Sem tempo para me alongar* vou tentar exemplificar a minha resposta acima com um exemplo muito óbvio, possivelmente o mais óbvio e didático de todos. Creio que nem o DDV nem qualquer outro negue que a proporção de testosterona na parte masculina da espécie humana é tipicamente muito superior à proporção do mesmo hormônio correndo nas veias de um ser humano xx e não se trata de algo culturalmente imposto, portanto possuir entre menos de 300pg/ml deste hormônio é uma característica feminina e acima deste mesmo valor uma característica masculina, certo? (alguém pode argumentar que há homens com menos e mulheres com mais que isso, e há seres humanos que nascem sem pernas e nem por isso deixamos de dizer que seres humanos são bípedes)
Dirá o DDV sobre a afirmação que refutei que a testosterona é um hormônio relacionado ao aparecimento de caracteres sexuais que despertam a libido das fêmeas (músculos fortes, voz de locutor, barba...) além de despertar também o desejo masculino pelas fêmeas nos seus portadores. É portanto um hormônio relacionado aos comportamentos relacionados à atração sexual e corte, o que não afeta em nada a sua tese... ainda.
Só que, infelizmente, a testosterona é um hormônio que está também sabidamente relacionado à agressividade intraespecífica... à facilidade de localização... ao estresse.
A isso chamamos de pleiotropia, que é o fenômeno pelo qual um mesmo gene ou conjunto de genes controlam uma série de aspectos diferentes da biologia do indivíduo.
Efeito carona é quase a mesma coisa: acontece quando dois genes distintos ficam muito próximos um do outro de modo que eventuais eventos de crossing over carregam quase sempre ambos aos pares. O efeito é basicamente o mesmo embora este mecanismo seja mais plástico (porque pode ocorrer mutação em um dos dois genes sem afetar em nada o outro) e menos estável (porque embora baixo, sempre há o risco de um crossing cortar a fita bem entre os genes, os separando e gerando indivíduos com mecanismos de atração sexual sem sentido adaptativo).
Geralmente as características biológicas envolvidas em comportamento de corte e atração estão linkadas por um dos dois mecanismos distintos citados acima a alguma caracteristica que nada tenha a ver com o ato sexual em si mas sim a alguma aptidão ou comportamento. Caracteres sexuais tão distintos (voz, distribuição de gordura, desenvolvimento muscular, pelos, hemácias por milímitro cúbico...) como na nossa espécie só são esperados quando os comportamentos e aptidões são também distintos. Os caracteres de seleção e corte só são importantes porque servem como "bússola" para o parceiro que está cortejando ou decidindo se aceita ou não a corte em função de suas qualidades de importância adaptativa. **
Não, gênero não é uma construção (meramente) social. Por mais que se xingue a natureza e se esperneie e se faça pirraça e que se diga "não pode, não pode, biologia evolutiva boba e feia***" a natureza não está nem tchum pra nós e pros nosso ideal de "somos todos idênticos". Ela selecionou sim senhores padrões de aptidões e comportamentos distintos para homens e mulheres (no geral) e esta seleção está indisputavelmente linkada com os padrões de diferenças físicas.
É óbvio que estas diferenças se distribuem gaussianamente e são muitas e influenciadas por diversos fatores genéticos, epigenéticos e ambientais então é possível um homem com uma bunda um pouco maior ou uma mulher com uma voz mais grossa ou mais aptidão que a média para contas. Do mesmo modo dizer que homens em geral tem mais músculos não significa dizer que mulheres não têm músculo algum, do mesmo modo dizer que homens em geral são mais agressivos entre si não significa dizer que nunca haverá de duas mulheres se estapearem.Eu acho que é neste parágrafo que muitos de vocês se perdem (como com aquele negócio de postar mulheres armadas no outro tópico como se isso anulasse um padrão que é resultado do somatório de inúmeras curvas de distribuição gaussiana).
*Depois de inúmeras edições este trecho ficou sem sentido algum rs
**Deveria estar implícito mas sei lá, não é que o parceiro escolha "vou me casar com aquele barbudo de voz grossa e límpida porque ele deve saber se localizar no ambiente ou vou escolher aquele da cauda bonita porque ele tem poucos vermes", é que o fato de uma qualidade estar geneticamente ligada a outra faz com que as fêmeas que escolham os machos (ou vice-versa) com a caracteristica A (às vezes meramente física e sem vantagem direta alguma, como um padrão de plumagem ou uma pinta na testa) acabem sendo beneficiadas por levarem junto a característica B (frequentemente comportamental ou de aptidão e que estabeleça uma vantagem biológica, como alguma proteção contra um tipo específico de parasitas ou uma maior facilidade em enxergar no escuro) e este padrão de seleção acaba tornando-se dominante ou mesmo se fixando ao longo do tempo evolutivo.
*** "A mãe natureza é uma bruxa velha e má", George Willians, biólogo evolutivo estadunidense.