Novidades
Quinta-feira, 25 de agosto de 2005
Burocracia deixou casarões históricos do Lourdes desprotegidos
08:30
Conselho do Patrimônio, paralisado desde o início do ano, só agora tomba imóveis que já estão demolidos(Fábio Fabrini/Estado de Minas)
(Landercy Hemerson/Estado de Minas)
A agressão a casarões antigos de Belo Horizonte está vinculada ao descaso com a política de preservação do patrimônio histórico. De janeiro a junho deste ano, o Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município não funcionou devido à lentidão na reforma administrativa da prefeitura. A paralisação das atividades fez com que pelo menos dois tombamentos deixassem de ser votados, por mês, na capital. Ontem, na segunda reunião do conselho neste ano, sete imóveis no bairro de Lourdes, região Centro-Sul, foram tombados, três dos quais já demolidos, além de outro também derrubado, que foi incluído na área de proteção patrimonial. A demolição foi feita pela Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), representada no encontro pelo advogado Marcelus Martins, que não contestou as acusações.
Agora tombados, o conselho constituiu uma comissão para analisar o dano causado pela ação da igreja nos imóv eis derrubados. Os quatro integrantes da comissão, segundo informou a gerente do Patrimônio Histórico Municipal, Michele Arroyo, terão prazo até o dia 31 para apresentar conclusão dos estudos, em nova reunião que vai definir as medidas compensatórias. A igreja, que já responde administrativamente pela demolição, poderá também sofrer uma ação criminal, já que o promotor de Defesa do Patrimônio e Meio Ambiente, Fernando Galvão, requisitou cópias das apurações à Procuradoria do Município.
A decisão de tombar os imóveis na quadra em que fica a sede da Igreja Universal veio com certo atraso, já que o julgamento estava previsto para janeiro deste ano. O conselho deliberativo deveria se reunir mensalmente para decidir sobre o grau de proteção atribuído a edificações de valor histórico. Contudo, no início do ano, a prefeitura determinou mudanças na composição do grupo. O primeiro encontro entre os representantes só ocorreu em 15 de junho, após uma lenta reformulação. A exoneração do presidente da Fundação Municipal de Cultura (FMC), Rodrigo Barroso Fernandes, no mês seguinte, devido às denúncias que o ligam ao suposto esquema do mensalão, atrasou ainda mais as discussões. Somente este mês, os especialistas voltaram efetivamente ao trabalho, com a ascensão da professora universitária Maria Antonieta Cunha à presidência.
Ontem, 15 integrantes do conselho fizeram reunião extraordinária para definir a punição aplicada à Igreja Universal pela destruição das casas, que são vizinhas à Catedral da Fé, que fica na avenida Olegário Maciel, em Lourdes. A igreja pretende construir, na área, um estacionamento para o megatemplo. Os representantes também votaram favoravelmente ao tombamento de três dos quatro imóveis demolidos, e de outros quatro casarões que ocupam o mesmo quarteirão, dois deles já comprados pela Iurd.
ArgumentoA ausência do título de patrimônio histórico é o argumento que os defensores da igreja têm para a derrubada das casas, construídas nos primeiros 50 anos de vida da capital, com a retirada do entulho para a construção do estacionamento. Apesar de notificada sobre o andamento do processo em 31 de dezembro, a instituição religiosa argumenta que, como os imóveis não tinham sido tombados oficialmente, nada impedia que fossem colocados abaixo.
“Obviamente, não somos culpados pelo que ocorreu com os casarões. Mas o atraso enfraquece a nossa posição perante as pessoas”, admite a gerente do Patrimônio Histórico Municipal, Michele Arroyo, dizendo que a oposição dos proprietários dificulta a preservação de verdadeiras obras-primas da arquitetura de BH: “Em geral, nossos imóveis históricos estão em áreas muito valorizadas, no perímetro da avenida do Contorno. O interesse econômico acaba estimulando resistências”.
A fragilidade da Lei Municipal 3.802, que estabelece os mecanismos de punição aos infratores, também tira a credibilidade da política de proteção ao patrimônio. De acordo com Michele, a legislação determina o pagamento de multa correspondente a 50% do valor do bem demolido irregularmente. Porém, até hoje nenhum proprietário foi obrigado a desembolsar o montante em dinheiro. “É quase impossível fazer a avaliação de um bem histórico. Por isso, temos optado por firmar acordos, intermediados pelo Ministério Público Estadual, que obrigam os donos a construir benefícios em favor da população”, explica Michele. “Caso contrário, entramos com ação judicial na Justiça”, esclarece.
A legislação ainda prevê multas de cerca R$ 11 mil, por imóvel, quando a demolição é feita sem alvará. Para o vereador Arnaldo Godoy (PT), membro do conselho deliberativo desde 1994, o valor é baixo para intimidar grandes grupos, interessados em construir nas áreas de preservação. Ele defende mudanças na lei, para aumentar o valor das sanções e proibir o uso futuro das áreas de demolição pelos infratores. “Pelo sistema em vigor, após o acerto de contas com o Poder Público, nada impede que o terreno seja usado para a construção do empreendimento pelos responsáveis pela destruição. É como se fosse um prêmio dado a quem violenta o patrimônio”, classifica.
Os quatro casarões, construídos em 1946, retratavam o início da ocupação de Lourdes. Os dossiês de tombamento, elaborados por técnicos da prefeitura, mostram a influência tímida de elementos modernistas na arquitetura neoclássica. “Internamente, os imóveis conservavam materiais de revestimento nobres nas paredes e no piso, como o mármore cipolino, peroba do campo, jacarandá e ébano”, explica o arquiteto Carlos Henrique Bicalho, da gerência de patrimônio. “A demolição foi feita com tudo dentro “, lamentou.
Fonte:
http://www.uai.com.br/uai/noticias/agora/local/184879.html