Autor Tópico: Produção científica e lixo acadêmico no Brasil  (Lida 1904 vezes)

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Rhyan

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Produção científica e lixo acadêmico no Brasil
« Online: 07 de Janeiro de 2015, 02:01:26 »
ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE

TENDÊNCIAS/DEBATES

Produção científica e lixo acadêmico no Brasil

A resistência dos medíocres e a falta de coragem política das autoridades impedem o crescimento da ciência de alta qualidade no nosso país


Dois artigos publicados recentemente pela revista britânica "Nature", especializada em ciência, deixam o Brasil e, em especial, a comunidade acadêmica brasileira, profundamente envergonhados.

A "Nature" nos acusa, em primeiro lugar, de produzir mais lixo do que conhecimento em ciência. Nas revistas mais severas quanto à qualidade de ciência, selecionadas como de excelência pelo periódico, cientistas brasileiros preenchem apenas 1% das publicações.

Quando se incluem revistas menos qualificadas, porém, ainda incluídas dentre as indexadas, o Brasil se responsabiliza por 2,5%. O que a "Nature" generosamente omite são as publicações em revistas não indexadas, que contêm número significativo de publicações brasileiras, um verdadeiro lixo acadêmico.

O segundo golpe humilhante para a ciência brasileira exposto pela revista se refere à eficiência no uso de recursos aplicados à pesquisa. Dentre 53 países analisados, o Brasil está em 50º lugar. Melhor apenas que Egito, Turquia e Malásia.

Tomemos um exemplo. O Brasil publicou 670 artigos em revistas de grande prestígio, enquanto no mesmo período o Chile publicou 717, nessas mesmas revistas. O dado profundamente inquietante é que enquanto o Brasil despendeu em ciência US$ 30 bilhões, o Chile gastou apenas US$ 2 bilhões.

Quer dizer, o Chile, que aliás não está entre os primeiros em eficiência no mundo científico, é 15 vezes mais eficiente que o Brasil. Alguma coisa está errada, profundamente errada. A academia brasileira, isto é, universidades e institutos de pesquisas produzem mais pesquisa de baixa do que de boa qualidade e as produz a custos muito elevados. Há certamente causas, talvez muitas, para essa inadequação.

A primeira decorre de um "distributivismo" demagógico. É evidente que seria desejável que novos centros de pesquisas se desenvolvessem em regiões ainda não desenvolvidas do país. Mas é um erro crasso esperar que uma atividade de pesquisas qualquer venha a desenvolver economicamente uma região sem cultura adequada para conviver com essa pesquisa.

Seria desejável que investimentos maciços fossem aplicados em pesquisas em instituições localizadas em regiões pouco desenvolvidas, mas cujo meio ambiente é capaz de absorver os benefícios dessa inserção.

O segundo mal que é causa inquestionável da diminuta e dispendiosa produção de conhecimento é o obsoleto regime de trabalho que regula a mão de obra do setor de pesquisas em universidades públicas e na maioria dos institutos.

O pesquisador faz um concurso --frequentemente falsificado-- no começo de sua carreira. Torna-se vitalício. Quase sempre não precisa trabalhar para ter aumento de salário e galgar postos em sua carreira. Ora, qual seria, então, a motivação para fazer pesquisas?

O terceiro problema é o sistema de gestão de universidades públicas e instituições de pesquisa, cuja burocracia soterra qualquer iniciativa dos poucos bem-intencionados professores e pesquisadores que ainda não esmoreceram.

Pois bem. Há uma fórmula que evita todos esses males e que já foi experimentada com sucesso em algumas das instituições científicas do Brasil: a organização social. A resistência dos medíocres e parasitas e a falta de coragem política de algumas de nossas autoridades impedem a solução desse problema.

ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE, físico, é professor emérito da Unicamp e membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia e do Conselho Editorial da Folha

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/202892-producao-cientifica-e-lixo-academico-no-brasil.shtml

Offline Dream

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Re:Produção científica e lixo acadêmico no Brasil
« Resposta #1 Online: 07 de Janeiro de 2015, 04:05:06 »
Também tem o problema da mentalidade "publish or perish", que é até mais amplo que só do Brasil, onde os pesquisadores só são avaliados pela quantidade de publicações, o que gera correria e publicações fatiadas para render mais. Cientistas como Gauss e Einstein não teriam lugar nessa ideia de quantidade sendo o mais importante.
There was a most ingenious Architect who had contrived a new method for building houses, by beginning at the Roof, and working downwards to the foundation.
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Offline Dr. Manhattan

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Re:Produção científica e lixo acadêmico no Brasil
« Resposta #2 Online: 07 de Janeiro de 2015, 08:40:51 »
Não sei quanto ao Gauss, mas que eu saiba Einstein manteve uma taxa de publicação bastante alta. Por outro lado, outros cientistas publicavam com menos frequência. Creio que Schroedinger publicou durante sua vida pouco mais de 100 artigos.

Na verdade, o problema que fica implícito nesse texto não é tanto o publish or perish, mas o fato de que muitos pesquisadores brasileiros nem tentam produzir algo mais significativo. Já testemunhei casos de pessoas que poderiam publicar um artigo razoável, mas resolvem separá-lo em 2 ou 3 artigos medíocres para aumentar o volume de publicações. Outros fazem um trabalho que eles sabem que é pouco relevante, mas que pode ser feito rapidamente, e mandam para revistas de baixa qualidade. Isso não é só culpa dos pesquisadores individualmente, pois muitas vezes estes são pressionados pelos seus departamentos para publicarem muito e rápido, para melhorar a avaliação dos programas de pós-graduação.

Existem formas de combater esse tipo de prática. Por exemplo, os comitês do CNPq já estão começando a levar em conta o número de citações e o fator h dos autores para avaliar pedidos de bolsa e de projetos. Eles fazem isso pegando os dados de serviços como o Web of Science.
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Offline Rocky Joe

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Re:Produção científica e lixo acadêmico no Brasil
« Resposta #3 Online: 07 de Janeiro de 2015, 13:00:40 »
Citar
A primeira decorre de um "distributivismo" demagógico. É evidente que seria desejável que novos centros de pesquisas se desenvolvessem em regiões ainda não desenvolvidas do país. Mas é um erro crasso esperar que uma atividade de pesquisas qualquer venha a desenvolver economicamente uma região sem cultura adequada para conviver com essa pesquisa.

Não se precisa de 'cultura' específica para se fazer ciência - ciência é uma linguagem universal. O problema é provavelmente a falta de interesse e motivação. Dado que a recompensa não é grande (nem social nem financeira) e fazer ciência de qualidade no Brasil não é algo fácil, não estranho que em regiões com pouca população não tenham pessoas o suficiente. Quando entrei para o curso de física, mais da metade gostaria de mudar para alguma engenharia eventualmente.

Como mudar isso? Sei lá, mas não acho que o Rio ou SP, por exemplo, tenham mais 'cultura' - só tem mais gente e, logo, mais probabilidade de malucos.

Citar
O pesquisador faz um concurso --frequentemente falsificado-- no começo de sua carreira. Torna-se vitalício. Quase sempre não precisa trabalhar para ter aumento de salário e galgar postos em sua carreira. Ora, qual seria, então, a motivação para fazer pesquisas?

Pressão dos pares? As poucas pessoas que conheci com falta de motivação eram pessoas quase já aposentando, de outros tempos, e isso na minha universidade que era fora do centro. Onde estudo agora, é comum professores irem no final de semana pesquisar e alguns (solteiros! :P) às vezes até dormem lá.

Mas  no que as universidades no exterior diferem disso? Os salários são decididos de acordo com a produção acadêmica?

E procede que os concursos são frequentemente falsificados?

No mais, a crítica da pouca qualidade procede, claro.

Uma coisa que me incomoda muito é como todos os lugares onde vou, há três mil e quatrocentos picuinhas entre grupos de pesquisa. Mas isso talvez seja universal.

Offline Dr. Manhattan

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Re:Produção científica e lixo acadêmico no Brasil
« Resposta #4 Online: 07 de Janeiro de 2015, 13:28:43 »
Alguns fatos: pesquisadores ganham pouco em qualquer lugar do mundo. O fato é que boa parte continua trabalhando com pesquisa por que gosta mesmo ou por falta de perspectiva de emprego fora da academia.

Concursos: essa é uma questão delicada. Uma empresa particular tem a liberdade de contratar quem ela quiser, usando os critérios que quiser. Daí que se um estagiário está mostrando competência, ele tem chance de ser contratado. Além disso, como não existe estabilidade, uma má escolha pode ser resolvida numa canetada do chefe. Numa universidade pública existe a exigência de concursos e além disso os professores têm estabilidade. Daí que, se um departamento sabe que existe um pós-doc competente trabalhando lá, ele mesmo assim teria que abrir as portas para candidatos desconhecidos que trabalhem na mesma área. Um risco disso é que o tal pós-doc acabe indo para outro centro e eles acabem contratando um desconhecido que pode demonstrar ser um fdp mau caráter - mas com estabilidade (já vi isso acontecer). Ou pode acontecer de se contratar um sujeito que na verdade não está vendo a hora de passar num concurso em outro lugar (por sinal, Eu já fui esse sujeito). O correto então é que, se o departamento estiver interessado num certo candidato, que trabalha (digamos) com a pata dianteira esquerda do mosquito da dengue, que ele faça um edital exigindo candidatos que sejam especialistas na pata esquerda do mosquito da dengue. Até aí, não vejo problemas.

O problema acontece (e acontece com frequência) quando em lugar do critério "competência" é usado o critério "amizade" ou "disposição-para-colocar-meu-nome-nos-seus-artigos". E também quando, mesmo que se esteja querendo um especialista na pata... etc. do mosquito da dengue, se faça um edital exigindo conhecimento de insetos - podem então aparecer N candidatos com Mais competência do que o Desejado e que acabem sendo injustiçados. Esse tipo de coisa acontece em todo o país. Eu já soube de histórias envolvendo a USP, por exemplo. Curiosamente, isso é até menos provável de acontecer em lugares menores e mais distantes, por estes atraírem geralmente poucos candidatos.

Agora, isso é problema só do Brasil? De forma alguma. Já vi isso acontecer na Europa, por exemplo. Na minha opinião, a melhor solução é a das universidades americanas: os departamentos têm grande liberdade para escolher seus candidatos (muitas vezes apenas por indicação da comunidade) e é preciso ralar bastante para merecer a estabilidade (tenure) [1].


[1] A tenure pode ser negada, o que é sinal para o/a professor/a em questão fazer as malas e dar o fora. Isso aconteceu com gente famosa, como Carl Sagan (tenure recusada por Harvard, acho) e Thomas Khun.
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Rhyan

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Re:Produção científica e lixo acadêmico no Brasil
« Resposta #5 Online: 07 de Janeiro de 2015, 15:18:22 »
Vocês já devem ter lido isso mas vou postar: http://www.uel.br/cce/fisica/pet/EnsinoRichardFeynman.pdf

Offline Dr. Manhattan

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Re:Produção científica e lixo acadêmico no Brasil
« Resposta #6 Online: 07 de Janeiro de 2015, 15:22:09 »
Vocês já devem ter lido isso mas vou postar: http://www.uel.br/cce/fisica/pet/EnsinoRichardFeynman.pdf

Vale lembrar que Feynman lecionou no Brasil na década de 50, e portanto sua avaliação reflete a realidade da época. Hoje posso dizer com toda certeza que os estudantes de Física dos bons cursos brasileiros não fazem feio perante seus colegas americanos.
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Offline Rocky Joe

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Re:Produção científica e lixo acadêmico no Brasil
« Resposta #7 Online: 07 de Janeiro de 2015, 15:54:07 »
Obrigado pela resposta, Manhattan!

Offtopic: eu acho curioso como é comum pessoas escreverem errado o nome do Thomas Kuhn. Será que é influência do Gengis Khan? :lol: Tira o h e ficamos com Thomas-kun, muito melhor. :P

Offline Dr. Manhattan

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Re:Produção científica e lixo acadêmico no Brasil
« Resposta #8 Online: 07 de Janeiro de 2015, 15:58:22 »
Enquanto o "n" permanecer, não tem problema de errar o "h". :)
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Alan Watts

Offline Skeptikós

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Re:Produção científica e lixo acadêmico no Brasil
« Resposta #9 Online: 07 de Janeiro de 2015, 16:09:52 »
(...)Existem formas de combater esse tipo de prática. Por exemplo, os comitês do CNPq já estão começando a levar em conta o número de citações e o fator h dos autores para avaliar pedidos de bolsa e de projetos.
Isso não garante que os problemas de estudos, pesquisas e autores produzindo ciência de baixa qualidade e dos institutos estarem realizando avaliação ineficiente de onde aplicar seus investimentos sejam resolvidos. Neste caso os problemas podem se tornar outros:
Abraços!
"Che non men che saper dubbiar m'aggrada."
"E, não menos que saber, duvidar me agrada."

Dante, Inferno, XI, 93; cit. p/ Montaigne, Os ensaios, Uma seleção, I, XXV, p. 93; org. de M. A. Screech, trad. de Rosa Freire D'aguiar

Offline Rocky Joe

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Re:Produção científica e lixo acadêmico no Brasil
« Resposta #10 Online: 07 de Janeiro de 2015, 16:20:34 »
O post do Sképticos me lembrou que o Bell publicou seu achado mais famoso, o teorema de Bell, em uma revista pequena e que em pouco tempo deixou de existir. A discussão sobre fundamentos da Mecânica Quântica foi mal vista, com até desincentivo para pesquisas correlatas, embora, acredito, houve importantes contribuições independente do que afinal de contas é a Mecânica Quântica (descoerência, entender melhor o emaranhamento, sei lá o que mais).

Mas, sem pensar muito, acho que esse tipo de coisa é inevitável. É difícil saber qual área de pesquisa será frutífera, e um determinado mundo acadêmico sempre tem suas preferências. Quem pesquisa fora do 'mainstream' acabará publicando em revistas menores e tendo menos citação. E é difícil pensar em uma alternativa para avaliar pessoas para concursos/recursos.

Offline Sergiomgbr

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Re:Produção científica e lixo acadêmico no Brasil
« Resposta #11 Online: 07 de Janeiro de 2015, 17:45:42 »


Não se precisa de 'cultura' específica para se fazer ciência


Verdade, mas se precisa talvez do contrário, de cultura não específica, muito possivelmente. O fato é que certas culturas religiosas podem sim, desencorajar bastante o florescimento científico de seus partícipes.

O que eu vejo que acontece no Brasil é que certamente há um substrato cultural tão notório quanto eventualmente pouco perceptível que pode passar desde a língua portuguesa conjecturalmente, à evidente contundência do clima equatorial nos ânimos do ser vivente, se positivamente ou negativamente, não sei.
Até onde eu sei eu não sei.

Offline Rocky Joe

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Re:Produção científica e lixo acadêmico no Brasil
« Resposta #12 Online: 07 de Janeiro de 2015, 19:58:53 »
Citar
Verdade, mas se precisa talvez do contrário, de cultura não específica, muito possivelmente. O fato é que certas culturas religiosas podem sim, desencorajar bastante o florescimento científico de seus partícipes.

Sim, sim. Mas nesse ponto não acho - achismo mesmo - que estejamos piores que outros países.

Offline Buckaroo Banzai

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Re:Produção científica e lixo acadêmico no Brasil
« Resposta #13 Online: 25 de Junho de 2016, 21:22:17 »
<a href="https://www.youtube.com/v/l0_p0PjT_eo" target="_blank" class="new_win">https://www.youtube.com/v/l0_p0PjT_eo</a>

Avance direto para 0:50 se não quiser só ouvir ela listando coisas que a ciência nos deu no que eu imagino, pretende ser cômico.



No Brasil também tem disso?

 

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