0 Membros e 1 Visitante estão vendo este tópico.
BATER OU CORRER EM CANAPIApós fazer de Canindé de São Francisco base de apoio p/ "ataques" diários às cidades das margens do Velho Chico (Piranhas, Paulo Afonso, Xingó, etc) resolvi dar um rolê mais pro norte, nos arredores da Serra do Parafuso, a fim de conhecer aquela região paupérrima do interior alagoano, quase tríplice fronteira c/ SE e PE. Após bem-vinda carona c/ um caminhoneiro em Delmiro Gouveia, fui parar na entrada de uma cidadezinha empoeirada perdida no meio do nada. Seu nome? Canapi, e sua placa de boas-vindas já apresentava sinais de bala. "Caçadores de rolinha!", pensei. Impossível não ter a sensação de desolação diante daquela paisagem árida, composta de pequenos morros de pedra e terra ocre, desprovida de qq verde. A sensação aumenta c/ restos de bois e muitos urubus planando o céu azul. O verde, alias, apenas em pequenos e distantes focos, geralmente próximos de algum raro açude.Algumas crianças c/ enxada na mão vieram na minha direção esfregando o polegar e o indicador, pedindo esmola ("pedágio", segundo eles) fingindo tampar buracos. Como não tinha din-din, dei algumas balas às quais avançaram como peixes num pedaço de pão. Minha intenção era caronar mais pro norte, porém o sol causticante do meio-dia, a ausência total de sombra e o pouco movimento da estrada, me obrigaram a adentrar na cidade afim de beber algo e colher infos.Carregar uma cargueira no sol do sertão não é fácil, parece q aqui não tem camada de ozônio e me senti uma formiga sendo tostada por uma lupa gigante. Assim, fui entrando na pacata, silenciosa e monótona cidade sob o olhar curioso dos locais, onde parecia que desfilava numa passarela. Mulheres baixas carregando latões de água na cabeça, homens magros levando lenha p/ casa, crianças e jegues andando tranqüilamente pelas poucas ruas asfaltadas, nenhuma plantação visível nas terras secas e muitas casas de pau-a-pique entre esgotos a ceu aberto , etc..Uma pequena fila de gente humilde se aglomera no q deve ser a casa do prefeito, na busca de favores, quase próximo de uma igreja fechada e uma escola caindo aos pedaços.Enfim, entrei num dos poucos bares q consegui avistar, onde uma moderna picape c/ cabine dupla estacionada à frente destoava completamente daquele contexto miserável. "Turistas..", pensei. Assim q entrei, todos os olhares se voltaram novamente p/ mim: gente jogando dominó ou baralho, mas principalmente de uma mesa onde um quarteto de senhores se destacava do biotipo sertanejo. Bem vestidos, robustos e altos, deviam ser fazendeiros e, provavelmente, os manda-chuvas dali e não turistas, conforme imaginara. Fui ate o balcão e pedi uma cerveja, jogando a mochila no chão. Bebia sossegadamente até q um deles me dirigiu a palavra, de longe.- "E aí, ce ta vendendo artesanato?", um dos caras perguntou rindo p/ mim, encarando a mochila.Respondi q não vendia nada, sentindo q agora era motivo de piada de agro-boy folgado.- "Ué, e nessa mochila ce tem o q?", perguntou outra vez, levemente alcoolizado.- "Não é da sua conta!", respondi secamente.Pra que? Péssima ideia, pq os caras se levantaram e vieram na minha direção. "Puts, vou tomar um couro..", pensei. Dose depois foi convencê-los de q tava apenas de passagem e tal.E se antes achavam q eu era hippie vendendo tranqueiras, depois estavam convictos q eu era repórter, ainda mais q tirei a máquina da pochete apenas p/ mostrar q era turista. Aí q não saíram do meu pé mesmo. Perguntaram se não tava investigando um tiroteio q tivera ali alguns meses atrás, mas parece q "deviam algo" pq mesmo afirmando categoricamente não ser representante de imprensa alguma não pararam de me interrogar, visivelmente irritados. Aí q a ficha caiu: um deles era o manda-chuva, justamente o q comecara a falar comigo, o agro-boy; o resto devia ser capanga, pois concordavam e riam de td q o primeiro fazia.. - "Olha, não quero saber de fotos da minha casa! Melhor ce se mandar daqui!", disse ele, quase bufando na minha cara. "Ou a gente faz vc beber td a água de nossa piscina!", emendou outro, em tom mais baixo, porém perfeitamente audível. Bem, diante de tão "singelo recado" não me restou alternativa senão pegar minha trouxinha e me mandar rapidinho dali. Posso ser doido, mas não sou idiota, ainda mais depois q soube q a piscina dos fulanos era maior q a caixa dágua da cidade. Depois tb soube q os mesmos eram parentes de uma das 3 familias q controlam td região (parentes de uma "tal" de Rosane, ex-Collor), cujos latifúndios são detentores de boa parte da água dos açudes p/ manter vastas criações de gado. E de enormes lavouras verdejantes, deixando a terra seca pro resto da população.Sai dali sem cerimônia alguma disposto a encarar o sol forte da caatinga. Olhei pra trás, e notei um dos caras me seguindo meio afastado. Só foi embora assim q caí novamente no asfalto, fora dos limites da cidade, passando outra vez pela placa com tiros da entrada. Q não eram de caçadores de rolinha, lógico! Como q ouvindo minhas preces, em duas horas consegui uma carona e, picotadamente, voltei p/ Canindé de São Francisco, rapidinho, rapidinho, convencido q naquela "terra de ninguém" a convivência diária de dois 2 tipos de violência - a dos faroestes e a de miséria absoluta - traduz uma realidade q está bem além da "mudernidade"apregoada pelos endinheirados republicanos de Alagoas. E onde o sertão virou um mar de lama.