(Paras aqueles que curtem o "Jogo dos Reis")
1. O mestre pode.
Um forte amador pediu ao GM mexicano Carlos Torre que analisasse uma de suas partidas. Torre não queria perder tempo com partidas de capivara, mas o jogador tanto insistiu que Torre concordou, embora sob uma condição: pararia a análise assim que constatasse um erro gravíssimo. Ficou combinado. O sujeito começou a mostrar a partida: 1.e4 e6 2.d4 d5 3.Cc3 Cf6 4.e5 ...Cg8. "Pode parar - disse Torre - esse lance preto é horroroso." O homem replicou: "Não é bem assim, maestro, a idéia do recuo do cavalo é sutil. Nimzowitsch, por exemplo, já experimentou esse lance e venceu!" Ao que Torre respondeu: "Nimzowitsch é um gênio, ele pode jogar isso. Mas você não, você tem que respeitar as regras de desenvolvimento das peças." Ah se todos nós lembrássemos dessa história!
2. Nomes curtos.
O jovem Leonid Stein tinha acabado de perder para o veterano GM Salo Flohr. Para consolá-lo, Flohr contou uma piada: "Não fique triste. Olha, em breve os nomes curtos vão ser melhores do que os nomes longos. Veja por exemplo Liliental, um grande jogador no passado. Agora, quem se destaca é Tal. Com você vai ser assim também. Em breve, Bronstein vai ter que ceder o lugar para Stein!". Poucos anos depois, a "profecia" foi cumprida: Stein venceria três campeonatos soviéticos!
3. Com tabuleiro.
Richard Réti e Alexander Alekhine encontraram-se no trem e começaram a analisar uma posição às cegas (sem o tabuleiro nem as peças, só de memória). Depois de alguns minutos, Alekhine virou-se para Réti e disse: "Olha, todos sabem que nós dois somos os melhores jogadores às cegas do mundo. Por que então não utilizamos um tabuleiro de verdade?".
4. Assassino de si mesmo.
O GM húngaro Geza Maróczy era conhecido pela elegância e polidez com que tratava a todos. O GM letão Aaron Nimzowitsch era famoso exatamente pelo contrário, pelo mau humor e falta de tato com que tratava a quase todos. Certa vez, Nimzowitsch foi tão ofensivo que Maróczy reagiu convocando-o para um duelo no dia seguinte. O irado Nimzowitsch não compareceu ao encontro. Justificou-se assim: "Não vou contribuir para meu próprio assassinato."
5. Grande fígado.
O GM inglês Blackburne foi um dos mais fortes jogadores do mundo nas últimas décadas do século XIX. Na lista de suas vítimas, incluem-se Steinitz, Tchigorin, Em. Lasker, Tarrasch, Pillsbury e Alekhine. Suas partidas eram especialmente inspiradas pelas bebidas alcoólicas. Conta-se que ele era capaz de esvaziar duas garrafas inteira de uísque numa sessão de partidas simultâneas. Morreu aos 83, idade bastante avançada para quem viveu, e bebeu, na sua época. Um grande cérebro e, pelo visto, um grande fígado.
6. Yoga.
Aaron Nimzowitsch descobriu que a prática de Yoga, a milenar prática física e mental indiana, poderia melhorar seu desempenho nos torneios de xadrez. Experimentava os movimentos do yoga nos próprios torneios. Enquanto o adversário meditava em busca do lance, Nimzowitsch ia para o chão e colocava-se de cabeça para baixo. Acreditava que desta maneira o sangue desceria para o cérebro e ajudaria a pensar melhor. Algumas vezes esse troço funcionou muito bem. Mas desconfio que se você não for Nimzowitsch, não fluirá tanto sangue assim para sua cabeça.
7. Melhor para ele.
Partida amistosa de uma amador contra um forte jogador. Ao amador dirigiu-se a Emanuel Lasker, que observava o jogo, e perguntou: "Qual o melhor lance nessa posição?". Lasker respondeu: "Jogue g2-g4." O pobre incauto seguiu o conselho e, inesperadamente, seu adversário respondeu com a dama, que deu o mate. Estarrecido, o indivíduo virou para Lasker e perguntou, meio sem acreditar, meio furioso: "Mas o senhor não disse que essa era o melhor lance?". "Sim ? respondeu Lasker ? o melhor para seu adversário." No fundo, essa era a maneira de jogar xadrez de Lasker: ele encaminhava a partida para posições em que seus adversários, perplexos, se interrogavam: "essa posição é boa, é óbvio, mas para qual de nós dois?"
8. Sumiço da torre.
Na União Soviética, havia uma tipo de simultânea dada por dois grandes mestres que jogavam alternativamente. O GM1 fazia o lance contra todos os tabuleiros, que, em seguida, respondiam. Era então a vez do GM2 fazer os lances em cada tabuleiro. Depois das respectivas respostas, o GM1 retornava e assim a partida continuava. Certa vez, Averbach foi jogar um lance quando percebeu que estava com a torre a menos. Mesmo com a posição perdida, ainda fez dois ou três lances. Depois que a exibição acabou foi conversar com Bondarevsky: "Como é que você perdeu aquela torre?". Ao que Bondarevsky replicou: "Ué, eu ia perguntar exatamente isso!". Os dois se olharam e perceberam que tinham sido roubados pelo esperto amador.
9. Endereço do hotel.
Emanuel Lasker era um tanto distraído. Certa vez, hospedou-se num hotel e foi ao clube da cidade. Depois da simultânea e do jantar, oferecem carona de volta para hotel. Neste momento, Lasker percebeu que não sabia nem o nome nem o endereço do hotel onde havia deixado suas bagagens. Tiveram que percorrer a cidade inteira até encontrar o lugar correto.
10. Relógio.
Conta-se que Gari Kaspárov, o "Ogro", como dizem os espanhóis, tem o hábito de retirar o relógio do pulso assim que a partida começa. O relógio fica ali, sobre o tabuleiro. Quando Kaspárov sente que a partida está chegando ao fim e que ele será o vencedor, pega o relógio e bota de novo no braço. Uma maneira sutil de dizer pro adversário: "Bom, vamos acabar logo com isso que não tenho tempo a perder." Pressão sobre o adversário? Sem dúvida. Mas já houve adversários que, pelo menos em algumas ocasiões, fizeram Kaspárov esquecer do relógio.
11. Futebol.
Quem joga xadrez é capaz de jogar futebol? O clichê é o jogador frágil, distraído e que derruba os objetos em seu redor. Mas as coisas não são bem assim. O esporte de Ljubojevic era o futebol e foi por causa de uma longa contusão que ele aprendeu a jogar xadrez, com já tinha 16 anos de idade (mais tarde, seria um dos dez melhores do mundo). O GM Peter Leko foi titular de um time juvenil húngaro. O melhor de todos, porém, foi o GM norueguês Agdestein. Forte jogador de xadrez, também foi titular da seleção norueguesa de futebol, autor de um gols importantes. Por exemplo, na vitória contra a Itália na Copa da Europa. Se o nosso leitor jamais fez gol contra a seleção da Itália, talvez possa um dia ostentar o título de Grande Mestre Internacional...
12. Senhoras.
Para os psicanalistas de plantão: Alekhine foi casado com mulheres muitos anos mais velhas dos que ele. Certa vez, ainda jovem, foi a um baile. Havia moças bonitas, frescas e joven como a primavera, mas ele não prestou a menor atenção. Mas quando vislumbrou uma senhora com vinte anos a mais do que ele, Alekhine não conteve a agitação e fez de tudo para dançar com ela. Seu entusiasmo era surpreendente.
13. Escarlatina.
Alekhine foi internado no hospital de Praga (República Tcheca) em 1942 para tratar de febre escarlatina (doença transmissível produzida por um estreptococo). No mesmo hospital o GM tcheco Richard Réti havia morrido de escarlatina em 1929. Alekhine, que era supersticioso, não achou nem um pouco interessante a coincidência. Mas sobreviveu para morrer em 1946, em Lisboa.
14. Moscou 1959.
O torneio internacional em memória de Alekhine em 1959 teve um trio de vencedores: V. Smyslov, D. Bronstein e B. Spassky. Superam vários GMs, entre eles Vasiukov, Portisch, Larssen, Filip e F. Olafsson. Smyslov e Bronstein terminaram invictos. Spassky sofreu uma única derrota, para Smyslov, que venceu o torneio pelo critério SB. Smyslov tinha sido campeão mundial, Spassky conquistaria o título dez anos depois. Bronstein havia empatado o match de 24 partidas pelo título mundial, contra Botvínnik em 1950. Três gigantes da história do xadrez, todos os três ainda vivos (novembro de 2001).