Autor Tópico: A Maldição do Conhecimento  (Lida 1283 vezes)

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Offline Lakatos

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A Maldição do Conhecimento
« Online: 17 de Junho de 2015, 12:27:23 »
Carl Friedrich Gauss, considerado por muitos como o maior matemático de todos os tempos, tinha o costume de sintetizar suas demonstrações eliminando todos os passos que julgava desnecessários. Comparava essa atitude ao trabalho de um construtor, dizendo: "Uma catedral não é uma catedral até que o último andaime tenha sido retirado."

Qualquer definição básica de comunicação inclui os conceitos de emissor, mensagem e receptor. E geralmente consideramos a comunicação bem-sucedida quando a mensagem é recebida e interpretada pelo receptor de acordo com a intenção do emissor. Isso vale para a comunicação entre professor e alunos em uma sala de aula, entre um publicitário e seu público alvo através de um anúncio, entre um jornalista e seus espectadores em uma notícia de jornal, e de forma mais ampla, entre quaisquer pessoas tentando estabelecer algum intercâmbio de ideias.

Um dos problemas que podem prejudicar a comunicação é a "maldição do conhecimento". Descrita inicialmente pela doutoranda em psicologia de Stanford Elisabeth Newton em 1990, esse fenômeno pode ser definido como a incapacidade que pessoas com grande entendimento sobre um tema têm de simular o entendimento limitado de outras pessoas.

Em seu experimento, a pesquisadora dividiu um grupo de estudantes em dois sub-grupos e deu a cada um uma tarefa específica. O primeiro sub-grupo iria reproduzir, usando apenas batuques, o ritmo de algumas canções extremamente populares, como "Happy Birthday to You". Ao outro sub-grupo cabia a tarefa de adivinhar quais eram as músicas correspondentes aos ritmos tocados. Enquanto os primeiros estudantes estimaram que a taxa de acerto seria de 50%, dada a popularidade das músicas, na realidade em apenas 3 ocasiões os ouvintes identificaram corretamente a música, de um total de 120 tentativas.

A explicação dada por Newton foi que os alunos que executavam os ritmos mentalizavam a melodia das músicas automaticamente, o que fazia com que as respostas parecessem óbvias. Já os que apenas ouviam o ritmo, por não terem condições de mentalizarem as melodias, enfrentavam grandes dificuldades. De forma mais ampla, os resultados desse estudo sugeriram que as pessoas que possuem mais informação a respeito de um determinado tema perdem a capacidade de imaginar como é não ter essas informações, e acabam supondo, de forma errônea, que elas são amplamente conhecidas.

Em 2006, os pesquisadores americanos Chip e Dan Heath publicaram um artigo na Harvard Business Review apresentando a questão sob o enfoque organizacional. Os pesquisadores citam a maldição do conhecimento como responsável por parte dos fracassos de comunicação interna das empresas, quando executivos passam mensagens ininteligíveis aos setores de nível tático e operacional, que não possuem o aparato de conhecimentos e informações necessárias para compreendê-las.

Outros casos clássicos da maldição do conhecimento no dia-a-dia são as comunicações entre alunos e professores, onde estes comumente suprimem informações consideradas óbvias no desenvolvimento de explicações, ignorando que essas informações só lhes parecem óbvias porque eles possuem uma compreensão muito mais completa e profunda do tema do que os alunos.

A solução para minimizar o efeito da maldição do conhecimento é uma autofiscalização constante por parte do emissor, questionando frequentemente se não está pressupondo conhecimentos que seus receptores não possuem. Caso não faça isso, sempre correrá o risco de ver fracassarem todas as suas tentativas de comunicação.



Abri o tópico porque já senti algumas vezes aqui no fórum que certas mensagens eram aparentemente pouco compreendidas em virtude do baixo grau de clareza para os dummies. Há um grande número de especialistas em diversas áreas, de competência inquestionável, mas que às vezes se comunicam com os demais utilizando jargões, ideias e conceitos que exigem um certo grau de conhecimento prévio para a compreensão de suas mensagens.

Meu objetivo é perguntar se mais alguém já teve essa mesma impressão, e o que todos vocês pensam sobre o tema de forma geral.
« Última modificação: 17 de Junho de 2015, 12:33:10 por Domiciano »

Online Sergiomgbr

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Re:A Maldição do Conhecimento
« Resposta #1 Online: 17 de Junho de 2015, 14:12:28 »
Eu frequentemente percebo isso, principalmente em questões interpretativas, como religião. Conceitos simples como 'ateu', por exemplo, são motivo de hiatos de comunicação desastrosos.
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Offline Lakatos

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Re:A Maldição do Conhecimento
« Resposta #2 Online: 17 de Junho de 2015, 14:52:29 »
Esse seria talvez um caso particular, já que não necessariamente é gerado por uma assimetria de conhecimentos, e sim por falta de cuidado na hora de fornecer definições... Mas o prejuízo à comunicação é grande, mesmo assim.

Online Sergiomgbr

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Re:A Maldição do Conhecimento
« Resposta #3 Online: 17 de Junho de 2015, 15:00:48 »
Não creio. Acho que o buraco é mais embaixo, senão, vejamos: 'ateu' = sem deus(ses). Veja se falta alguma informação.
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Offline Lakatos

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Re:A Maldição do Conhecimento
« Resposta #4 Online: 17 de Junho de 2015, 15:09:29 »
Acredito que falta. Átomo = indivisível, e nem por isso dizemos que átomos são, por definição, indivisíveis.

O uso que se faz de uma palavra pode alterar o significado dela ao longo do tempo. Com "ateu" não é diferente.

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Re:A Maldição do Conhecimento
« Resposta #5 Online: 17 de Junho de 2015, 15:35:02 »
Acredito que falta. Átomo = indivisível, e nem por isso dizemos que átomos são, por definição, indivisíveis.

O uso que se faz de uma palavra pode alterar o significado dela ao longo do tempo. Com "ateu" não é diferente.
É como eu disse, questões interpretativas...
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Offline Dr. Manhattan

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Re:A Maldição do Conhecimento
« Resposta #6 Online: 17 de Junho de 2015, 16:08:01 »
Como sou professor, essa é uma questão que sempre me preocupa. Um exercício que faço com frequência é o de ficar simulando aulas mentalmente. Se, por exemplo, acabei de ler um artigo em uma revista acerca de uma descoberta científica recente, já tenho o reflexo de ficar alguns minutos imaginando como poderia explicar esse assunto para uma turma de alunos de graduação, ou de pós-graduação. Um truque útil é sempre tentar obter uma metáfora adequada para aquele problema.

Recentemente, para dar mais um exemplo, me vi na situação de ter que explicar o conceito de buraco em um semicondutor para uma platéia de estudantes de graduação. A metáfora que usei [1] foi a de uma fila de pessoas segurando baldes d'água, sendo que uma deles, o primeiro da fila, está vazio, e os demais cheios. Em seguida o vizinho da direita esvazia seu balde dentro do balde vazio, o outro vizinho da direita faz o mesmo, e assim por diante até que finalmente o balde vazio é o último da fila. Pode-se dizer assim que a "ausência de água" se propagou de uma extremidade à outra da fila.



Uma desvantagem de se ficar fazendo isso é que, se estudei um assunto novo e ainda não encontrei uma metáfora visual adequada, fico com a sensação de que na verdade ainda não aprendi o assunto!

[1] O artigo citado usa uma metáfora semlhante, mas eu prefiro a minha! :)
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Alan Watts

Offline Lakatos

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Re:A Maldição do Conhecimento
« Resposta #7 Online: 17 de Junho de 2015, 16:23:35 »
Mas se você simula a explicação para você mesmo não continua correndo o mesmo risco de cair na "maldição"? Afinal, você não sentirá falta dos "andaimes" (utilizando a analogia do Gauss) enquanto explica para si mesmo, eles só farão falta na mente dos alunos.

Offline Buckaroo Banzai

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Re:A Maldição do Conhecimento
« Resposta #8 Online: 17 de Junho de 2015, 22:09:56 »
Exemplo que me lembro era o Derfel dar siglas de jargão odontológico/médico como se fossem conhecimento comum.

Outro dia me perguntava o quanto que algumas notícias mais ou menos triviais, como essa questão de neandertais terem ou não se misturado a sapiens em algum grau ou não, não é interpretado por uma boa parte das pessoas como, "ah, então, o neandertal, se pensava que era o elo perdido entre o homem e o macaco, mas agora surgiu evidência contrária" (no caso de se descartar mistura). De fato há algum tempo havia lido um comentário mais ou menos assim.

Offline Lakatos

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Re:A Maldição do Conhecimento
« Resposta #9 Online: 17 de Junho de 2015, 23:19:42 »
Vejo bastante disso principalmente nos tópicos relacionados à física ou à informática. Ou talvez sejam as áreas em que o abismo de conhecimento entre os outros foristas e eu seja maior.

Offline Buckaroo Banzai

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Re:A Maldição do Conhecimento
« Resposta #10 Online: 18 de Junho de 2015, 00:23:27 »
Em física ainda tem o problema que algo pode parecer grosseiramente razoável a um ignorante, mas ser bastante ridículo a quem entenda o suficiente. Lembro de um cara ter passado por aqui defendendo alguma teoria atômica pessoal, e em 99% do tempo eu não saberia de que lado ficar, se não tivessem nicknames de conhecidos para me orientar por mero "apelo a autoridade". Ou ao menos é mais ou menos isso que me "lembro". O único detalhe flagrante a qualquer um foi ele ter comparado resultados de alguma coisa por coincidência de dígitos, não do número em si. Aí já é algo digno de lei de Poe para praticamente qualquer um.

Offline Lakatos

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Re:A Maldição do Conhecimento
« Resposta #11 Online: 18 de Junho de 2015, 13:34:51 »
Após me registrar aqui, demorou um bom tempo para me sentir "capaz" de participar das discussões. Com o tempo descobri que muito da barreira nem era exatamente falta de conhecimentos (embora outra boa parte fosse), mas simplesmente falta de afinidade com o vocabulário.

Offline Buckaroo Banzai

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Re:A Maldição do Conhecimento
« Resposta #12 Online: 18 de Junho de 2015, 13:37:38 »
Isso devia ser ainda muito mais grave na "encarnação" anterior desse fórum, o da STR. Latim esbravejado a cada três mensagens.

Offline Dr. Manhattan

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Re:A Maldição do Conhecimento
« Resposta #13 Online: 18 de Junho de 2015, 15:24:58 »
Mas se você simula a explicação para você mesmo não continua correndo o mesmo risco de cair na "maldição"? Afinal, você não sentirá falta dos "andaimes" (utilizando a analogia do Gauss) enquanto explica para si mesmo, eles só farão falta na mente dos alunos.

O ponto é: sempre procuro ter em mente que meus alunos imaginários necessariamente sabem menos do que eu (os reais podem até saber mais, he he). Primeiro penso: como explicaria isso para um colega? Depois: como eu explicaria isso para um aluno de graduação? Em seguida: como eu explicaria isso para a faxineira? O curioso é que muitas vezes a explicação para a faxineira é mais interessante do que a para o Físico.

Outra coisa: imagens. O clichê, para variar, está certo: elas certamente valem mais que mil palavras. Um dia desses eu passei 15 minutos tentando explicar que é possível se falar de uma esfera que não tenha centro, mas um simples desenho esclarece isso em 2 minutos.
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Alan Watts

Offline Lakatos

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Re:A Maldição do Conhecimento
« Resposta #14 Online: 18 de Junho de 2015, 15:41:10 »
Mas se você simula a explicação para você mesmo não continua correndo o mesmo risco de cair na "maldição"? Afinal, você não sentirá falta dos "andaimes" (utilizando a analogia do Gauss) enquanto explica para si mesmo, eles só farão falta na mente dos alunos.

O ponto é: sempre procuro ter em mente que meus alunos imaginários necessariamente sabem menos do que eu (os reais podem até saber mais, he he). Primeiro penso: como explicaria isso para um colega? Depois: como eu explicaria isso para um aluno de graduação? Em seguida: como eu explicaria isso para a faxineira? O curioso é que muitas vezes a explicação para a faxineira é mais interessante do que a para o Físico.

Outra coisa: imagens. O clichê, para variar, está certo: elas certamente valem mais que mil palavras. Um dia desses eu passei 15 minutos tentando explicar que é possível se falar de uma esfera que não tenha centro, mas um simples desenho esclarece isso em 2 minutos.

Entendo. Acredito que muitos dos meus professores seriam melhores se tivessem esse tipo de iniciativa.

Eu sofri no começo do curso com uma iniciação científica em matemática porque não conseguia de forma alguma entender as explicações do meu orientador. Geralmente usava livros e artigos para entender as explicações dele, ao invés do oposto. Aconteceu algumas vezes de eu estar pensando e, como em um passe de mágica, entender algo que ele havia me explicado meses atrás. Talvez hoje, com mais bagagem, a experiência tivesse sido melhor.

Offline Buckaroo Banzai

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Re:A Maldição do Conhecimento
« Resposta #15 Online: 18 de Junho de 2015, 16:22:13 »
Um dia desses eu passei 15 minutos tentando explicar que é possível se falar de uma esfera que não tenha centro, mas um simples desenho esclarece isso em 2 minutos.

Não achei nada no google images. :P

Online Sergiomgbr

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Re:A Maldição do Conhecimento
« Resposta #16 Online: 18 de Junho de 2015, 17:20:26 »
Vejo bastante disso principalmente nos tópicos relacionados à física ou à informática. Ou talvez sejam as áreas em que o abismo de conhecimento entre os outros foristas e eu seja maior.
Essa conduta eu classifico fácil como de esnobismo e pedantismo e grosseria, principalmente quando postam textos em idiomas outros, como se fosse a coisa mais natural do mundo. É claro que tem um nível aceitável, que a gente até dá um desconto, por causa do contexto, mas degringolar para a pura e simples jactância é facim.
Até onde eu sei eu não sei.

Offline Skeptikós

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Re:A Maldição do Conhecimento
« Resposta #17 Online: 18 de Junho de 2015, 19:12:26 »
Mas se você simula a explicação para você mesmo não continua correndo o mesmo risco de cair na "maldição"? Afinal, você não sentirá falta dos "andaimes" (utilizando a analogia do Gauss) enquanto explica para si mesmo, eles só farão falta na mente dos alunos.
Creio que não, por que o exemplo usado na analogia, em essência abarca o fundamento do modelo original e costuma ser algo de conhecimento tanto do locutor quanto do interlocutor, é por isso que ele pega coisas extremamente simples e de conhecimento geral para se usar como exemplo na analogia.

Abraços!
"Che non men che saper dubbiar m'aggrada."
"E, não menos que saber, duvidar me agrada."

Dante, Inferno, XI, 93; cit. p/ Montaigne, Os ensaios, Uma seleção, I, XXV, p. 93; org. de M. A. Screech, trad. de Rosa Freire D'aguiar

 

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