Autor Tópico: Desigualdade social: pobreza absoluta e pobreza relativa  (Lida 3493 vezes)

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Desigualdade social: pobreza absoluta e pobreza relativa
« Online: 22 de Abril de 2015, 14:37:51 »
Muito se discute se o grande problema é a pobreza ou se apenas a desigualdade social, mesmo não havendo miséria ou pobreza extrema, pode desencadear sérios problemas sociais, como epidemias de doenças e violência. Abaixo um texto com referências a estudos científicos, advogando que não só a privação, mas a privação relativa (desigualdade social) possui sérios efeitos psicológicos e físicos sobre os indivíduos em sociedade, tornando instáveis até mesmo sociedades onde o nível de renda é considerado satisfatório.

Alguns dizem que isto se resume a inveja. Porém, mesmo levando-se em conta tal termo subjetivo e superficial, ainda assim existiria um fenômeno biopsicossocial como causador de tal sentimento e suas consequências sociais, não se restringindo a uma questão de moral ou educação, mas abrangendo toda a biologia humana em interação com o ambiente, inevitavelmente promovendo comportamentos aberrantes, que, sendo assim, trata-se de um assunto que não pode ser simplesmente ignorado ou termos como solução apenas sistemas de punição se quisermos ter algum progresso real na melhoria da qualidade de vida em sociedade. Gostaria de saber qual a opinião de vocês (embasada em fatos e dados) sobre isto.

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Saúde Fisiológica

Hoje, os principais problemas fisiológicos da população humana incluem grandes epidemias causadoras de mortalidade, tais como o câncer, doenças cardíacas, derrame, etc. Problemas relativamente menores, que não só reduzem a qualidade de vida, mas também frequentemente precedem essas doenças mais graves, incluem pressão alta, obesidade e outras questões que, embora menos críticas em comparação, ainda são uma parte do processo que pode levar a doenças graves e à morte ao longo do tempo [127]. Novamente, é importante lembrar que a causa dessas doenças "físicas" não são estritamente "físicas" no sentido estrito da palavra, pois estudos modernos demonstram que o estresse psicossocial [128] possui relações profundas com problemas fisiológicos aparentemente desconexos.

Segundo a Organização Mundial de Saúde, as causas de morte mais comuns em países com renda baixa, média e alta são doenças cardíacas, infecções no trato respiratório inferior, derrame e câncer.[129] Embora cada uma dessas doenças (e muitas outras) possa estar relacionada às causas que serão apresentadas, para simplificar, focaremos nas doenças cardíacas.

Estudo de Caso: Doença Cardíaca

Embora o tratamento das doenças cardíacas tenha levado, recentemente, a um leve declínio global no número de ataques cardíacos e óbitos,[130] o diagnóstico de doenças cardíacas não diminuiu, e alguns estudos regionais mostram que ele está em ascensão, [131] ou em um ritmo de aumento substancial [132]. A Doença Coronária Cardíaca ainda é considerada, globalmente, pela OMS como "a principal causa de morte" [133] e verificou-se que, embora existam fatores genéticos em jogo, 90% das pessoas que morrem "têm fatores de risco influenciados pelo estilo de vida" e, em geral, a doença é considerada amplamente evitável se ajustes no estilo de vida são feitos.

Resumindo, relações já estabelecidas com dietas ricas em gordura, tabagismo, álcool, obesidade, colesterol alto, diabetes e outros fatores de risco nos permitem estender a causa da doença cardíaca, e quando rastreamos as influências, a influência mais profunda e ampla encontrada não tem a ver só com a renda absoluta, mas com o status socioeconômico relativo.

A OMS deixou claro em escala global que, geralmente, níveis socioeconômicos mais baixos geram mais doenças do coração e, naturalmente, mais fatores de risco que conduzem a elas. [135] Isto, por um lado, traça uma relação direta entre a situação econômica e a ocorrência de doenças. Não há nenhuma evidência mostrando que as diferenças genéticas entre grupos regionais possam ser responsáveis por essas variações, e é óbvio que o baixo poder de compra leva as pessoas a estilos de vida que incluem muitos desses fatores de risco.

Um estudo de 2009 no American Journal of Epidemiology chamado "Life-Course Socioeconomic Position and Incidence of Coronary Heart Disease" descobriu que quanto mais tempo uma pessoa permanece em situação de pobreza, maior a sua probabilidade de desenvolver doenças cardíacas [136]. Pessoas que estiveram em desvantagem econômica ao longo da vida demonstraram mais propensidade ao fumo, obesidade, má alimentação e assim por diante. Em um estudo anterior, realizado pelo epidemiologista Dr. Ralph R. Frerichs, com enfoque específico na divisão socioeconômica da cidade de Los Angeles, Califórnia, descobriu-se que a taxa de morte por doença cardíaca foi 40% maior para os homens pobres do que para os mais ricos. [137]

Dado que a nossa tese original considera um elo entre o próprio sistema social e a prevalência de doenças e seus fatores de risco associados, é preciso considerar a relação direta entre estresse e poder de compra.

Começando com o último, que é mais simples, é óbvio que hábitos de saúde ruins ocorrem em ambientes de baixa renda devido à falta de recursos financeiros para uma melhor nutrição, [138] atenção médica [139] e educação. [140] Muitos dos alimentos com alto teor de gordura e alto fator de risco de sódio, por exemplo, que levam a doenças cardíacas, também são os alimentos mais baratos encontrados nas lojas.

Vale notar que o nosso modelo socioeconômico produz bens com base na capacidade de compra da demografia alvo. A decisão de produzir bens alimentícios de baixa qualidade é tomada com base no lucro, e, como a grande maioria do planeta é relativamente pobre, não é nenhuma surpresa que, a fim de atender a esse mercado, a qualidade deva ser reduzida para permitir vendas competitivas. Em outras palavras, há um mercado para cada classe social, e, naturalmente, quanto mais baixa a classe, menor a qualidade. Essa realidade é um exemplo de uma ligação direta entre o sistema social e a causa de doenças. Enquanto educar as pessoas pobres sobre a diferença de qualidade nos produtos alimentares poderia ajudá-las a tomar melhores decisões em relação à alimentação, as restrições financeiras inerentes à sua condição poderiam facilmente tornar essa decisão difícil, se não impossível, pois, mais uma vez, esses produtos são em média mais caros.

Numa época em que a produção de alimentos e a nutrição humana são um fenômeno científico bem entendido quanto ao que funciona ou não - o que é saudável, geralmente, e o que não é - temos que questionar por que a abundância de alimentos deliberadamente insalubres e de métodos industriais prejudiciais ainda existem. O motivo é que a saúde humana não é o objetivo da produção industrial de alimentos e nunca foi, devido ao interesse exclusivo na geração de lucros. Mais informações sobre o transtorno de incentivo inerente à economia de mercado monetário serão fornecidas em ensaios posteriores.

O Fator Estresse

Agora vamos analisar o papel do estresse. O estresse tem mais efeitos sobre a doença cardíaca do que se pensava, e isso não tem a ver somente com o fato estatístico de que as pessoas de baixa renda tem uma tendência a lidar melhor com seus problemas por meio de hábitos como o fumo e a bebida, manifestando pressão arterial elevada e, consequentemente, ignorando a sua saúde e bem-estar por causa da luta constante por renda e sobrevivência. Embora esses fatores sejam evidentes, e, novamente, encontram-se amarrados a uma estratificação inevitável encontrada na Economia de Mercado Monetário, [141] a forma mais prejudicial de estresse vem sob a forma de estresse psicossocial, ou seja, o estresse relativo à interação psicológica com o ambiente social.
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Re:Desigualdade social: pobreza absoluta e pobreza relativa
« Resposta #1 Online: 22 de Abril de 2015, 14:39:18 »
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O professor Michael Marmot, do Departamento de Epidemiologia e Saúde Pública da Universidade de Londres, dirigiu dois estudos importantes relacionando status social à saúde [142]. Usando o sistema de Serviço Civil Britânico como grupo experimental, eles descobriram que o gradiente de qualidade de saúde nas sociedades industrializadas não é simplesmente uma questão de falta de saúde para os desavantajados e boa saúde para todos os outros. Eles descobriram que havia também uma distribuição social da doença. Na medida que se passava do topo da escala socioeconômica para a parte inferior, os tipos de doenças que as pessoas teriam, em média, mudaria.

Por exemplo, aqueles mais baixos na escala hierárquica tiveram um aumento da mortalidade baseada em doenças cardíacas quatro vezes maior em comparação com aqueles em níveis mais privilegiados. Mesmo em um país com planos de saúde universalizados, quanto pior a situação financeira e a posição hierárquica de uma pessoa, pior será, em média, a sua saúde. A razão é essencialmente psicológica, pois verificou-se que quanto mais estratificada é a sociedade, pior é a saúde pública, em geral, especificamente para as classes mais baixas. [143]

Esse padrão tem sido confirmado por muitos estudos ao longo dos anos, incluindo uma profunda compilação de pesquisas organizada por Richard Wilkinson e Kate Pickett. Em seu trabalho, "The Spirit Level - Why Equality is Better for Everyone", eles usam como fonte centenas de estudos epidemiológicos sobre o assunto, descrevendo como sociedades mais desiguais perpetuam uma vasta gama de problemas de saúde pública, tanto fisiológicos quanto psicológicos.

Deixando de lado as doenças cardíacas, sabemos agora que alguns tipos de câncer, doenças pulmonares crônicas, doenças gastrointestinais, dores nas costas, obesidade, pressão alta, baixa expectativa de vida e muitos outros problemas também estão ligados ao nível socioeconômico de modo geral, não tendo ele como apenas um fator de risco singular. [144] Há um "gradiente social", que pode ser assim chamado, dos níveis de saúde ao longo da sociedade, e a posição onde nos encontramos em relação a outras pessoas tem um poderoso efeito psicossocial - aqueles acima de nós têm, em média, uma saúde melhor, enquanto os abaixo de nós têm níveis piores de saúde [145].

Uma comparação estatística entre a saúde pública de países com altos níveis de desigualdade de renda (como os Estados Unidos) e os com níveis mais baixos do mesmo índice (como o Japão) revela essas verdades de forma muito óbvia.[146]

No entanto, tais doenças geralmente consideradas “físicas” são apenas uma parte da crise na saúde pública gerada pela desigualdade que, por sua vez, é apenas mais uma consequência da estratificação direta e imutável, inerente ao nosso sistema social global.

Saúde Psicológica

Talvez a implicação mais profunda em saúde pública seja o resultado da desigualdade social na nossa saúde mental ou psicológica. Isso se estende às reações e tendências comportamentais, tais como atos de violência ou abuso, juntamente com problemas emocionais como depressão, ansiedade e distúrbios de personalidade em geral.

Uma avaliação geral da tendência de depressão e ansiedade nos países desenvolvidos, países que muitos, intuitivamente, pensariam possuir mais alegria e conforto devido à riqueza material disponível, revela uma realidade muito diferente. [147, 148] Um estudo britânico que examina a depressão entre pessoas na faixa dos 20 anos descobriu que ela era duas vezes mais comum em 1970 do que em 1958. [149] Um estudo americano com cerca de 63.700 estudantes universitários descobriu que o número de jovens adultos que apresentam níveis mais elevados de ansiedade é cinco vezes maior do que no final de 1930. [150] Um estudo de 2011 apresentado na Associação Americana de Psicologia mostrou que a doença mental é mais comum entre os estudantes universitários do que era há uma década. [151]

O psicólogo Jean Twenge, da Universidade de San Diego, localizou 269 estudos relacionados que mediram a ansiedade nos Estados Unidos entre 1952 e 1993, e a avaliação conjunta mostra uma tendência dramaticamente clara do aumento na ansiedade ao longo deste período, concluindo, por exemplo, que ao final de 1980, a criança mediana americana estava mais ansiosa do que os pacientes psiquiátricos infantis da década de 1950. [152]

Um relatório do NCHS (Centro Nacional de Estudos Estatísticos em Saúde dos EUA) de 2011 revela que a taxa de uso de antidepressivos nos EUA, entre os adolescentes e adultos (pessoas com idades entre 12 e mais velhos), aumentou quase 400% entre 1988-1994 e 2005-2008. Os antidepressivos foram o terceiro medicamento mais prescrito pelos norteamericanos de 2005 a 2008. [153]

Enquanto um componente genético da depressão pode ser considerado relevante, a taxa das tendências aponta claramente uma causa ambiental como força motriz. Nas palavras de Richard Wilkinson:

"Embora as pessoas com doença mental tenham, por vezes, alterações nos níveis de certas substâncias químicas do cérebro, ninguém tem demonstrado que essas alterações são a causa da depressão, no lugar de serem causadas pela depressão...embora certa vulnerabilidade genética possa estar na base de algumas doenças mentais, isso, por si só, não explica os enormes aumentos de doenças nas últimas décadas - nossos genes não podem mudar tão rápido." [154]

Parece que o nosso status social relativo tem um efeito profundo em nosso bem-estar mental e essa tendência também pode ser encontrada no que poderia ser declarado como a psicologia evolutiva dos primatas semelhantes. Um estudo de 2002 realizado com macacos do gênero Macaca descobriu que aqueles que eram subordinados, ou inferiores, em uma determinada hierarquia social, tinham menos atividade de dopamina que os que eram dominantes, e que essa relação mudava quando os grupos se arranjavam diferentemente. Em outras palavras, a biologia tinha pouco a ver - somente o arranjo social foi responsável por reduzir ou elevar os níveis de dopamina. Também foi descoberto que o macaco hierarquicamente inferior usaria mais cocaína para compensar. Isso é revelador, pois os baixos níveis de dopamina em primatas (incluindo os seres humanos) possuem uma correlação direta com a depressão. [155]

Esse padrão tornou-se muito claro e, enquanto fatores diretos de estresse como a segurança no emprego, dívidas e outros fatores econômicos, em grande parte inerentes ao sistema social, desempenham um papel importante,[156] a relevância do status socioeconômico propriamente dito ainda se faz preponderante.

O gráfico a seguir é uma comparação global da Saúde Mental e do Uso de Drogas por país [157]. Ele inclui nove países que abastecem os dados das pesquisas da OMS, incluindo transtornos de ansiedade, transtornos do humor, transtornos impulsivos, vícios e outros. Pode-se ver claramente que os Estados Unidos, que também tem o mais alto nível de desigualdade, tem um enorme nível de distúrbios na saúde mental e com as drogas, em comparação com os países menos estratificados, tendo a Itália como o que apresenta os menores índices dos referidos distúrbios.

Mesmo o status social ditado pelas relações de castas, em países como a Índia, pode ter um efeito profundo sobre a confiança e o comportamento. "Um estudo realizado em 2004 comparou a capacidade de resolução de problemas de 321 meninos indianos de alta casta contra 321 de baixa casta. Os resultados demonstraram que, quando a casta não era anunciada publicamente antes de começar a resolução de problemas, ambos grupos atingiam resultados semelhantes. Na segunda rodada, depois de anunciadas as castas de cada grupo, o grupo da casta inferior obtinha um resultado muito pior, e o da superior, um muito melhor, produzindo dados bem divergentes em relação à primeira rodada.[158] As pessoas são muito influenciadas pela percepção do seu status pela sociedade e, muitas vezes, quando acreditamos ser vistos como inferiores, agimos como tal.

« Última modificação: 22 de Abril de 2015, 14:49:55 por Peter Joseph »
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Re:Desigualdade social: pobreza absoluta e pobreza relativa
« Resposta #2 Online: 22 de Abril de 2015, 14:40:18 »
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Em conclusão a esta subseção sobre o fenômeno psicossocial da desigualdade, que mostra uma relação clara com o bem-estar psicológico, é importante rapidamente destacarmos a vasta gama de problemas relacionados. Embora estudos mais aprofundados de tais questões possam ser encontrados no Reading List (Anexo C) deste texto, as obras de Sapolsky, Gilligan, Maté e Wilkinson são altamente recomendadas - que seja constatado aqui que, geralmente, quando se trata de Educação, Capital Social (confiança), Obesidade, Expectativa de Vida, Gravidez Precoce, Prisão e Castigo, Mobilidade Social, Oportunidade, e mesmo Inovação - países com menos desigualdade de renda estão mais bem colocados do que aqueles com maior desigualdade. Dito de outra forma, são sociedades mais saudáveis.

Estudo de Caso: Violência Comportamental

Associada às questões sobre a desigualdade social relacionadas acima, há uma que merece um olhar mais profundo - Violência Comportamental. O psicológo criminal Dr. James Gilligan, ex-chefe do Centro de Estudos da Violência da Escola de Medicina de Harvard, escreveu um tratado definitivo sobre o assunto em sua obra “Violence: Our Deadly Epidemic and its Causes” (Violência: Nossa epidemia mortal e suas causas - tradução livre). Dr. Gilligan deixa muito claro que as formas extremas de violência não são induzidas de forma aleatória ou geneticamente, mas são reações bastante complexas que se originam de experiências estressantes, tanto em curto quanto em longo prazo.

Por exemplo, o abuso infantil, tanto físico quanto emocional, aliado a níveis cada vez mais intensos de estresse individual, tem uma correlação direta com atos premeditados e impulsivos de violência. E enquanto os homens possuem uma propensão estatisticamente maior para a violência, devido, em grande parte, às características endocrinológicas que, embora não causem reações de violência, podem aumentá-las sob a influência do estresse, [159] o ponto em comum, aqui, é a influência do meio ambiente e da cultura.

Não se pode negar a relação dos hormônios ou até mesmo de possíveis propensões genéticas [160], mas mostrar que a origem desse comportamento claramente não é a nossa biologia, mas a condição sob a qual um ser humano vive e as experiências que enfrenta. Outras hipóteses populares de causas, como o “instinto”, também são muito abstratas e vagas para sustentar qualquer validade operacional. [161]

"Eu estou sugerindo que a única maneira de explicar as causas da violência, para que possamos aprender a evitá-la, é aproximar a violência de um problema de saúde pública e medicina preventiva, e de pensar na violência como um sintoma de uma patologia que ameaça a vida, e que, como todas as formas de doenças, tem uma etiologia ou causa, um patógeno." -Dr. James Gilligan [162]

No diagnóstico do Dr. Gilligan, ele deixa muito claro que a maior causa de comportamento violento é a desigualdade social, destacando as consequências da vergonha e humilhação, características emocionais daqueles que se envolvem em violência. [163] Thomas Scheff, professor emérito de sociologia na Califórnia afirmou que “a vergonha era a emoção social”.[164] Vergonha e humilhação podem ser equiparados com os sentimentos de estupidez, inadequação, vergonha, loucura, sentir-se exposto, insegurança, etc. - na sua origem, tudo é, em grande parte, social ou comparativo.

Não é necessário dizer que, em uma sociedade global, não só com crescente disparidade de renda, mas, inevitavelmente, disparidade de "auto-estima" - uma vez que o status é apresentado como diretamente relacionado ao "sucesso" em nossos empregos, tamanho de contas bancárias e assim por diante - não é nenhum mistério que os sentimentos de inferioridade, vergonha e humilhação sejam parte importante da cultura dos dias atuais. A consequência desses sentimentos tem implicações muito graves para a saúde pública, como observado anteriormente, incluindo a epidemia de violência comportamental que vemos hoje nas suas formas variadas e complexas. Terrorismo, tiroteios em escolas e igrejas, e outros atos extremos que simplesmente não existiam antes, revelam uma evolução na própria violência. Dr. Gilligan conclui: "Se quisermos evitar a violência, então, a nossa agenda deve ser a reforma política e econômica". [165]

O diagrama a seguir mostra as taxas de homicídio entre as nações ricas, com diferentes níveis de desigualdade social. Os Estados Unidos, provavelmente o maior defensor "anti-socialista" com as menores proteções estruturais (como a falta de assistência médica universalizada), que ao mesmo tempo insiste na ética psicológica de que a "independência" e "competição" são os valores mais importantes - apresenta um nível enorme de violência. Enquanto que os debates, na paisagem política americana, sobre a epidemia (de violência) ainda giram em torno do controle de armas, o que obviamente nada tem a ver com a causalidade.


Em Conclusão

Este ensaio tentou passar uma visão concisa das relações causais fundamentais em saúde humana, nos níveis psicológico e fisiológico. Seu cerne é a forma como a condição socioeconômica, em geral, melhora ou piora a saúde pública como um todo, aludindo às condições ideais que possam melhorar a felicidade, reduzir as doenças e aliviar problemas epidêmicos de comportamento, como a violência.

Embora seja muito claro como as relações econômicas diretas reduzem a saúde e o bem-estar humano na forma de privação absoluta, como a incapacidade para obter alimentos de qualidade, restrições de tempo em função do trabalho, as quais, por sua vez, reduzem o apoio emocional e de desenvolvimento às crianças, e a perda na qualidade da educação devido a problemas de financiamento regionais, aliado a distúrbios específicos como o fato de que a maioria dos casamentos termina devido a problemas financeiros,[166] a questão da privação relativa tem sido um foco maior por ser também causa das mais absolutas privações.

Colocada no contexto estrutural e socioeconômico, essa realidade desafia firmemente o ethos (sistema de crenças) de que concorrência, classes e outras noções "capitalistas" de incentivo e progresso são motores do progresso social e da saúde. Quanto mais aprendemos sobre esse fenômeno, mais forte se torna o argumento de que a natureza do nosso sistema socioeconômico está aquém do seu foco e intenção. O progresso e o sucesso humano não são claramente definidos pelo fluxo constante de bens de mercado, dispositivos e criação de materiais para compra. Saúde Pública e bem-estar são baseados em como nos relacionamos uns com os outros e com o meio ambiente como um todo.
 
« Última modificação: 22 de Abril de 2015, 14:49:29 por Peter Joseph »
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Re:Desigualdade social: pobreza absoluta e pobreza relativa
« Resposta #3 Online: 22 de Abril de 2015, 14:41:45 »
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Notas:

[127] Referência: http://thetimes-tribune.com/lifestyles-people/as-obesity-rates-rise-chief-heart-surgeon-sees-more-high-risk-patients-in-operating-room-1.1379223

[128] Definição de Psicossocial: Envolve aspectos de comportamento social e psicológico; Interrelacionamento http://medical-dictionary.thefreedictionary.com/psychosocial

[129] As dez principais causas de morte, OMS http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs310/en/index.html

[130] Tendências dos EUA para doenças cardíacas, câncer e derrame, PRB http://www.prb.org/Articles/2002/USTrendsinHeartDiseaseCancerandStroke.aspx

[131] A doença cardíaca irá subir 25% até 2020
http://www.belfasttelegraph.co.uk/news/local-national/northern-ireland/heart-disease-to-rise-25-by-2020-16177410.html

[132] Novas estatísticas europeias sobre doença cardíaca e AVC [http://www.sciencedaily.com/releases/2012/09/120929140236.htm]

[133] O Atlas de Doenças do Coração e Derrame, OMS e CDC, Parte 3, Carga Global de Doença Coronária (The Atlas of Heart Disease and Stroke, WHO & CDC, Part 3, Global Burden of Coronary Heart Disease)
[134] Ibid.

[135] Ibid., Capítulo 11, status socioeconômico

[136] "Curso de vida, posição socieconômica e incidência de doença cardíaca coronariana", tradução livre (Life-Course Socioeconomic Position and Incidence of Coronary Heart Disease), American Journal of Epidemiology, 1 de abril de 2009. http://aje.oxfordjournals.org/content/early/2009/01/29/aje.kwn403

[137] Doença Cardíaca ligada à Pobreza (Heart Disease Tied to Poverty), New York Times, 1985 http://www.nytimes.com/1985/02/24/us/heart-disease-tied-to-poverty.html

[138] Citação do estudo "Americanos de baixa renda podem pagar uma dieta saudável?", tradução livre ("Can Low-Income Americans Afford a Healthy Diet?") "Muitos profissionais de nutrição acreditam que todos os americanos, independentemente da renda, tenham acesso a uma alimentação nutritiva de grãos integrais, carnes magras, legumes e frutas frescas. Na realidade, os preços dos alimentos representam uma barreira significativa para muitos consumidores que estão tentando equilibrar uma boa alimentação com preços acessíveis." http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2847733/

[139] Referência: Os custos médicos empurram milhões de pessoas para a pobreza em todo o mundo, OMS (Medical costs push millions of people into poverty across the globe, WHO)
http://www.who.int/mediacentre/news/releases/2005/pr65/en/index.html

[140] Referência: "Estudos afirmam que discrepâncias na educação entre ricos e pobres aumenta" (Education Gap Grows Between Rich and Poor, Studies Say), New York Times 2012
[ http://www.nytimes.com/2012/02/10/education/education-gap-grows-between-rich-and-poor-studies-show.html?pagewanted=all ]

[141] Estratificação de classes é uma parte imutável do modelo socioeconômico atual, devido tanto ao sistema de incentivos que distribui renda desproporcionalmente, quanto ao favorecimento estratégico das camadas superiores da hierarquia - como em 2007, os executivos chefes das maiores 365 empresas norte-americanas receberam bem mais de 500 vezes o salário do trabalhador médio. Isso pode ser combinado com práticas de política monetária macroeconômica que estruturalmente recompensam os ricos e punem os pobres através do sistema de juros. (Os ricos recebem renda através de juros sem aplicarem investimentos, enquanto os pobres, com falta de capital de investimento, tomam empréstimos para a maior parte das suas grandes compras, pagando juros. Abstraindo, os pobres são obrigados a dar seu dinheiro aos ricos por meio desse mecanismo.)

[142] Whitehall Study I & II, http://www.ucl.ac.uk/whitehallII/ Veja também: Epidemiologia da situação socioeconômica e saúde (Epidemiology of socioeconomic status and health), M. Marmot http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/10681885

[143] Ibid.

[144] Um qualificador aqui é que esse fenômeno se relaciona mais ainda às sociedades relativamente ricas, de modo geral, do que a sociedades mais atingidas pela pobreza.

[145] Referência: "Determinantes Sociais da Saúde: Os fatos sólidos", tradução livre (Social Determinants of Health: The Solid Facts), RG Wilkinson & M. Marmot, Organização Mundial da Saúde, 2006

[146] Um PDF com um resumo dos gráficos de linha de regressão extraídos da obra de R. Wilkinson e Pickett K. pode ser encontrado aqui para referência:
https://tantor-site-assets.s3.amazonaws.com/bonus-content/B0505_SpiritLevel/B0505_SpiritLevel_PDF_1.pdf

[147] Referência: "O aumento dramático de ansiedade e depressão em crianças e adolescentes", tradução livre (The Dramatic Rise of Anxiety and Depression in Children and Adolescents), Peter Gray, 2012

[148] Transtornos de Ansiedade estão em ascensão (Anxiety Disorders Are Sharply on the Rise), Timi Gustafson RD [http://timigustafson.com/2011/anxiety-disorders-are-sharply-on-the-rise/]

[149] Tendências temporais em saúde mental infantil e adolescente (Time Trends in child and adolescent mental health), Maughan, Collishaw, Goodman & Pickles, Journal of Child Psychology e Psiquiatria, 2004

[150] Buscando a fonte dos Transtornos de Ansiedade ( Sourcing the Anxiety Disorders Association of America), Association of America, este artigo é um somatório de recomendar:
http://www.msnbc.msn.com/id/39335628/ns/health-mental_health/t/why-are-anxiety-disorders-among-women-rise/#.UI9PRoUpzZg

[151] A depressão em ascensão nos estudantes universitários (Depression On The Rise In College Students), NPR, 2011 [http://www.npr.org/2011/01/17/132934543/depression-on-the-rise-in-college-students]

[152] A idade da ansiedade? A era da ansiedade? Mudanças nas estatísticas de nascimento em relação à ansiedade e neuroses (The age of anxiety? Birth cohort change in anxiety and neuroticism), JM Twenge, Journal of Personality and Social Psychology, 2007

[153] Uso de antidepressivos em pessoas acima de 12 anos (Antidepressant Use in Persons Aged 12 and Over) : Estados Unidos, 2005-2008, Laura A. Pratt, NCHS Out 2011 [http://www.cdc.gov/nchs/data/databriefs/db76.htm]

[154] The Spirit Level por Richard Wilkinson e Kate Pickett, Penguin, março de 2009, p. 65

[155] "Dominância social em macacos: os receptores D2 da dopamina e auto-administração de cocaína", tradução livre (Social dominance in monkeys: dopamine D2 receptors and cocaine self-administration), Morgan & Grant, Nature Neuroscience, 2002 5 (2): 169-74

[156] As taxas de suicídio explodem na esteira da recessão econômica (Suicide rates rocket in wake of economic downturn recession), Nina Lakhani, The Independent, 15 de agosto de 2012

[157] Gráfico de The Spirit Level por Richard Wilkinson e Kate Pickett, Penguin, março de 2009, p. 67

[158] Sistemas de crenças e desigualdades duráveis (Belief Systems and Durable Inequalities), Policy Research Working Paper, Waskington DC: Banco Mundial, 2004 | Gráfico de The Spirit Level por Richard Wilkinson e Kate Pickett, Penguin, março de 2009, p. 113-114

[159] O hormônio testosterona tem sido comumente "culpado" pela agressão masculina. No entanto, verificou-se que as diferenças inter-individuais dos níveis de testosterona não resultam em diferenças de proporções entre os níveis de comportamento agressivo, quando foram realizados ensaios com a população em geral. Verificou-se que, ao invés da testosterona causar níveis crescentes de agressão, ocorre essencialmente o contrário. Veja "O problema com a testosterona", tradução livre (The Trouble with testosterone), Robert M. Sapolsky, Simon & Schuster, 1997 p. 147-159

[160] Ver: "Violência - Um coquetel nocivo de genes e o ambiente", tradução livre (Violence—A noxious cocktail of genes and the environment), Mariya Moosajee, JR Soc Med. 2003 Maio, 96 (5): 211-214 | Notas de um estudo realizado na Nova Zelândia, onde uma aparente ligação genética encontrada para o comportamento violento só se manifestaria se ocorresse uma grande quantidade de abuso na infância para desencadear a expressão da propensão genética. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC539471/

[161] "Violência", tradução livre (Violence), James Gilligan, Grosset/Putnam, New York, 1992, p. 210-213

[162] Ibid, p. 92

[163] Ibid, capítulo 5

[164] "Vergonha e conformidade: o sistema de defesa emocional", tradução livre (Shame and conformity: the defense-emotion system), TJ Scheff, American Sociological Review, 1988, 53:395-406

[165] "Violência", tradução livre (Violence), James Gilligan, Grosset/Putnam, New York, 1992, p. 236

[166] "Brigas por dinheiro predizem taxas de divórcio" (Money Fights Predict Divorce Rates), Catherine Rampell http://economix.blogs.nytimes.com/2009/12/07/money-fights-predict-divorce-rates/

http://umanovaformadepensar.com.br/definindo_saude_publica
"Não é sinal de saúde estar bem adaptado a uma sociedade doente." - Krishnamurti

"O progresso é a concretização de Utopias." – Oscar Wilde
O Minhocário - https://ominhocario.wordpress.com/

 

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