Autor Tópico: Deus prefere os ateus (Tony Belotto)  (Lida 1529 vezes)

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Offline Fernando Silva

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Deus prefere os ateus (Tony Belotto)
« Online: 13 de Abril de 2014, 08:27:34 »

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Deus prefere os ateus

Tony Belotto

Uma brincadeira bem-humorada sobre o fato de ateus não torrarem a paciência do Todo-Poderoso com orações, súplicas, invocações, clamores, confissões, pedidos... e todas as coisas que devem entupir incessantemente a caixa de mensagens divina

Despedida

Tocante o velório de José Wilker no Teatro Ipanema. Não acredito em Deus, mas a existência dos deuses do palco é inegável. Já tive oportunidade de vislumbrá-los em algumas ocasiões. O palco: não haveria lugar mais adequado para o grande ator receber as despedidas de família, amigos, fãs e admiradores.

Desconvertido

Antes que me acusem de súbita conversão ao teísmo, explico que deuses do palco nada têm a ver com seus equivalentes judaico, cristão e islâmico. Os deuses do palco não têm moral rígida — se é que têm alguma — e adoram se travestir de rainhas sonâmbulas e filhos que transam com a mãe. São sacanas e costumam pregar peças em seus fiéis, como fazê-los esquecer o texto no meio do monólogo de Hamlet ou arrebentar-lhes cordas de guitarra em pleno solo de “Sonífera ilha”.

Descongestionamento

Tenho uma plaquinha em meu escritório em que se lê: “Deus prefere os ateus”. Trata-se de uma brincadeira bem-humorada sobre o fato de ateus não torrarem a paciência do Todo-Poderoso com orações, súplicas, invocações, clamores, confissões, pedidos, promessas, propostas, tratos, cobranças, ladainhas, exaltações, músicas chatas e todas as coisas que devem entupir incessantemente a caixa de mensagens divina.

Desconversação

Às vezes tenho a impressão de que os dizeres da plaquinha estão estampados em minha testa. Basta eu sentar na poltrona do avião e minha vizinha tira da bolsa um livro ou folheto que me entrega, contrita: “Leia isso, vai te fazer bem”. Em geral trata-se de propaganda doutrinária do tipo “Jesus te ama”. Nessas horas agradeço e aviso gentilmente: “Desculpe, eu não acredito”. “Você tem que acreditar em alguma coisa!” Como eu insista na manutenção de minha descrença, escuto em silêncio o veredicto final: “Você pensa que não acredita. Mas no fundo você acredita”.

Desmistificação

Por ocasião do lançamento de um livro em Curitiba, fui interpelado por uma moça num bate-papo com leitores: “Você que é um homem de família e artista bem-sucedido, fale de suas convicções religiosas e espirituais”. “Eu não tenho convicções religiosas nem espirituais”. “Impossível! Você faz sucesso e tem uma família feliz!”

Cai o pano.

Desevangelizado

Espíritas também costumam me abordar de vez em quando com mensagens de amigos mortos. Nessas horas sinto arrepios. Eu não acredito em reencarnação nem em vida após a morte (aliás, acho um paradoxo bem louco). Mas vai que um amigo morto me diga alguma coisa que só nós dois sabíamos? E então, quando me chegam as mensagens… Bem, a não ser que meus amigos mortos tenham virado carolas ou sofrido lobotomia no Além, as mensagens que me apresentam são absolutamente inverossímeis.

Desipnoterapia

Há os que contam de suas vidas passadas. “Fui um nobre da corte de Luiz XV...” “Fui um gladiador romano que se converteu ao cristianismo…”. Incrível como todo mundo foi alguma coisa extraordinária em vidas passadas. Não conheço ninguém que tenha sido um simples funcionário público.

Desnaturado

Debato com amigos budistas sobre minha descrença na teoria da reencarnação. Se comprovadamente nascem mais pessoas do que morrem, provavelmente não há em estoque espíritos suficientes para rechear tantos novos corpos, o que pressupõe que nasçam várias almas de primeira geração, sem vidas passadas. Isso talvez explique minha descrença: devo ser um espírito zero quilômetro, descomprometido de dívidas cármicas.

Desconsagrado

Tenho amigos que curtem religiões afro-brasileiras: “Sou filho de Iansã”. “Oxumaré me protege”. Consultam búzios, vestem branco na sexta-feira, entram em transe ao som dos atabaques: “Não posso comer hambúrguer, meu santo não permite.”

Desgarrado

Não tome minha dissertação como provocativa ou desrespeitosa. Estou só tratando com bom humor um assunto que é geralmente abordado com gravidade e certezas em excesso. Como diz Christopher Hitchens: “É claro que não tenho condições de provar a inexistência de uma divindade que supervisiona e vigia cada momento da minha vida e irá me perseguir mesmo depois da morte. (Mas posso me alegrar com a falta de provas de uma ideia tão pavorosa, que poderia se comparar a uma Coreia do Norte celestial, onde a liberdade não é só impossível, mas inconcebível.)”

Desgraçado

Crônicas como esta costumam gerar mensagens inconformadas e indignadas de muitos leitores. Vários me provocam dizendo que na hora da morte eu apelarei para Deus. Difícil. Para os deuses do palco, talvez. Há os que me acusam de me aferrar ao ateísmo com a mesma convicção que um fanático se aferra à religião. Não mesmo. Simplesmente descreio e não fundamento minha descrença com dogmas. Pelo contrário, estou aberto a mudar de ideia assim que seja descoberto o fóssil de um coelho da era pré-cambriana ou que um anjo surja brandindo sobre minha cabeça uma espada de luz. Ou que me apresentem uma mensagem convincente de um amigo morto

http://oglobo.globo.com/cultura/deus-prefere-os-ateus-12179875#ixzz2ylSdBaHJ

Offline Gigaview

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Re:Deus prefere os ateus (Tony Belotto)
« Resposta #1 Online: 13 de Abril de 2014, 11:09:03 »
Trata-se de um politeísta enrrustido que restringe os seus deuses aos limites dos palcos e que espera uma recompensa pelo desconforto que acha que estaria causando ao seu Deus Maior. Sem dúvida uma grande demonstração de fé e de comprometimento com a divindade.

Deus, em sua máxima sabedoria e benevolência ainda expressa bom humor para tolerar os caprichos dessa alma em conflito. Permitiu que brotasse em boa situação familiar, com saúde, boa aparência, inteligência e talento artístico além de fazer cruzar seu caminho a sub-divindade Malu Mader para lhe dar filhos e consolidar uma família feliz.

Na realidade, Beloto está sendo vítima da obsessão dos espíritos dos palcos. Não pecebe que seus "deuses" não passam de espíritos fanfarrões, parte de uma trupe que ainda depois de mortos insistem em se apresentar a platéias de mortos e vivos. Com potente cola ectoplasmática se fixam na carcaça carnal e desvirtuam os pensamentos de suas vítimas atraindo-os invariavelmente para o álcool, às drogas e à luxuria. Apesar da obsessão, nota-se a presença da mão divina orientando-o disciplinadamente na direção de valores nobres e no cuidado com sua família.

Talvez o texto de Beloto seja para ser compreendido ao contrário. Uma demonstração de fé. É assim que prefiro entendê-lo. Que Deus o abençoe.
Brandolini's Bullshit Asymmetry Principle: "The amount of effort necessary to refute bullshit is an order of magnitude bigger than to produce it".

Pavlov probably thought about feeding his dogs every time someone rang a bell.

Offline Fabrício

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Re:Deus prefere os ateus (Tony Belotto)
« Resposta #2 Online: 13 de Abril de 2014, 14:28:04 »
Trata-se de um politeísta enrrustido que restringe os seus deuses aos limites dos palcos e que espera uma recompensa pelo desconforto que acha que estaria causando ao seu Deus Maior. Sem dúvida uma grande demonstração de fé e de comprometimento com a divindade.

Deus, em sua máxima sabedoria e benevolência ainda expressa bom humor para tolerar os caprichos dessa alma em conflito. Permitiu que brotasse em boa situação familiar, com saúde, boa aparência, inteligência e talento artístico além de fazer cruzar seu caminho a sub-divindade Malu Mader para lhe dar filhos e consolidar uma família feliz.

Na realidade, Beloto está sendo vítima da obsessão dos espíritos dos palcos. Não pecebe que seus "deuses" não passam de espíritos fanfarrões, parte de uma trupe que ainda depois de mortos insistem em se apresentar a platéias de mortos e vivos. Com potente cola ectoplasmática se fixam na carcaça carnal e desvirtuam os pensamentos de suas vítimas atraindo-os invariavelmente para o álcool, às drogas e à luxuria. Apesar da obsessão, nota-se a presença da mão divina orientando-o disciplinadamente na direção de valores nobres e no cuidado com sua família.

Talvez o texto de Beloto seja para ser compreendido ao contrário. Uma demonstração de fé. É assim que prefiro entendê-lo. Que Deus o abençoe.

Excelente análise  :histeria:
"Deus prefere os ateus"

 

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