Da democracia para o anarcocapitalismoPublicado em 4 de junho de 2014 | por Bryan CaplanImagine defender a democracia cerca de mil anos atrás. Você esboça sua ideia básica: “Periodicamente, teremos uma eleição livre. Qualquer pessoa que queira governar pode concorrer ao cargo, todo adulto pode votar, e quem quer que ganhe o maior número de votos governará até a próxima eleição”. Como seus contemporâneos reagiriam?
Provavelmente eles o chamariam de “louco”. Por que razão? Antes que você chegasse ao segundo parágrafo do seu argumento, eles iriam interrompê-lo: “você realmente quer nos dizer que se o governo em vigor perder a eleição, eles irão transmitir o cargo pacificamente aos seus rivais?! Ah, tá bom!”
Cerca de mil anos depois, o planeta está repleto de democracias. Na maioria delas, os governantes derrotados consistentemente tomam a “louca” decisão de pacificamente se retirar do poder. Em democracias já bem-estabelecidas, esse padrão é tão familiar que tomamos como certo. Mas não deveríamos. A viabilidade da democracia é um fato incrível que demanda uma explicação.
Minha explicação começa com um exercício hipotético. Pense em um governante derrotado, por exemplo, na Suécia. Ele convoca seus companheiros para dizer, “E daí que perdemos uma eleição estúpida. Grande coisa! Devemos nos recusar a ceder o poder. Se alguém protestar, vamos matá-lo”. Como seus companheiros reagiriam?
Em um primeiro momento, os seus colegas pensariam que seu líder estava brincando. Uma piada de mau gosto, mas uma piada. Porém, se ele insistisse, seus companheiros considerariam seu líder maluco. A única ajuda que eles dariam seria chamar sua família… ou um psiquiatra. Se o líder sueco tirasse uma pistola e dissesse, “se vocês não estão comigo, estão contra mim”, seus companheiros chamariam a polícia. Se ele continuasse com a arma em punhos, a polícia sueca o prenderia. Fim da história.
A lição é: o termo “loucura” é relativo às expectativas. Cerca de mil anos atrás, todos estavam acostumados com o despotismo. Ninguém esperava que um governante derrotado voluntariamente abrisse mão do poder. Como resultado, se recusar a abrir mão do poder não parecia ser uma ideia de louco. Já que não parecia ideia de louco, os governantes que se recusavam a abrir mão do poder após perder uma eleição provavelmente conseguiriam manter-se no poder. Na Suécia moderna, em contrapartida, todos estão acostumados com a democracia. Todos esperam que um governante derrotado ceda voluntariamente o poder. Recusar-se a abrir mão do poder parece loucura. Como resultado, se recusar a abrir mão do poder hoje em dia não acabaria com a democracia, mas com a carreira do governante.
Por que levantar essa questão? Porque, como os defensores da democracia de mil anos atrás, eu defendo uma mudança política radical:
anarcocapitalismo. Depois de privatizarmos tudo, acho que deveríamos privatizar a polícia e as cortes judiciais, e abolir o governo.
Eu sei quão louco isso soa. Eu também sei que não irei mudar a cabeça de ninguém em um pequeno texto. Esse texto tem um objetivo mais modesto: convencer os céticos de que um argumento proeminente contra o anarcocapitalismo é altamente exagerado. O argumento é:
“Você realmente quer nos dizer que companhias de polícia privadas irão resolver disputas pacificamente, ao invés de se atacarem até uma única firma se tornar o novo governo?! Ah, tá certo!”Dada a atual opinião pública, esse resultado terrível é altamente provável. Todos estão acostumados com a existência do governo. Se a polícia fosse subitamente reposta por uma dúzia de empresas de segurança privada, as pessoas esperariam que os CEOs dissessem, “vamos atacar a competição e nos tornar o novo governo”. Já que as pessoas esperariam isso, muitos CEOs esperariam que tal proposta tivesse sucesso – e alguns a defenderiam. Já que esses CEOs não pareceriam loucos, muitos de seus subordinados iriam continuar seu plano – e seu plano (ou o do rival) provavelmente seria concretizado.
Até agora tudo bem. Suponha, entretanto, que um sistema anarcocapitalista estável existisse. Então essa lógica se inverte. Já que todos estão acostumados com esse sistema, as pessoas esperariam que as empresas de segurança privada amigavelmente resolvessem disputas. Em tal cenário, um CEO que defendesse uma guerra de conquista pareceria um maluco – e seus apelos a seus colegas seriam em vão. Em uma sociedade anarcocapitalista estável, um CEO belicista não conseguiria entrar em guerra. Ele seria demitido.
Já que nunca tivemos uma sociedade anarcocapitalista, esse equilíbrio pacífico parece uma miragem. Mas não é mais ilusão do que uma democracia estável. Ambos os sistemas pareceram loucos quando foram propostos pela primeira vez. Nenhum deles pode ser estável enquanto as pessoas esperam que seja instável. Mas ambos podem ser estáveis uma vez que as pessoas esperam que eles sejam estáveis.
Você poderia discordar: as expectativas necessárias para sustentar uma sociedade anarcocapitalista são bastante improváveis de acontecer. Mas o mesmo era verdade para a democracia cerca de mil anos atrás. Mesmo assim de alguma forma, as expectativas radicalmente mudaram e a democracia estável chegou. Como as expectativas mudaram tão dramaticamente? É complicado. Mas as expectativas podem mudar dramaticamente? É claro que sim.
N.A: Esse texto é para todos que acham o anarcocapitalismo “sem noção” na internet.

Tradução de Robson Silva. Revisão por Matheus Pacini. ||
Artigo OriginalBryan Caplan é professor de economia na George Mason University e autor dos livros "The Myth of the Rational Voter: Why Democracies Choose Bad Policies " e "Selfish Reasons to Have More Kids". Atualmente está escrevendo o seu novo livro, "The Case Against Education" e para o blog EconLog.
Fonte:
http://www.libertarianismo.org//artigos/da-democracia-para-o-anarcocapitalismo/