Autor Tópico: Relatos  (Lida 316 vezes)

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Offline _tiago

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Relatos
« Online: 17 de Agosto de 2013, 10:59:20 »
Relatos de pessoas pelo país.

Offline _tiago

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Re:Relatos
« Resposta #1 Online: 17 de Agosto de 2013, 11:00:18 »
Criei o tópico com base neste relato. Conhecido dum irmão meu. Não sei o nome do guri, descobrindo posto aqui.

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BATER OU CORRER EM CANAPI

Após fazer de Canindé de São Francisco base de apoio p/ "ataques"  diários às  cidades das margens do Velho Chico (Piranhas, Paulo Afonso, Xingó, etc)  resolvi dar um rolê mais pro norte, nos arredores da Serra do Parafuso,  a fim  de conhecer aquela região paupérrima do interior alagoano, quase  tríplice  fronteira c/ SE e PE.

Após bem-vinda carona c/ um caminhoneiro em  Delmiro  Gouveia, fui parar na entrada de uma cidadezinha empoeirada perdida no  meio  do nada. Seu nome? Canapi, e sua placa de boas-vindas já apresentava  sinais  de bala. "Caçadores de rolinha!", pensei. Impossível não ter a sensação  de  desolação diante daquela paisagem árida, composta de pequenos morros de  pedra e terra ocre, desprovida de qq verde. A sensação aumenta c/  restos de bois e muitos urubus planando o céu azul. O verde, alias, apenas em  pequenos  e distantes focos, geralmente próximos de algum raro açude.

Algumas crianças c/ enxada na mão vieram na minha direção esfregando o  polegar e o indicador, pedindo esmola ("pedágio", segundo eles)  fingindo  tampar buracos. Como não tinha din-din, dei algumas balas às quais  avançaram  como peixes num pedaço de pão. Minha intenção era caronar mais pro  norte,  porém o sol causticante do meio-dia, a ausência total de sombra e o  pouco  movimento da estrada, me obrigaram a adentrar na cidade afim de beber  algo e  colher infos.

Carregar uma cargueira no sol do sertão não é fácil, parece q aqui não  tem  camada de ozônio e me senti uma formiga sendo tostada por uma lupa  gigante.

Assim, fui entrando na pacata, silenciosa e monótona cidade sob o olhar  curioso dos locais, onde parecia que desfilava numa passarela.  Mulheres  baixas carregando latões de água na cabeça, homens magros levando lenha  p/  casa, crianças e jegues andando tranqüilamente pelas poucas ruas  asfaltadas,  nenhuma plantação visível nas terras secas e muitas casas de  pau-a-pique  entre esgotos a ceu aberto , etc..

Uma pequena fila de gente humilde se  aglomera no q deve ser a casa do prefeito, na busca de favores, quase  próximo de uma igreja fechada e uma escola caindo aos pedaços.

Enfim, entrei num dos poucos bares q consegui avistar, onde uma moderna  picape c/ cabine dupla estacionada à frente destoava completamente  daquele  contexto miserável. "Turistas..", pensei.
Assim q entrei, todos os  olhares  se voltaram novamente p/ mim: gente jogando dominó ou baralho, mas  principalmente de uma mesa onde um quarteto de senhores se destacava do  biotipo sertanejo. Bem vestidos, robustos e altos, deviam ser  fazendeiros e,  provavelmente, os manda-chuvas dali e não turistas, conforme imaginara.

Fui  ate o balcão e pedi uma cerveja, jogando a mochila no chão. Bebia  sossegadamente até q um deles me dirigiu a palavra, de longe.
- "E aí, ce ta vendendo artesanato?", um dos caras perguntou rindo p/  mim,  encarando a mochila.
Respondi q não vendia nada, sentindo q agora era motivo de piada de  agro-boy  folgado.
- "Ué, e nessa mochila ce tem o q?", perguntou outra vez, levemente  alcoolizado.
- "Não é da sua conta!", respondi secamente.

Pra que? Péssima ideia, pq os caras se levantaram e vieram na minha  direção.
"Puts, vou tomar um couro..", pensei. Dose depois foi convencê-los de q  tava  apenas de passagem e tal.
E se antes achavam q eu era hippie vendendo  tranqueiras, depois estavam convictos q eu era repórter, ainda mais q  tirei  a máquina da pochete apenas p/ mostrar q era turista. Aí q não saíram  do meu  pé mesmo. Perguntaram se não tava investigando um tiroteio q tivera ali  alguns meses atrás, mas parece q "deviam algo" pq mesmo afirmando  categoricamente não ser representante de imprensa alguma não pararam de  me  interrogar, visivelmente irritados. Aí q a ficha caiu: um deles era o manda-chuva, justamente o q comecara a falar comigo, o agro-boy; o  resto devia ser capanga, pois concordavam e riam de td q o primeiro fazia..
- "Olha, não quero saber de fotos da minha casa! Melhor ce se mandar daqui!", disse ele, quase bufando na minha cara. "Ou a gente faz vc beber td  a água de nossa piscina!", emendou outro, em tom mais baixo, porém perfeitamente audível.

Bem, diante de tão "singelo recado" não me restou alternativa senão  pegar  minha trouxinha e me mandar rapidinho dali. Posso ser doido, mas não sou  idiota, ainda mais depois q soube q a piscina dos fulanos era maior q a  caixa dágua da cidade. Depois tb soube q os mesmos eram parentes de uma  das  3 familias q controlam td região (parentes de uma "tal" de Rosane, ex-Collor), cujos latifúndios são detentores de boa parte da água dos  açudes p/  manter vastas criações de gado. E de enormes lavouras verdejantes,  deixando  a terra seca pro resto da população.

Sai dali sem cerimônia alguma disposto a encarar o sol forte da  caatinga.
Olhei pra trás, e notei um dos caras me seguindo meio afastado. Só foi  embora assim q caí novamente no asfalto, fora dos limites da cidade,  passando outra vez pela placa com tiros da entrada. Q não eram de  caçadores  de rolinha, lógico!

Como q ouvindo minhas preces, em duas horas  consegui uma  carona e, picotadamente, voltei p/ Canindé de São Francisco, rapidinho,  rapidinho, convencido q naquela "terra de ninguém" a convivência  diária de  dois 2 tipos de violência - a dos faroestes e a de miséria absoluta - traduz  uma realidade q está bem além da "mudernidade"apregoada pelos  endinheirados  republicanos de Alagoas. E onde o sertão virou um mar de lama.

 

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