Autor Tópico: Se bobear, um híbrido entre ambos ainda é possível.  (Lida 556 vezes)

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Offline Donatello

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Se bobear, um híbrido entre ambos ainda é possível.
« Online: 06 de Novembro de 2013, 21:34:52 »
Citação de: Buckaroo Banzai agora a pouco, no tópico sobre cotas
Com os devidos ajustes e continuação dependendo da argumentação ser a favor da legalização de prostituição, mantendo que a contrariedade é paternalismo possessivo patriarcal que priva as mulheres de sua sexualidade e de explorar todas suas possibilidades profissionais (afetando principalmente as mais pobres, na sociedade capitalista), ou, se for contra, condenando a demanda por objetificação/escravização/comercialização na sociedade capitalista.

Se bobear, um híbrido entre ambos ainda é possível.

Anda lendo muito a Carta Capital, einh, Buck?  :olheira:

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Não toque na minha puta

1 de Novembro de 2013 por mairakubik no portal da Carta Capital

“Não toque na minha puta”. Esse é o mote do “Manifesto dos 343 bastardos” (em uma tradução livre), lançado aqui na França essa semana e que tem causado uma polêmica e tanto no país. A ideia dos signatários é protestar contra um projeto de lei que penaliza, com multa de 1.500 euros, os clientes de prostitutas. Caso sejam reincidentes, o valor subiria para 3 mil euros.

O PL, proposto por deputadas socialistas, deve ser discutido na Assembleia Nacional francesa em 27 de novembro. Ao justificar a importância de sua aprovação, as deputadas afirmaram que “a interdição da compra de um ato sexual é hoje a medida mais eficaz para reduzir a prostituição e dissuadir as redes de tráfico“.

Para os homens, “cada um tem o direito de vender livremente seus encantos – e mesmo de amar fazer isso. Nós nos recusamos que os deputados estabeleçam as normas de nossos desejos e de nossos prazeres”. Segundo o texto divulgado por eles, “não amamos nem a violência, nem a exploração, nem o tráfico de seres humanos. E nós esperamos que o poder público faça todos os esforços para lutar contra as redes e punir os cafetões. Nós amamos a liberdade, a literatura e a intimidade. E quando o Estado toca em nossas bundas, as três estão em perigo. Hoje é a prostituição, amanhã a pornografia: o que vão proibir depois de amanhã?”

O manifesto ainda traz uma provocação óbvia e direta às feministas: a escolha de 343 pessoas não é aleatória. Ela remete ao “Manifesto das 343 putas” (ou vadias, cadelas, a depender da tradução), publicado em abril de 1971 pela descriminalização do aborto e assinado por Simone de Beauvoir, Christine Delphy, Agnès Varda e Marguerite Duras, entre outras.

Qual filiação podem ter conosco, as ‘putas’ que reclamaram a liberdade proibida de dispor sobre nossos corpos, esses ‘bastardos’ que reclamam hoje a liberdade de dispor, mediante remuneração e sem penalidade, do corpo de certas mulheres? No primeiro caso, trata-se de acabar com uma opressão, no segundo, de reconduzi-la. E tudo em nome do mesmo conceito: a liberdade. Onde está a falha?”, questiona Anne Zelensky, presidenta da Liga pelos Direitos das Mulheres.

Existem aí duas questões em discussão: a primeira, óbvia, é criminalizar ou não a prostituição; a segunda é quem são os atores políticos envolvidos nesse manifesto. E uma está diretamente imbricada na outra.

Quando os homens dizem “não toque em MINHA puta”, que tipo de relação de poder está estabelecida? Da forma como eles colocam, a impressão que fica não é de defesa da liberdade, mas sim de um discurso de quem “possui” a outra pessoa e que se acha apto a decidir sobre seu futuro. Ou seja, de quem quer manter seu poder sobre essas mulheres, independentemente de como elas estão sobrevivendo nas ruas, quem são seus cafetões, se elas são estupradas com frequência, a quem recorrem quando sofrem alguma situação de violência etc.

Assim, ao falarem sobre a “sua” puta, eles não estão estabelecendo com elas uma relação mercantil. Não estamos discutindo as condições de um “cliente” adquirir um “serviço” de seu “fornecedor”. O sub-texto aí é não é de compra e venda de mercadoria. É de propriedade. Muitas teóricas feministas já demarcaram essa relação, com destaque especial para Colette Guillaumin: estamos diante de um sistema hierárquico de relação de poder, que prevê a apreensão da mulher como um todo, sejam prostitutas, sejam donas de casa.

Ademais, eles reclamam que as pessoas devem poder “vender seus encantos”, o que soa como uma visão romântica exacerbada do que seria a profissão de prostituta. Algo que beira o “mas elas gostam”, que sai da boca de tanta gente que discute o assunto de uma maneira assustadoramente simplificada.
As prostitutas, as mais interessadas no tema, também criticaram o manifesto, declarando-o machista. Elas são contra a lei, claro, porque isso prejudicará os negócios, mas não admitem serem tratadas como propriedade de ninguém: “nós não somos putas de ninguém, muito menos de vocês”, afirmou Morgane Merteuil, do Sindicato dos Trabalhadores do Sexo.

Para Merteuil, o manifesto das 343 mulheres a favor do aborto desafiava as leis e a ordem moral, com grandes riscos não só de serem estigmatizadas como também de sofrerem repressão penal, além, claro, de arriscarem suas vidas ao interromper gestações indesejadas de forma clandestina. “O que arriscam esses 343 clientes hoje? Nada”, diz.

Merteuil continua, com uma lucidez ímpar: “Desprezível sua recusa em reconhecer seus privilégios e seu discurso anti-feminista, que gostaria de nos fazer crer que vocês são as pobres vítimas do progresso feminista: vocês defendem a sua liberdade de nos foder, nós defendemos nosso direito de não morrer. A penalização dos clientes condena inúmeras mulheres ainda mais à clandestinidade e certamente não é um progresso feminista, e é por isso que nós, putas, nos opusemos à ela. Porque somos nós, putas, que somos estigmatizadas e insultadas no cotidiano porque vender os serviços sexuais não é considerada uma maneira ‘digna’ de sobreviver. Nós, putas, que sofremos cada dia os efeitos da repressão. Nós, putas, que arriscamos nossa vida como clandestinas nessa sociedade que só pensa em nos abolir. Então não invertam os papéis, e parem de posar de vítima quando sua possibilidade de ser cliente não é mais do que uma prova do poder econômico e simbólico que vocês dispõem nessa sociedade patriarcal e capitalista”.
« Última modificação: 06 de Novembro de 2013, 21:40:29 por Donatello van Dijck »

Offline Buckaroo Banzai

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Re:Se bobear, um híbrido entre ambos ainda é possível.
« Resposta #1 Online: 06 de Novembro de 2013, 22:03:31 »
Eu não entendo nada de francês, mas acho que como no português e no inglês, "meu"/"minha" pode algumas vezes ser usado para estabelecer uma conexão que não tem toda essa implicação de "propriedade" que acho que se esforçaram para interpretar aí.

Acho esse tipo de coisa algumas vezes até surpreendente. A flexibilidade que dão às palavras para se fazer de vítima de tudo. Lembro de ter visto em algumas das críticas à série "tropes on women" (ou algo assim) -- críticas que já me torram a paciência tanto ou mais do que o alvo das críticas -- que a autora colocava como "objetificação" o papel de "donzela em perigo" de muitas personagens de video-game. O super Mario vai resgatar a princesa do macaco ou da tartaruga porque ela é "objeto" dele; ela não tem agência, é passiva, como um objeto. Tenha santa paciência. Algumas vezes parecem que esses ativistas são mesmo trolls/bogus, que agem secretamente objetivando pegar uma mensagem que eu tenderia a concordar em essência (como que os personagens femininos na ficção/jogos tendem a ser mais raros, mais pobres, e mais estereotipados/repetitivos), mas passar dos limites com ela, criando uma caricatura e me fazendo ficar "contra" algo com o que eu concordaria, numa versão mais moderada.


No movimento negro tem todas aquelas coisas, acho que originadas por Malcom X, referente ao inglês, mas algumas foram traduzidas, e imaginadas outras "versões" por aqui. Como que "denegrir" é um termo racista e etc.

Offline Donatello

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Re:Se bobear, um híbrido entre ambos ainda é possível.
« Resposta #2 Online: 06 de Novembro de 2013, 22:29:03 »
Pois é: meu barbeiro, meus professores, meus médicos... tenho tantos tantos escravos que não faz sentido que eu não seja um barão do café. :|

Mas o que mais me "surpreendeu" mesmo foi essa habilidade de hibridizar os discursos: "Sou puta e quero tanto ser puta que lutarei contra o meu Estado e farei passeatas e manifestos para garantir este direito de ser vítima de uma sociedade opressora e machista que me objetifica e me obriga a escolher como profissão a prostituição e não qualquer outra carreira que me disponibilizem !!!11!111111!!11. Vocês não estão preocupados com a minha liberdade de vender meu corpo, vocês só estão preocupados com as vossas liberdades de comprar meu corpo, sim, uma coisa é excludente em relação à outra. Assim vocês me oprimem quando me oferecem dinheiro para comprar o que de livre e espontânea vontade estou colocando a venda nos classificados e neste letreiro vermelho nesta casa suspeita nesta rua escura !!!!111!11!!1111!! "
« Última modificação: 06 de Novembro de 2013, 22:37:46 por Donatello van Dijck »

Offline caerus

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Re:Se bobear, um híbrido entre ambos ainda é possível.
« Resposta #3 Online: 06 de Novembro de 2013, 23:59:58 »
Deletado
« Última modificação: 07 de Novembro de 2013, 00:06:11 por caerus »

Offline Buckaroo Banzai

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Re:Se bobear, um híbrido entre ambos ainda é possível.
« Resposta #4 Online: 07 de Novembro de 2013, 14:00:34 »
Pois é: meu barbeiro, meus professores, meus médicos... tenho tantos tantos escravos que não faz sentido que eu não seja um barão do café. :|

Mas o que mais me "surpreendeu" mesmo foi essa habilidade de hibridizar os discursos: "Sou puta e quero tanto ser puta que lutarei contra o meu Estado e farei passeatas e manifestos para garantir este direito de ser vítima de uma sociedade opressora e machista que me objetifica e me obriga a escolher como profissão a prostituição e não qualquer outra carreira que me disponibilizem !!!11!111111!!11. Vocês não estão preocupados com a minha liberdade de vender meu corpo, vocês só estão preocupados com as vossas liberdades de comprar meu corpo, sim, uma coisa é excludente em relação à outra. Assim vocês me oprimem quando me oferecem dinheiro para comprar o que de livre e espontânea vontade estou colocando a venda nos classificados e neste letreiro vermelho nesta casa suspeita nesta rua escura !!!!111!11!!1111!! "

[Re]lendo o texto, acho que até nem é tão sem cabimento a base da indignação toda. A comparação é mesmo descabida, acaba fazendo pouco caso do outro manifesto, que protestava pelo direito ao aborto e o assassinato de uma mulher. Mesmo tirando o assassinato da questão, ainda é argumentável que o manifesto anti-multa por clientes de putas é na melhor das hipóteses uma piada de gosto questionável, e na pior das hipóteses, uma mimimizice daquelas de criar vergonha até a quem não tem nada a ver com o caso. Não que a "causa" em si não tenha mérito, o problema é somente a forma usada, uma paródia/equivalência do manifesto pelo direito ao aborto e contra o assassinato.

O "discurso" resultante disso acabou ficando um pouco parecido com aquele "híbrido", mas acho que nem chega tanto a ser o caso.

Seria algo como se tivesse havido um manifesto vindo de vendedores ambulantes, relacionado a dificuldades legais ao que tem como meio de vida, e a violência sofrida vinda dos policiais, e então uma porção de playboyzinhos viesse com um manifesto análogo sobre dificuldades de se contratar pessoas em condições análogas a escravidão ou penas relativas à receptação de mercadoria sabidamente contrabandeada ou roubada, para uso pessoal. Num discurso onde se fizessem de mais de "coitadinhos", do que mostrando alguma consideração e apoio aos vendedores ambulantes.

Não seria de se estranhar se um ambulante meio irritado com essa segunda manifestação acabasse então fazendo um discurso meio nervoso e até em algo aparentemente contraditório, por parecer estar condenando seus consumidores.

 

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