Autor Tópico: Os Dalai Lama e a personalidade como constructo social  (Lida 871 vezes)

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Offline AleYsatis

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Os Dalai Lama e a personalidade como constructo social
« Online: 04 de Janeiro de 2013, 04:17:22 »
Estava lendo um livro aqui do Dalai Lama, dos quais gosto bem e uma questão me surgiu para além de questões religiosas, vou tentar colocar aqui...

A questão é sobre as discussões de se os indivíduos são determinados em suas vidas por questões sociais ou por questões biológicas, hormonais, genéticas e etc... Obviamente que não podemos, penso eu, negar as influencias de nenhum dos dois lados. Em ultima análise devemos ser resultados de uma complicada equação entre todas essas variáveis. Mas qual será que pesa mais na construção da personalidade, dos desejos, das identidades das pessoas?

Muitas pessoas dizem, por exemplo, que a violência é fruto de uma modelo social de desigualdade de falta de perspectivas e de exemplos que muitas pessoas vão recebendo de seu meio social, em sua formação e que vai moldando e praticamente determinando aquilo que poderão ou não ser futuramente. Outros acham que visão seria muito forçada e que os indivíduos teriam um maior grau de liberdade para serem algo para além daquilo que seu meio e sua formação lhe ensina como caminho possível e lhe dá como modelo.

Pois bem, ai entra os Dalai Lamas, estava pensando aqui comigo. A linhagem dos Dalai Lama se inicia com Gedun Truppa no seculo 14, e de lá para cá 14 Dalai Lamas já assumiram esse posto. O interessante é que contrariamente ao catolicismo onde os seus lideres são escolhidos já velhos, Os Dalai Lama são escolhidos quando nascem. Segundo suas crenças, esses sendo seres evoluídos e que optam por reencarnar precisam apenas serem encontrados pelos lideres religiosos assim que o antigo Dalai Lama morre, então nesta busca eles acabam por encontrar esta criança que possui determinadas marcas que eles identificam como as marcas de um Dalai Lama.

Se nós aqui somos céticos e não podemos aceitar essa visão reencarnacionista, então o que faz com todas essas crianças escolhidas se tornem Dalai Lama? Como nenhuma delas rejeita esse titulo depois de grande? Como nenhuma delas, como é completamente natural ocorrer em qualquer criação, não nega essa religião um dia para virar ateu, ou cristão, ou ao menos questionar seu papel de líder espiritual? Vocês concordam comigo e quem tem filho concordará ainda mais que é muito difícil de seu filho se tornar exatamente o que você quer para ele. Muitos de nós fomos criados em uma religião que passamos a negar depois, e em todas as outras coisas que recebemos de nossos pais muitas das suas ideias nós vamos abandonando e pensando até o oposto...

Como todas essas crianças escolhidas e criadas como Dalai Lama aceitam esse titulo e sempre permanecem com as mesmas características de personalidade compatível com o que o Budismo prega? Se não são predestinados devemos assumir que não SÃO Dalai Lamas, mas que SÃO FEITOS Dalai Lamas pela educação que recebem...

Será então que um bandido realmente é completamente culpado pelo que se tornou? Será que seu caráter é completamente seu, ou é um caráter criado por seu meio? E se nossa sociedade, hipoteticamente, tratasse todos como seres iluminados reencarnados e nos ensinassem isso desde sempre, não seriamos, ao menos a grande maioria de nós, pessoas boas e pacificas? Se funciona com eles, porque não funcionaria com qualquer um de nós que fosse criado no lugar de um Dalai Lama? É a criação que os faz o que são? Eles realmente são seres reencarnados e predeterminados? Como os explicar?

Enfim, o que acham...
« Última modificação: 04 de Janeiro de 2013, 04:22:36 por AleYsatis »
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Offline uiliníli

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Re:Os Dalai Lama e a personalidade como constructo social
« Resposta #1 Online: 04 de Janeiro de 2013, 15:53:47 »
Muito interessante essa sua reflexão, mas acho que cabe a ressalva de que a gente não sabe realmente como foi a adolescência do Dalai Lama, não sabemos como e se ele se rebelou e nem como ele foi punido por isso. Talvez ele não fosse tão livre assim, só o que ouvimos é a história que ele conta já adulto e conformado. E provavelmente ele também sente raiva, inveja e ansiedade de vez em quando, ainda que ele saiba controlar seus sentimentos melhor do que outras pessoas, mas de qualquer forma, toda informação que recebemos sobre ele é rigidamente controlada.

Curiosamente o próprio budismo começou com uma história de rebeldia quando o príncipe Siddharta Gautama, criado com luxo e afastado das misérias do mundo, saiu para um passeio e viu na rua um mendigo, um doente, um corpo em decomposição e um aceta. Talvez se o próprio Gautama tivesse reencarnado e fosse escolhido para ser o Dalai Lama ele abandonaria tudo e sairia andando pelo mundo :)

Offline AleYsatis

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Re:Os Dalai Lama e a personalidade como constructo social
« Resposta #2 Online: 05 de Janeiro de 2013, 00:54:34 »
É você está certo, realmente não sabemos como foi essa criação dele, mas é justamente isso que estou querendo trazer de argumentação, seja qual for a criação desses dalai Lama, não podemos nos esquecer que são 14, sem contar todos os outros monges e lamas que são tidos como reencarnações e encontrados em tenra infância, como Lama Michel Rinpoche, por exemplo, e todos eles se tornam o que são criados para ser. Esse é o ponto importante. Então se não cremos nessa balela de reencarnação devemos assumir que a grande maioria de nós que recebesse essas mesmas criações, sejam duras e impositivas ou não, nos tornaríamos monges... Então, para minha argumentação não importa muito pensar se eles todos, tem, ou tiveram dúvidas e como foi essa criação, se foi abusiva ou não, enfim, o que importa é que funciona, então onde ficam os argumentos de que não é a sociedade e a criação que nos determina em todo? E se é criação que nos determina, como pensar o caso da criminalidade em nossa sociedade? Onde estão as tais influencias hormonais, genéticas e biológicas ai? Se influenciam um pouco, parece que não é suficiente para subjugar uma educação, e é essa quem realmente nos faz ser quem somos? Ou não, quem discorda vê como esse exemplo que trago dos Dalai Lama? Não importa quão dura é sua educação e se hipoteticamente são mega coagidos, porque muita gente em suas educações também são, quantas pessoas não são coagidas uma vida toda a serem cristãs, até apanham de seus pais e tal...

Mas poderíamos ampliar o debate tendo como base isso que esse exemplo parece nos mostrar, ou seja, que somos determinados pela sociedade e pela educação que recebemos. Se isso for verdade, então os argumentos de um Foucault são muito precisos. Ele vai dizer que nossa sociedade erigida sobre o sistema da exclusão e da dominação é quem cria os grupos excluídos para puni-los... Nós criamos a diferença, criamos os grupos dominadores e dominados e criamos todo um sistema moral para justificar os dominadores e justificar a reclusão, o extermínio e a separação do grupo que colocamos como dominados...

Vamos ver exemplos concretos, o que é um policial em nossa sociedade? É um cachorrinho do estado, um capitão do mato moderno. Os capitães do mato eram negros que caçavam outros negros para manter a ordem dos senhores e manter o poder de uma elite dominante do qual não faziam parte. O mesmo é um policial, por exemplo, é um pobre, um excluído que passa a vida caçando aqueles que atacam os senhores e seus bens, mas ele mesmo não faz parte desta elite que protege. E porque protege? Porque esta elite vende sua ideologia e obriga a todos a aceitar pela normatização dos seus discursos o poder que eles tem como algo natural e inviolável... Enfim, o sistema cria a diferença, cria o rico e o pobre e junto cria um discurso de empoderamento que normatiza essa dominação a tal ponto de que os próprios explorados os veem como se esses senhores estivessem em seus lugares de direito.

A ideologia sempre cria um grupo de privilegiados e junto dele um discurso de validação desse grupo... A lógica da punição, segundo Foucault, não passa então de uma ferramenta de controle pelo medo, para manter na população excluída e explorada essa noção de que essas diferenças sociais são naturais e de que boa ou não, não podemos tentar mudar a força. Se alguém deseja mudar sua situação de submissão vai precisar entrar no jogo criado e mantido pelos dominadores, passando a dominar e subjugar outros se assim conseguirem ascensão social. Ou seja, nossa sociedade até permite certa mobilidade social, desde que esta não pretenda quebrar com as próprias estruturas de dominação que impõe a alguns outros... Aqueles que não contentes neste sistema que criamos, e que agirem contra ele, conscientes ou inconscientes do que fazem, não importa, esses serão exemplarmente punidos para mostrar aos demais que a ordem de dominação vigente vai continuar gostem ou não...

Enfim, esse post é mais para debater com aqueles que criticam tanto Foucault, como alguns já citaram ele dizendo que ele está errado... Então, para esses, como argumentariam contra essa aparente prova de que somos determinados em ultima instancia pela educação e pela cultura? E se aceitarem que somos em grande parte fruto de uma educação, então não somos nós mesmo, enquanto cultura que estamos criando os bandidos que punimos com tanto gozo??
« Última modificação: 05 de Janeiro de 2013, 00:59:46 por AleYsatis »
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Offline AleYsatis

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Re:Os Dalai Lama e a personalidade como constructo social
« Resposta #3 Online: 05 de Janeiro de 2013, 01:32:14 »
Vejam que interessante, se nós somos determinados por nossa criação então um bandido só existe porque vive numa sociedade que tem como lógica a exclusão, que criou toda uma cultura de violência pela exclusão, desigualdade e abandono de alguns grupos... Então isto que nós mesmos criamos e ajudamos a manter um dia volta até nós em forma de violência e nós amestradinhos que estamos, fazendo ou não parte do grupo social dominante acreditamos que o abandido é um monstro apenas, totalmente responsável pelo que fez que merece pagar por isso, e somente ele, como se o que ele se tornou não fosse resultado do que nossa cultura o possibilitou ser...

Ai nós vemos uma coisa linda dessas:

Muro das Jubilações - Os modernos capitães do mato?

Nos regozijamos porque um bandido foi pego e será punido, mas pouco nos importa, a nós que não somos afeitos a procurar entender as causas das coisas, saber o que cria e possibilita e existência dessas pessoas e dessas violências na sociedade... Não queremos saber de resolver as causas, porque resolver as causas seria acabar com as grandes disparidades entre o grupo dominante e o dominado, e quem está criando as regras e os valares são os dominantes que não querem perder o poder, então vão disseminando esta lógica da punição pela punição, da punição como mero castigo a alguém que infringiu uma regra que criamos e foi contra a dominação que impomos...

Interessante que aposto que a maioria que acha esse tipo de espetáculo da punição publica a coisa mais linda, não fazem parte dos grupos dominantes das sociedade...
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Offline Barata Tenno

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Re:Os Dalai Lama e a personalidade como constructo social
« Resposta #4 Online: 05 de Janeiro de 2013, 13:51:54 »
Vejam que interessante, se nós somos determinados por nossa criação então um bandido só existe porque vive numa sociedade que tem como lógica a exclusão, que criou toda uma cultura de violência pela exclusão, desigualdade e abandono de alguns grupos... Então isto que nós mesmos criamos e ajudamos a manter um dia volta até nós em forma de violência e nós amestradinhos que estamos, fazendo ou não parte do grupo social dominante acreditamos que o abandido é um monstro apenas, totalmente responsável pelo que fez que merece pagar por isso, e somente ele, como se o que ele se tornou não fosse resultado do que nossa cultura o possibilitou ser...

Ai nós vemos uma coisa linda dessas:

Muro das Jubilações - Os modernos capitães do mato?

Nos regozijamos porque um bandido foi pego e será punido, mas pouco nos importa, a nós que não somos afeitos a procurar entender as causas das coisas, saber o que cria e possibilita e existência dessas pessoas e dessas violências na sociedade... Não queremos saber de resolver as causas, porque resolver as causas seria acabar com as grandes disparidades entre o grupo dominante e o dominado, e quem está criando as regras e os valares são os dominantes que não querem perder o poder, então vão disseminando esta lógica da punição pela punição, da punição como mero castigo a alguém que infringiu uma regra que criamos e foi contra a dominação que impomos...

Interessante que aposto que a maioria que acha esse tipo de espetáculo da punição publica a coisa mais linda, não fazem parte dos grupos dominantes das sociedade...

E os trocentos irmão e irmãs de bandidos que não viraram bandidos? Criados no mesmo local, com a mesma influencia, imersos na mesma cultura e tomaram rumos diferentes na vida. Ou sociedades bem igualitárias onde existem os desajustados, violentos e criminosos.
He who fights with monsters should look to it that he himself does not become a monster. And when you gaze long into an abyss the abyss also gazes into you. Friedrich Nietzsche

Offline João da Ega

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Re:Os Dalai Lama e a personalidade como constructo social
« Resposta #5 Online: 08 de Janeiro de 2013, 14:59:04 »
Vejam que interessante, se nós somos determinados por nossa criação então um bandido só existe porque vive numa sociedade que tem como lógica a exclusão, que criou toda uma cultura de violência pela exclusão, desigualdade e abandono de alguns grupos... Então isto que nós mesmos criamos e ajudamos a manter um dia volta até nós em forma de violência e nós amestradinhos que estamos, fazendo ou não parte do grupo social dominante acreditamos que o abandido é um monstro apenas, totalmente responsável pelo que fez que merece pagar por isso, e somente ele, como se o que ele se tornou não fosse resultado do que nossa cultura o possibilitou ser...

Ai nós vemos uma coisa linda dessas:

Muro das Jubilações - Os modernos capitães do mato?

Nos regozijamos porque um bandido foi pego e será punido, mas pouco nos importa, a nós que não somos afeitos a procurar entender as causas das coisas, saber o que cria e possibilita e existência dessas pessoas e dessas violências na sociedade... Não queremos saber de resolver as causas, porque resolver as causas seria acabar com as grandes disparidades entre o grupo dominante e o dominado, e quem está criando as regras e os valares são os dominantes que não querem perder o poder, então vão disseminando esta lógica da punição pela punição, da punição como mero castigo a alguém que infringiu uma regra que criamos e foi contra a dominação que impomos...

Interessante que aposto que a maioria que acha esse tipo de espetáculo da punição publica a coisa mais linda, não fazem parte dos grupos dominantes das sociedade...

E os trocentos irmão e irmãs de bandidos que não viraram bandidos? Criados no mesmo local, com a mesma influencia, imersos na mesma cultura e tomaram rumos diferentes na vida. Ou sociedades bem igualitárias onde existem os desajustados, violentos e criminosos.

Tenno,
Você está argumentando que o ambiente em que se é criado não tem influência sobre os níveis de criminalidade/violência porque nem todos (por exemplo irmãos/irmãs de bandidos) viram bandidos?
Será que é irrelevante nascer em uma família "ajustada", que tenta ensimar valores morais, que dá educação, comida, carinho, etc ou ser criança filha de de mãe adolescente, que foge de casa porque o padrastro a espanca, que vai viver na rua convivendo com drogados, sendo maltratada etc e tal?

Não estou defendendo que não haja punição porque a culpa é somente da exclusão etc e tal. Na verdade, defendo o contrário, que seja punido, e idealmente que a pena tivesse caráter também educativo e de reintegração na sociedade.

E sobre as postagens no link dos "modernos capitães-do-mato" - não, não queria viver sem polícia. A PM aqui do Ceará entrou em greve em 2011 por uns poucos dias. Resultado:
Citar
Saques, arrastões, assaltos e estabelecimentos comerciais depredados. Este é o saldo após seis dias de greve da Polícia Militar e Bombeiros no Estado do Ceará, que está em situação de emergência desde o dia 31 de dezembro de 2011. Em Fortaleza, o clima ficou tenso na manhã desta terça-feira (3), quando dezenas de motociclistas armados foram às ruas do centro da cidade para assaltar lojas e supermercados. Com medo, a maioria dos comerciantes fechou as portas e dispensou os empregados.
http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2012/01/03/com-greve-da-pm-violencia-aumenta-e-fortaleza-tem-arrastoes.htm
« Última modificação: 08 de Janeiro de 2013, 15:20:13 por João da Ega »
"Nunca devemos admitir como causa daquilo que não compreendemos algo que entendemos menos ainda." Marquês de Sade

Offline Buckaroo Banzai

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Re:Os Dalai Lama e a personalidade como constructo social
« Resposta #6 Online: 08 de Janeiro de 2013, 15:59:45 »
Há o que se chama de "ambiente compartilhado" e "ambiente individual" (acho), o último sendo mais ou menos correspondente à vivẽncia pessoal, experiências particulares de cada um que não serão iguais apenas por viver em um mesmo "ambiente geral" compartilhado. O primeiro delimita uma série de variáveis que aumentam os riscos de alguma coisa/comportamento, mas dificilmente será um determinismo absoluto para a vasta maioria das coisas.

Uma analogia seria ausência de saneamento básico e doenças associadas. Na maior parte do tempo não haverá uma incidência de 100% da população que vive na mesma situação, mas nem só por isso se pode descontá-la como componente crucial. Ou "a maioria das pessoas que faz sexo sem proteção não contrai DSTs", também não refuta que há "comportamentos/grupos de risco".

 

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