RESPOSTA:
O Defeito da Ratoreira
O design inteligente falha no exame da bioquímica.
Por Kenneth R. Miller
Para poder entender porque a comunidade científica não está muito impressionada pelos intentos de ressuscitar o chamado argumento do desenho, ninguém precisa ver mais além que o próprio ensaio de Michael J Behe. Ele afirma que os sistemas bioquímicos complexos não podem ter sido produzidos pela evolução porque possuem uma qualidade que ele chama de complexidade irredutível. Igualmente às ratoeiras, estes sistemas não podem funcionar a menos que cada uma de suas partes se encontre em um lugar apropriado. Dado que "a seleção natural só pode escolher entre sistemas que já estão funcionando" não existe nenhuma forma pela qual os mecanismos Darwinianos podem ter produzido os sistemas complexos que se encontram nas células vivas. E se estes sistemas não podem ter evoluído, eles devem ter sido desenhados. Essa é a totalidade da “evidência” bioquímica para o design inteligente.
Ironicamente, o exemplo do próprio Behe, a ratoeira, mostra porque a idéia está equivocada. Elimine duas das partes (o gatilho e a barra de metal) e pode ser que não se tenha uma ratoeira mas tem-se uma máquina de três partes que faz um clipe de gravata ou um clipe de papel totalmente funcional. Tirando a mola, tem-se um chaveiro de duas partes. O gatilho de algumas ratoeiras pode ser usado um anzol e a base de madeira como um peso de papel, aplicações úteis das demais partes incluem uma grande variedade de coisas como palitos de dente a quebra-nozes e clipes de papel. O ponto, entendido desde muito tempo pela ciência, é que pedaços e peças das máquinas supostamente irredutivelmente complexas podem ter tido diferentes (mas ainda úteis) funções.
A contestação de Behe de que todas e cada uma das peças de uma máquina, mecânicas ou bioquímicas, devem estar montadas em sua forma final antes que algo de útil possa emergir, é simplesmente falsa. A evolução produz máquinas bioquímicas complexas por meios de copiar, modificar e combinar proteínas previamente usadas para outras funções. Quer exemplos? Os sistemas do ensaio de Behe nos servem muito bem.
Ele escreve que a ausência de "praticamente qualquer uma" de suas partes faz com que o flagelo bacteriano “não funcione”. Mas, adivinhe só. Um pequeno grupo de proteínas do flagelo funciona sem o resto da máquina. É usado por muitas bactérias como um dispositivo para injetar veneno em outras células. Apesar de que a função levada a cabo por esta pequena parte é diferente quando trabalha sozinha, ainda assim pode ser influenciada pela seleção natural.
As proteínas chave que aglutinam o sangue seguem este padrão também. Elas são, na realidade, versões modificadas de proteínas que são usadas pelo sistema digestivo. O elegante trabalho de Russell Doolittle tem mostrado como a evolução duplicou, redefiniu e modificou estas proteínas para produzir o sistema de coagulação do sangue nos vertebrados.
E Behe pode levantar as mãos e dizer que ele não pode imaginar como os componentes que movem as proteínas entre os compartimentos intracelulares podem ter evoluído, mas os cientistas que trabalham com estes sistemas estão completamente em desacordo. Em um artigo da revista científica Cell em 1998, um grupo de cientistas do Instituto Sloan-Kettering liderado por James Rothman, descreveu a extraordinária simplicidade e uniformidade destes mecanismos. Eles também notaram que estes mecanismos “sugeriam de uma forma natural como os muitos e variados compartimentos das células eucarióticas poderiam ter evoluído”. Parece então que os pesquisadores ativos vêem algo muito diferente do que Behe vê nestes sistemas. Eles vêem a evolução.
Se Behe sugerir que as complexidades da natureza, a vida e o universo revelam um mundo de significado e propósito consistente com uma inteligência divina, seu ponto de vista é filosófico, não científico. Incidentalmente, é um ponto de vista filosófico que eu compartilho. Entretanto, para apoiar este ponto de vista, não devemos achar necessário fingir que sabemos menos do que realmente sabemos sobre a evolução dos sistemas vivos. Numa análise final, a hipótese bioquímica do design inteligente fracassa, não porque a comunidade científica de feche a ela, senão pela razão mais básica de todas: porque está irresistivelmente contradita pela evidência científica.