Autor Tópico: Novos Pergaminhos do Mar Morto  (Lida 805 vezes)

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Novos Pergaminhos do Mar Morto
« Online: 09 de Agosto de 2012, 13:42:27 »
08/08/2012 - 03h30
Novos pergaminhos do mar Morto

DE SÃO PAULO

Memorando 173, Setor de Design. Ref. reprod. aviária.
Gabriel, me diz uma coisa, com sinceridade: você manuseou o ovo? Apertou? Diz se isso é trabalho que se apresente?! Aquilo não resiste a um espirro!

De fato, como você mencionou nas explicações anexas, o ovo é muito bonito, é harmônico, dá uma sensação de pureza que se coaduna com o ato da reprodução: mas quantas vezes eu terei que explicar que design não é fricote, é função?! Se dependesse de vocês, tigre ia ter cauda de pavão! Diga pros seus designers e outros querubins envolvidos no projeto que eu não criei a beleza para mascarar defeitos de estrutura! Ou vocês me trazem um ovo mais resistente até o quinto dia ou, em represália, reduzirei para 7 as 27 cores de vosso tão amado arco-íris.

Memorando 178, Setor de Design. Ref. mexerica.
De duas, uma: ou a casca da mexerica -bela evolução em relação à laranja- foi desenvolvida por uma equipe de designers e os gomos, por outra, ou seus talentosos e desleixados querubins deixaram os gomos por último e, às pressas, ignoraram aqueles irritantes fiapinhos brancos. Repensem. Se eu fizer o homem à minha imagem e semelhança, como estou pensando, ele vai ficar bastante descontente em gastar parte da existência desnudando a fruta dessa infame e pegajosa teia.

Memorando 235, Setor Táctil. Ref. sens. gelo.
Preguiça, preguiça, preguiça, Rafael! Quando eu acabar a criação, vou fazer uma lista dos sete piores pecados e botar a preguiça entre eles. Pois veja só: eu crio o gelo, que é em tudo oposto ao fogo: um é frio, outro quente, um concentra moléculas, outro as espalha, um conserva, outro destrói. Aí, peço a vocês para me dizerem qual a sensação que o gelo traz à pele e me dizem que ele queima, como o fogo?! Balela esse papo de reversão de expectativa -aliás, vou parar de ler essas explicações anexas, cheias de desculpas disfarçadas de proposta. Pensem numa sensação original e crível. Lembrem-se de que a criação tem que ser lógica, para que a lógica última resida em mim, e mais não direi, pois você -espero- deve ter lido os manuais.

Memorando 53. Setor de cavalgaduras. Ref. unicórnio.
Nem pensar. De cavalo estranho, já me basta a zebra.

Memorando 675. Ref. Ap. genit/ap. excret.
Uriel, diz uma coisa: eu pus o céu ao lado do inferno? Não. Sabe o significado de "antípoda"? Pois procure no dicionário. O peixe está no fundo dos rios, as aves, no firmamento. O sol a brilhar de dia, a lua a governar a noite. Então me diz, Uriel, como o aparelho reprodutivo de todo mamífero, toda ave, todo peixe e todo réptil tá colado no aparelho excretor?! Tá certo que pretendemos botar limites à libertinagem, mas não é espalhando excrementos na porta dos templos que impediremos a entrada dos infiéis. Repense.

Memorando 709. Ref. Cons. finais.
Dona Eulália, favor encaminhar um pote de ambrosia para cada querubim envolvido no projeto da banana, do seio e das bromélias. Demita imediatamente todos os responsáveis pelo gambá.

Sem mais, Deus.




Antonio Prata

Antonio Prata é escritor. Publicou livros de contos e crônicas, entre eles "Meio Intelectual, Meio de Esquerda" (editora 34). Escreve às quartas na versão impressa de "Cotidiano".

    antonioprata.folha@uol.com.br

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/antonioprata/1133580-novos-pergaminhos-do-mar-morto.shtml
"A idade não diminui a decepção que a gente sente quando o sorvete cai da casquinha"  - anonimo

"Eu não tenho medo de morrer, só não quero estar lá quando isso acontecer"  - Wood Allen

    “O escopo da ciência é limitado? Sim, sem dúvida: limitado a tratar daquilo que existe, não daquilo que gostaríamos que existisse.” - André Cancian

 

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