robô suspeito seria desligado...
(b) Ou podemos criar robôs especializados em reajustar robôs transviados ou ter especialistas humanos que façam isso (como no filme Blade Runner).
(c) Leis impostas de fora para dentro como as leis robóticas de Asimov talvez não funcionassem, pois isso na verdade poderia incentivar os robôs a desenvolver meios inteligentes de contornar as leis. Assim, não haveria nenhuma moralidade artificial suficiente para controlá-los e eles teriam sim liberdade para cometer agressões. Os robôs, apesar disso, poderiam ser programados desde o começo para ajudar humanos. O cenário mais provável é que iremos projetá-los, desde o princípio, apenas para fazer tarefas úteis e benevolentes.
(d) O problema em todos os casos é o fato que atualmente os maiores financiadores de IA são as Forças Armadas, que usam a robótica para caçar, rastrear e matar humanos.
* Teremos o carro sem motorista. Isso é o que já há no caso da corrida do DARPA Urban Challenge, um evento que busca incentivar o desenvolvimento de veículos autônomos para uso em operações no ambiente urbano. Um dos ralis conseguiu simular bem o trânsito urbano de uma cidade para testar a habilidade dos veículos autônomos.
* Exploraremos supercondutores para produzir telecinese através do magnetismo. O primeiro princípio que permitirá futuramente isso é que em todas as coisas poderão ser implantadas um chip, o que as tornam inteligentes. O segundo princípio é que essas coisas terão um pequeno supercondutor que provocará explosões magnéticas que moverão o objeto de um lado para o outro.
3. Nanotecnologia * O uso de nanopartículas será um exemplo do papel crucial da nanotecnologia no avanço da medicina do século XXI. Os protótipos desta tecnologia já foram apresentados. Num dos casos, essas nanopartículas podem absorver luz em determinada frequência. Focalizando-se nelas um raio laser, elas se aquecem, ou vibram, destruindo células cancerosas nas suas vizinhanças ao romperem suas paredes.
* Usando a mesma tecnologia de gravação usadas nos chips de computador, será possível gravar um chip no qual existam áreas microscópicas que detectam sequências específicas de DNA ou células cancerosas. Utilizar nanosensores no corpo para detectar doenças, como o câncer, antes que elas venham causar males será uma grande revolução na medicina.
* Um passo adiante da nanopartícula é o nanocarro, que é um dispositivo que pode ser guiado em suas viagens dentro do corpo. A vantagem é que eles serão como aqueles aviõezinhos controlados por controle remoto que podem ser amplamente comandados e pilotados. Ademais, um carro molecular poderá empurrar um minúsculo robô que ataca as células cancerosas e entrega drogas salva-vidas até locais precisos do corpo.
* Cientistas da Intel acreditam no avanço substancial da tecnologia de materiais programáveis chamados catoms. Segundo eles, a tecnologia avançará ao ponto de tornar realidade a completa mudança da forma de objetos, tal como acontece no andróide assassino T-1000 de Exterminador do Futuro 2. Guardar celulares em bolsos apertados será mais fácil no futuro...
* Um projeto ainda mais ambicioso será a construção de um montador molecular ou um replicador. Poderemos construir objetos a partir de outros quase a partir de nada, ou melhor, a partir de um conjunto de materiais brutos que seriam transformados no momento do aperto do botão de um replicador. Trilhões e trilhões de nanorobôs convergiriam esses materiais brutos, cada um deles programados para desmontá-los, e em seguida remontá-los em um produto totalmente novo. Assim, poderíamos fabricar qualquer coisa. Talvez prédios ou cidades inteiras fossem construídos assim. Um replicador seria a maior invenção de engenharia da história da humanidade, mas Kaku não dá como certo que ele será inventado até 2100 (ou talvez até o fim da existência humana)
4. Medicina* Os custos do mapeamento do genoma continuarão a cair ininterruptamente. Consequentemente, um número grande de pessoas comuns terá seu genoma gravado em um CD-ROM, tendo acesso aos seus segredos genéticos. Isso permitirá tratar com antecedência de males hereditários, tais como certos tipos de câncer.
* Com a biotecnologia da engenharia genética e o conhecimento completo do genoma, poderemos por nosso conhecimento até para curar casos como a depressão crônica e usar a bioquímica mais adequada para sermos mais felizes.
* Poderemos aumentar nossa inteligência adicionando uma camada extra de neurônios.
* Em resumo, poderemos reconstruir nossos rostos e nossos corpos, tal como na história de A Bela e a Fera. Também retardaremos drasticamente nosso envelhecimento, talvez fazendo setentões parecerem pessoas de vinte e poucos anos.
* Desenvolveremos novos órgãos para substituir os que se danificam e adoecem, usando engenharia de tecidos e células-tronco.
* Injetaremos coquetel de proteínas e enzimas para ajudar nos mecanismos de reparo de células, regular o metabolismo, acertar o relógio biológico e reduzir a oxidação.
* Também é bom mencionar o papel da futura "terapia genética", que será usada para alterar genes que retardam o processo de envelhecimento.
* Pessoas comuns usarão consultas de um médico virtual, fazendo isso no seu próprio banheiro, que estará mais equipado que um hospital moderno. (Atualmente já existem programas de inteligência artificial que fazem diagnósticos de patologias com relativa eficácia).
* Poderíamos usar a fusão de células e silício não apenas para curar-nos dos males, mas para criar capacidades extra-humanas. Ouviríamos sons que só os cães ouviriam, e viríamos raios X, radiação UV e infravermelha.
5. Energia* Não há nada nas leis da física que nos impeça coletar energia diretamente do Sol. O ministério do comércio da Japão já iniciou um plano para testar a exequibilidade de um sistema de energia espacial por satélite. Tal sistema poderá se tornar realidade até 2100.
* O povo do século XXI verá a chegada da era do magnetismo na energia. Ela terá um papel especialmente útil no nosso sistema de transportes. Atualmente, grande parte da energia de nossos veículos é consumida para vencer o atrito. Todavia, supercondutores à temperatura ambiente poderiam produzir superímãs capazes de erguer carros e trens, e fazê-los pairar sobre o ar. Com os pavimentos de supercondutores, teríamos carros e trens voadores que flutuariam pelos céus gastando pouquíssima energia, tendo apenas a resistência do ar para ser vencida.
6. Viagens espaciais* Nossos telescópios detectarão planetas extrassolares do tamanho da Terra, inclusive buscando aqueles que têm água líquida. Teremos um catálogo enorme de “outras Terras”, o que preparará a base para a exploração interestelar.
* Enviaremos uma sonda para o interior do oceano líquido de Europa (lua de Júpiter) que fica a 10 km sob a sua capa de gelo. Faremos isso investigando a possibilidade de vida nesse satélite jupiteriano.
* Poderemos terraformar Marte, elevando a temperatura do planeta injetando metano ou outros gases estufa na atmosfera do Planeta Vermelho e acelerando o processo com a introdução de algas terrestres. Dentre as possibilidades sondadas para dar início ao processo está o desvio de um cometa que possa gerar um grande impacto no Planeta Vermelho.
* Até 2100, teremos dado os primeiros passos para a exploração das viagens interestelares. Há várias formas de propulsão de naves que poderão ajudar o alcance de velocidades próximas a da luz. Fusão ramjet, foguete nuclear e foguete de antimatéria estão entre os candidatos. No caso do último, por exemplo, estima-se que cerca de uma centena de gramas de antimatéria nos levariam até as estrelas mais próximas.
* Ademais, lançaremos sondas que incorporam os benefícios da nanotecnologia. Poderemos economizar combustível lançando minúsculas nanonaves. Essas poderiam ser impulsionadas pelo campo magnético de Júpiter ou ser lançadas por aceleradores de partícula daqui da Terra.
* Poderemos reduzir drasticamente o custo das viagens espaciais construindo elevadores especiais de 36.000 km de altura com a ajuda de nanotubos de carbono.
* Se o Seti sobreviver, seguirá avançando com os radiotelescópios que vasculharão um número de estrelas na magnitude dos milhões. Também seguirão as buscas pelas famosas “esferas de Dyson” (
http://pt.wikipedia.org/wiki/Esfera_de_Dyson). Kaku dá um palpite que encontramos evidência de uma civilização inteligente até 2100.
7. Economia* Devido ao avanço da IA e da robótica, as tarefas de emprego do século XXI que sobreviverão serão aquelas que as máquinas ainda não poderão fazer, principalmente no que diz respeito ao de “reconhecimento de padrões” e “bom senso”.
* Para quem trabalha de macacão (operários), aqueles que fazem trabalhos puramente repetitivos perderão seus empregos, tal como os operários que trabalham na montagem de automóveis.
* Surpreendentemente, catadores de lixo, policiais, trabalhadores da construção, encanadores e jardineiros manterão seus empregos.
* Dos que trabalham nos escritórios perderão aqueles envolvidos em trabalhos de intermediários, fazendo inventários e “contando feijões”. Agentes de nível inferior como corretores, caixas, contadores, etc. verão seus postos de trabalho sumirem. Mesmo atualmente, um cliente pode pesquisar o preço da passagens aérea pela internet e comprá-las, passando por cima do agente de viagens.
* Os grandes vencedores serão aqueles que têm empregos ligados à criatividade, ciência, inovação, liderança, análise e arte-final.
* Em 2100, o capitalismo intelectual reinará absoluto na Terra. No capitalismo intelectual, o conhecimento e as habilidades serão as únicas vantagens comparativas das nações. Isso deixará o capitalismo de commodities obsoleto. Não só o preço de muitos dos recursos naturais baixaram nas últimas décadas, como os países que tem indústria e pauta exportadora baseada em amplo conteúdo inovativo-tecnológico foram os que mais se desenvolveram nas últimas décadas. Não há expectativas que esse cenário mude.
8. Tipos de Civilização* Até 2100, teremos consolidado a chegada ao Tipo I de civilização da escala de Kardashev (
http://pt.wikipedia.org/wiki/Escala_de_Kardashev). Depois de ter alcançado o poder dos deuses mitológicos com a ciência e tecnologia de 2100, a humanidade seguirá sua jornada obtendo controles cada vez maiores sobre a natureza. Apesar disso, trata-se de uma transição muito perigosa e nada garante que não nos extinguemos.
* Na escala II de Kardashev, seríamos imortais. Desviaríamos meteoros e cometas que ameaçassem se chocar com a Terra e reverteríamos as eras glaciais. Poderíamos afastar o nosso planeta do Sol caso esse ameaçasse virar uma supernova ou exploraríamos os sistemas estelares a centenas de anos-luz, caso não fosse possível desviar a órbita da Terra. Assim, nenhum fenômeno natural poderia extinguir a nossa civilização (nota minha: a exceção talvez fosse um possível ataque belicista de uma civilização mais avançada). Alcançar esse estágio demorará milhares de anos, estima Kaku.
* Na escala III de Kardashev, estaríamos tão avançados em tecnologia que sondaríamos a energia de Planck, uma magnitude de energia tão grande que é capaz de rasgar o tecido do espaço-tempo. Isso permitiria explorar túneis interdimensionais, como as pontes de Einstein-Rosen (se essas existirem). Nessa fase, já teríamos explorado a galáxia inteira com a ajuda de sondas de Von Neumann replicáveis. (nota minha: aqui, eu acredito que Kaku se esqueceu de mencionar que talvez estaríamos prontos para fazer viagens no tempo).