O que nos aguarda e o que deve ser feitopor
Leandro Roque, quarta-feira, 3 de dezembro de 2014
Dilma Rousseff passou toda a sua campanha à reeleição demonizando banqueiros, dizendo que eles literalmente iriam
roubar a comida do prato dos pobres caso estivessem no comando da economia.
Inicialmente, o alvo favorito de Dilma foi Marina Silva, cuja coordenadora da campanha, Maria Alice Setubal — mais conhecida como
Neca Setubal —, era herdeira do Itaú.
Depois, já no segundo turno, o alvo passou a ser Aécio Neves e seu eventual Ministro da Fazenda, Armínio Fraga, que foi tratado como um moleque de recados do mercado financeiro e acusado de gostar juros altos com o único objetivo de fazer a alegria dos banqueiros.
Porém, tão logo as urnas sacramentaram sua vitória apertada, Dilma deixou a retórica de lado e foi se ajoelhar perante o
todo-poderoso presidente do conselho de administração do Bradesco, Lázaro Brandão — a quem carinhosamente chama de "Seu Brandão" —, pedindo que ele liberasse um de seus melhores funcionários, ninguém menos que o atual presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, para ser seu futuro Ministro da Fazenda.
Após a recusa de Trabuco, Dilma seguiu ajoelhada e implorou por outro manda-chuva do Bradesco: Joaquim Levy, diretor superintendente do Bradesco Asset Management, braço dos fundos de investimento do banco.
Levy aceitou.
O curioso é que Neca Setúbal nem sequer é banqueira; é apenas uma herdeira. Ela não trabalha com bancos; é educadora. Já Lázaro Brandão, Trabuco e Joaquim Levy são banqueiros no sentido mais clássico do termo.
Uma conclusão: para Dilma, banqueiros maus só os do Itaú. Os do Bradesco aparentemente são dotados de alguma sensibilidade social.
Uma ironia: economista com doutorado pela Universidade de Chicago e detentor de inquestionáveis credenciais ortodoxas — é conhecido como
Joaquim Mãos de Tesoura, pois por onde passou cortou gastos e trancou os cofres —, Joaquim Levy não apenas é um grande amigo de Armínio Fraga, como também
foi seu aluno e deu conselhos econômicos para a campanha de Aécio.
Ou seja, após dizer que se Marina Silva ganhasse as eleições os banqueiros do Itaú comandariam a economia, e que se Aécio ganhasse as eleições Armínio Fraga comandaria a economia ajoelhado perante o mercado financeiro, Dilma ganhou as eleições e quem vai comandar a economia é um Chicago boy do Bradesco, que foi aluno de Armínio e que deu conselhos para a equipe econômica de Aécio.
Quem é Joaquim LevyAinda no final de 2002, quando Antonio Palocci estava à procura de quadros qualificados — leia-se: não ligados ao PT — para compor sua futura equipe econômica, Joaquim Levy foi recomendado a Palocci por Armínio Fraga. Além de Levy, Armínio também indicou Marcos Lisboa e Murilo Portugal, os quais também foram prontamente efetivados.
Levy tornou-se Secretário do Tesouro no primeiro mandato de Lula, função essa que hoje é exercida pelo pavoroso
Arno Augustin.
Nessa função, Levy foi odiado pelos radicais do PT, que viam nele um tecnocrata imune às demandas por mais gastança. Se, de um lado, ele se mostrou inflexível a todas as propostas de aumentar os gastos, de outro, ele não teve nenhum problema em aumentar impostos. A alíquota da COFINS
subiu de 3% para 7,6% ao passo que a base de cálculo da CSLL
foi alargada, o que aumentou a arrecadação.
Vista por esse prisma, a indicação de Levy por Dilma realmente não é de todo incoerente.
Mas há pontos positivos. No início de sua gestão no Tesouro, a TJLP, que é a taxa de juros dos empréstimos do BNDES, foi elevada para 12%. Atualmente está em 5%. Ironicamente, também durante sua gestão, houve uma
proposta de capitalização do BNDES, que receberia uma injeção de dinheiro público. Tal medida sofreu resistência implacável de Levy, e não foi efetivada enquanto ele ocupou a função. Já o atual Secretário do Tesouro, Arno Augustin, não apenas abriu completamente os cofres e liberou verbas bilionárias, como também utilizou o BNDES em operações "
contabilmente criativas" para maquiar as contas públicas.
Com mestrado em economia pela FGV e com doutorado pela Universidade de Chicago, Levy já trabalhou no FMI e no Banco Central Europeu. Quando foi o secretário do Tesouro de Lula, de 2003 a março de 2006, teve conflitos duros com a própria Dilma Roussef, que era ministra de Minas e Energia. Quando a então equipe econômica quis implantar um programa que limitaria o crescimento dos gastos com custeio, pessoal e até mesmo com políticas sociais, Dilma veio a público irritada e classificou o programa como "rudimentar".
Disse ela: "despesa corrente é vida".
A mandatária, pelo visto, não pode ser acusada de incoerente. Seu primeiro mandato presidencial foi pautado exatamente por essa visão de mundo.
Levy saiu do Tesouro em março de 2006 após a demissão de Palocci e foi para o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Mas voltou ao Brasil já em janeiro de 2007 para ser o Secretário da Fazenda do estado do Rio de Janeiro no primeiro mandato de Sérgio Cabral. Após dois governos desastrosos do casal Garotinho, as finanças do estado estavam em frangalhos. Levy conseguiu fazer um ajuste fiscal e, ao equilibrar as finanças, fez com que o estado do Rio fosse
o primeiro estado brasileiro a receber o "grau de investimento" da Standard & Poor's.
Saiu do cargo em março de 2010 e foi para o Bradesco, onde atua na direção de gestão de fundos de investimentos e ganha algo em torno de R$250 mil por mês. Como ministro, ganhará R$26 mil. Não há motivos para crer que ele aceitaria trocar esse belo emprego no Bradesco para virar um mero capacho de Dilma e ganhar bem menos.
O lado positivo é que Levy já mostrou que sabe equilibrar orçamentos e não tem muito problema em segurar gastos. O lado negativo é que ele costuma equilibrar orçamentos aumentando impostos.
E já circulam pelos bastidores promessas de
retorno da CIDE, elevação da alíquota do PIS e da COFINS sobre produtos importados, e aumento da tributação sobre cosméticos.
Já se fala também na volta da CPMF (
que está sendo articulada por governadores do PT), na tributação de dividendos e na extinção dos juros sobre capital próprio (
também projetos de deputados do PT).
Ou seja, se o governo realmente decidir fazer um "ajuste fiscal", pode preparar seu bolso.
O resumo da encrencaAparentemente, o ano de 2015 já está perdido.
O estrago feito nos últimos anos foi enorme e o conserto não será nem rápido e nem indolor.
O trio Guido Mantega (Fazenda), Arno Augustin (Tesouro) e Márcio Holland (Secretária de Política Econômica) deixou um legado desastroso, de modo que o simples anúncio da saída destes senhores já é motivo de comemoração.
As últimas notícias econômicas são desalentadoras.
Em primeiro lugar, a economia está, na melhor das hipóteses, estagnada há 15 meses. Dos últimos 5 trimestres, a economia encolheu em três deles e ficou parada em um.

Mesmo esse crescimento de 0,1% divulgado para o terceiro trimestre deste ano não é nada alentador, uma vez que, em relação ao terceiro trimestre de 2013, o PIB do terceiro trimestre de 2014
encolheu 0,2%.
O endividamento das famílias (que
segue em níveis recordes) em conjunto com a carestia (que não dá sinais de arrefecimento) derrubou o consumo das famílias.

Os investimentos, que vinham encolhendo há 4 trimestres seguidos, apresentaram uma ligeira retomada. Mas crescer 1,3% após terem encolhido 12% em quatro trimestres seguidos não é nada alvissareiro.

O problema é que os números são piores do que parecem: na comparação com o terceiro trimestre de 2013, houve uma
queda de 8,5% nos investimentos do terceiro trimestre de 2014, o que indica que a confiança dos empresários segue definhando.
E, de fato, a confiança do empresariado atingiu o menor valor da série histórica.

Isso se reflete na indústria, onde a carnificina se intensificou. Nos últimos 10 trimestres, a produção industrial encolheu em 9 deles (em relação ao mesmo mês do ano anterior).

Já a confiança do consumidor despencou para o
menor nível desde 2008.

A taxa de câmbio se desvalorizou continuamente desde meados de 2011, com o real se enfraquecendo quase 40% em relação ao dólar.

A inflação de preços acumulada em 12 meses passa longe da meta, de 4,5%, desde 2011, e se mantém teimosamente acima do teto da meta, de 6,5%:

E quando analisada mais pontualmente, a carestia se revela ainda mais descontrolada. A inflação de preços acumulada em 12 meses no setor de serviços está em
8,50%, e a de bens não-duráveis, como alimentação e bebidas, está em
6,74%.
Já a situação real das contas públicas do Brasil está entre as piores do mundo. Para começar, o superávit primário (receitas menos despesas, sem incluir o pagamento de juros da dívida) deixou de existir, e agora os déficits primários, que
não ocorriam desde 1997, passaram a ser a norma.
E, no acumulado no ano, o déficit nominal (receitas totais menos despesas totais, incluindo o pagamento de juros da dívida) já alcançou
R$224,4 bilhões, sendo que no ano passado, nesse mesmo período, ele havia sido de R$132,2 bilhões.
Nos últimos doze meses, o déficit nominal foi de R$249,7 bilhões, o que equivale a 4,92% do PIB,
a maior taxa em 11 anos.
Este patamar só é igualado ou superado por EUA, Reino Unido, Japão, Índia e África do Sul.
O gráfico abaixo mostra uma projeção, otimista, do FMI para todo o ano de 2014.
Este artigo explica em mais detalhes as atuais manobras do governo para, na prática, acabar com o superávit primário. O que importa, no entanto, é que déficits no orçamento do governo (sejam eles primário ou nominal) são financiados pela emissão de títulos do Tesouro. E esses títulos do Tesouro são majoritariamente comprados pelos bancos por
meio da criação de dinheiro.
Portanto, os déficits do governo são uma medida inerentemente inflacionária. Será difícil reduzir a atual inflação de preços se o governo não equilibrar seu orçamento.
Como consequência desses crescentes déficits nominais, a dívida bruta do governo já alcançou R$3,05 trilhões em outubro,
equivalente a 61,7% do PIB. Para que se tenha uma ideia, no final de 2013, a dívida bruta do Brasil estava em
56,7% do PIB.
Caso essa rota não seja alterada, o Brasil pode perder o grau de investimento (investment grade) da Standard & Poor's. Como consequência, fundos estrangeiros que investem no Brasil terão, por questões legais, de retirar seus dólares daqui. Isso geraria uma saída maciça de capitais do Brasil, com consequências desastrosas para a taxa de câmbio e, consequentemente, para a inflação de preços.
E o que tudo isso gerou? Essa série de notícias fala por si:
Emprego tem o pior abril em 15 anos, mostra CagedBrasil tem menor abertura de vagas formais para julho em 15 anos, mostra CagedCriação de vagas até agosto é a pior da série históricaCriação de empregos formais tem pior mês de setembro em 13 anosPaís fechou 30 mil vagas formais em outubro, informa governoA taxa de desemprego só não sobe porque, como explicado em detalhes
neste artigo, o número de pessoas economicamente ativa e à procura de emprego está caindo. Se as pessoas param de procurar emprego, elas não entram na estatística de desemprego.
Só que a riqueza de um país não é determinada pela taxa de desemprego, mas sim pela quantidade de pessoas que trabalham. E, como mostra a linha vermelha abaixo, o número de pessoas empregadas não avançou nada desde meados de 2012.

Com todos esses feitos, o resultado não poderia ser outro:
pesquisa recentemente divulgada pelo IPEA — a qual foi convenientemente deixada para ser publicada somente após as eleições — mostra que, após 10 anos, o número de miseráveis voltou a subir no Brasil. O aumento foi de 3,7%.
O que terá de ser feitoOs resultados acima mostram o fracasso de mais um experimento heterodoxo no Brasil.
Após 4 anos de intensa aplicação, a
Nova Matriz Econômica — que se baseia em política fiscal expansionista, juros baixos, crédito subsidiado, câmbio desvalorizado e aumento das tarifas de importação para "estimular" a indústria nacional — logrou apenas
recessão,
queda nos investimentos,
queda na produção industrial,
aumento nas falências,
aumento na inadimplência,
desânimo no setor de serviços e, como mostra o gráfico acima, estagnação na criação de empregos.
A troca da equipe econômica, com a demissão de Guido Mantega, Arno Augustin e Márcio Holland, e a nomeação de Joaquim Levy, representa um reconhecimento tácito desse fracasso por parte de Dilma.
Já é um bom começo.
Mas e aí? O que deve ser feito?
Mais em:
http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1984Leandro Roque é o editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.