http://www.diegocasagrande.com.br/open=artigos&id=1652PT e clandestinidade
por Ipojuca Pontes
“Os comunistas devem lembrar-se de que falar a verdade é um preconceito pequeno-burguês; uma mentira, por outro lado, é muitas vezes justificada pelo fim” – Lênin
Queira-se ou não, há uma certa semelhança entre as práticas adotadas por Lênin para a tomada e manutenção do poder na antiga Rússia Soviética e, na fase atual da vida brasileira, algumas prescrições levadas a efeito por lideranças do PT, não apenas no período de formação do partido hegemônico, mas dentro do próprio aparelho governamental quando, há dois anos e meio, dele se assenhoreou. Refiro-me, em especial, a adoção pelo líder bolchevique do apelo à clandestinidade, “instituto” político que articulou sem nenhuma inibição e com notável ousadia.
Com efeito, objetivando melhores condições para garantir a organização da luta revolucionária, Lênin impôs aos filiados do bolchevismo, amparado numa hierarquia fortemente centralizada, a ambígua tática de atuar ora às claras, segundo as proposições políticas em debate e votação na Duma (o parlamento da Rússia pré-revolucionária), ora de forma dissimulada, inversa ao que propunha ou acordava. Fiel ao credo da ação oculta, havia, por assim dizer, na prática política formulada por Lênin, um bolchevismo “legal” e outro “ilegal”, atuando de conformidade com as circunstâncias, não apenas contra as forças reacionárias do czarismo e da burguesia, mas, em especial, contra os grupos partidários que desejavam a “instauração do socialismo”, os mencheviques e os socialistas revolucionários que não aceitavam o controle e as “teses de abril” do camarada Vladimir Ilitch, estas, em essência, uma série de considerações teóricas que propugnava pela radical “passagem da produção social e a repartição dos produtos para o controle dos sovietes” – o velho comunismo.
Para Lênin, a democracia representativa não passava de engodo burguês. E ele, que vivera exilado nos desvãos da clandestinidade em virtude da repressão exercida pela polícia secreta czarista, com a fria determinação de chegar ao poder pelas vias revolucionárias, não pestanejou em aderir aos métodos apontados por S. Netchaiev no seu “Catecismo Revolucionário”, um repositório doutrinário que visava destruir o Império Russo pela implantação até mesmo do crime organizado, posto em marcha dentro e fora do aparelho do Estado. Netchaiev, ele próprio um revolucionário dos anos 1870, intuíra que a transformação radical da sociedade só poderia ocorrer pela ação “avançada” de “profissionais da revolução”, capaz de mobilizar o levante proletário. No entanto, ao partir para a “ação transformadora”, após cometer vários delitos que culminaram com a punição de membro de “núcleo revolucionário” clandestino, Netchaiev foi preso e terminou seus dias na Fortaleza de Pedro e Paulo, em São Petersburgo.
De fato, em que pese ser considerado o gênio que materializou as teorias de Marx e formulou o conceito da revolução moderna, Lênin jamais desprezou os ensinamentos de Netchaeiv, sobremodo nos dez anos que precederam a tomada do poder, quando adotou como sistema, para atingir os fins revolucionários, uma série de práticas criminosas recomendadas pelo fanático, que, a um só tempo, compreendiam as “apropriações públicas e privadas”, fraudes, delações, chantagens, aliciamentos, falsificação de documentos e assassinatos em profusão.
Ainda que em minoria, mas assumindo a duplicidade de ações políticas “legais” e “ilegais”, habilmente manejada ora para o “público externo” ora para o restrito “público interno”, Lênin foi extraordinariamente bem sucedido e em pouco mais de dez anos levou o Partido Bolchevique a tomar o poder após desfechar um encarniçado golpe de Estado sobre o Governo Provisório. Uma vez à frente do Conselho dos Comissários do Povo, sempre estimulando nos bastidores a ação política da ocultação de propósitos, o líder russo estabeleceu rígido controle sobre o partido ao impor a cadência marcial do Centralismo Democrático, um ditatorial esquema de mando, partindo em seguida para a edificação da “obra socialista”, inicialmente concentrada nas seguintes medidas: 1) confisco de bens e propriedades privadas para as mãos dos sovietes (conselhos) e a consecução de caudal de “reformas revolucionárias” em instâncias diversas, 2) ampliação da burocracia e criação de incontáveis ministérios, 3) completo aparelhamento do Estado pela incorporação dos quadros partidários a maquina administrativa, 4) uso dos serviços da polícia política e da inteligência para fins de controle e espionagem e, por último, mas não menos importante, 5) a expansão de sofisticados sistemas de propaganda e desinformação com o objetivo de anular os adversários, seduzir as massas e institucionalizar, a cada qüinqüênio, a infinita indústria de planos (promessas) para manutenção do poder.
Por sua vez, com o objetivo de aniquilar os adversários, o pai da revolução russa, com a ajuda da implacável Cheka, promoveu a criação de campos de concentração e fuzilamentos em série, sem esquecer, no âmbito “externo” e “interno”, da compra de aliados para a sustentação do novo regime. Assim, para aliciar os socialistas na Europa e dentro da Rússia, Lênin contratou os serviços do notório “Camarada Thomas” (o Marcos Valério da época), que dispunha de milhões em dinheiro, jóias e ouro saqueados da burguesia para comprar futuros camaradas e estabelecer um esquema internacional de propaganda e espionagem.
Na ativa caminhada do PT, para fins de conquista e manutenção do poder, a estratégia posta em prática por facção de sua liderança, ao que se indica, reedita na quase inteireza o esquema da clandestinidade adotado por Lênin, mormente na escalada da “desapropriação dos fundos públicos” e no aliciamento de aliados políticos para a ampliação do poder, assunto que hoje esgota a vida nacional.