Considerando as discussões sobre Democracia Direta no Fórum Cético, pareceu-me que estas considerações do comentador político português Daniel Oliveira poderiam interessar a alguns foristas. Daniel Oliveira é um social democrata de esquerda.Chegam-me, todos os dias, mensagens e comentários em defesa da "democracia direta". Como o que está a dar é falar mal dos partidos políticos, quem quer aplauso fácil (ou até voto fácil) acompanha a música. Mas eu não me limito a desconfiar da viabilidade da democracia direta. Sou contra ela. Porque o ato de governar (ou até de fazer oposição) não corresponde a tomar decisões avulsas sobre vários temas, em que não há programa, horizonte, modo de olhar o mundo e o país, nada que cole pedaços de opiniões e excitações momentâneas. A política exige a coerência que as estruturas mediadoras lhe podem dar. Saber e informação que não se recolhe nas horas vagas. Exige negociação e compromisso. E a negociação e o compromisso exige que haja partes para negociar e para se comprometerem para o futuro. Partes com representantes.
Não acredito na democracia direta, como não acredito na luta dos trabalhadores sem sindicatos ou algo que os substitua, na escola democrática sem associações de pais e de estudantes, na defesa do ambiente, dos consumidores ou da qualidade de vida urbana sem associações e movimentos.
Não há participação sem organização e mediação. Há populismo e demagogia. A espontaneidade política é o caos e o caos é o espaço ideal para todas as arbitrariedades. O discurso em defesa da democracia direta é, mesmo que involuntariamente, a defesa do poder sem responsabilização nem escrutínio. Até porque o poder que uma suposta democracia direta ajuda a criar não tem espaço para oposições. E não é por acaso que a única democracia referendária da Europa tem sido um dos palcos preferenciais da extrema-direita para a sua agenda de ódio e medo.
Acredito na democracia representativa temperada pela democracia participativa. É uma coisa bem diferente da democracia direta ou referendária. É a garantia de que a democracia representativa deixa espaço para que os cidadãos organizados possam exercer o controlo ao trabalho feito pelos seus representantes. Que a democracia não se exerce apenas de quatro em quatro anos. Que o povo se envolve no governo da coisa pública, seja ela a Europa, o País, a cidade, a rua ou a escola. E que até, para casos extraordinários - na minha opinião, decisões que resultem em perda de soberania -, se permite o referendo.
Mas reparem quem nem as autarquias que por esse mundo fora aplicaram de forma mais profunda o orçamento participativo permitem que todo o orçamento (ou sequer a sua maioria) tenha intervenção direta dos cidadãos. Porque se permitissem as nossas cidades seriam uma selva, onde a maioria reservaria para si todos os recursos.
A democracia representativa precisa de transparência, de exigência e de participação cidadã organizada (insisto no "organizada"). Não precisa de humores e excitações de cada momento, que mudam ao sabor do talento retórico de populistas. A representação é a moderação do imediatismo e do egoísmo. Funciona mal? Funciona pessimamente. Mas experimentem decidir tudo em referendos e assembleias populares e rapidamente verão surgir nas plateias centenas de candidatos a pequenos tiranos.
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