Autor Tópico: Brasil: o Estado organiza a Sociedade  (Lida 2706 vezes)

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Offline Aronax

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Brasil: o Estado organiza a Sociedade
« Online: 09 de Setembro de 2005, 11:01:48 »
Marca de nascença do Brasil: o Estado organiza a Sociedade
Os valores e crenças que integram o sistema cultural legitimam o paradigma do Estado hegemônico.

Para se entender a sociedade brasileira e os seus respectivos sistemas político e econômico é imprescindível liberar-se do fluxo dos fatos da conjuntura e identificar o "arcabouço estrutural" no interior do qual eles adquirem significados. Este arcabouço, formado pela articulação dos elementos básicos da economia, da política, da cultura e da organização social, dá forma a um sistema, no sentido de que suas partes possuem coerência interna, interdependência, mútuo reforço, exibindo, na sua ação, uma tendência a manter-se em equilíbrio.
O sistema social, que abrange as dimensões política, cultural, econômica e de relações sociais padronizadas, organiza-se em torno de uma "estrutura nuclear" que ocupa uma posição hegemônica em relação às demais, isto é, penetra e organiza as outras mais do que por elas é influenciada. Esta estrutura é a marca de nascença de uma nação. As sociedades e as nações essencialmente se diferenciam neste nível de análise pela natureza desta estrutura nuclear.
Há sociedades em que ela integra o sistema econômico, outras, o sistema cultural, outras ainda o sistema de organização social, ou também o sistema político. Assim, à guisa de exemplo, o mercado pode ser a estrutura nuclear, em torno da qual a sociedade global se estrutura (economia); ou pode a religião ou tradição desempenhar esta função (cultura); ou uma unidade social, como a família, o clã, associações (sociedade); ou, um partido político ou Estado (política).
Como se vê, a estrutura nuclear pode integrar qualquer um dos sistemas. O que releva destacar é que sua posição hegemônica em relação às demais confere-lhe o poder de afetá-las e submetê-las à sua lógica, sem ser igualmente afetado por elas. É esta posição hegemônica que constitui o paradigma da estrutura social.
Por esta posição de hegemonia ele adquire um notável poder de sobrevivência, uma singular capacidade de resistir e/ou absorver mudanças, reproduzindo-se, ao longo do tempo, em modelos historicamente determinados, embora sempre compatíveis com a lógica própria do paradigma: necessidades básicas, objetivos fundamentais e procedimentos característicos.
No Brasil, como ficou evidente, nas colunas precedentes desta seção, a "estrutura nuclear" foi o Estado, que, ao ocupar esta posição de hegemonia sobre as demais dimensões da vida social, originou o "paradigma do estado hegemônico", cujo precedente histórico foi o patrimonialismo português.
Cronologicamente anterior à sociedade, incomensuravelmente mais forte e organizado que ela, administrando uma economia voltada para o exterior, o Estado, por meio de seus agentes, conseguiu, ao longo do tempo, ocupar as posições chaves do sistema social, preservar sua hegemonia e, com base nela, organizar a mesma sociedade.
Penetração do sistema econômico
No sistema econômico, o Estado preserva fundamentalmente o traço característico do patrimonialismo: a determinação de objetivos não econômicos à atividade econômica.
É em razão desta característica básica que o Estado sempre fixou os limites da liberdade e iniciativa dos agentes econômicos, por meio de extensiva regulamentação; estatuiu os objetivos (não econômicos) da economia; consolidou a prática da apropriação de recursos da sociedade para seu financiamento mediante um voraz fiscalismo; estimulou, e manteve atrelados a si, segmentos econômicos dele dependentes, em razão de sua ação econômica em todas as frentes (comprador, produtor, financiador, tomador, investidor, contratante, especulador); intervém no processo econômico como agente privilegiado, mediante a criação e exploração de reservas, privilégios e monopólios (Estado empresário); e manipula instrumentalidades (emissão, monopólios,correção monetária, endividamento, incentivos etc), por meio das quais consegue fugir, sempre que necessário, das características inelásticas da realidade econômica.
Penetração do sistema político
No sistema político, a mesma hegemonia autoriza o Estado a fixar seus próprios limites de intervenção e identifica a política com a idéia do Estado, que se torna, assim, um fim em si mesmo. Por outro lado, o paradigma jamais é contestado. Direita, centro e esquerda não discutem a sua hegemonia, divergem em como usá-la para organizar a sociedade, de acordo com seus respectivos princípios. Por esta razão, mudam os modelos políticos, mas não muda jamais o paradigma.
Não se concebe a sociedade e a economia se organizando a partir de sua lógica própria. Para fechar o círculo, as instrumentalidades políticas (golpes, ditadura, constituições, eleições) estão sempre a mão, disponíveis para a mudança de modelos políticos, sem pôr em risco a reprodução e a sobrevivência do paradigma.
Penetração do sistema cultural
Mas é no sistema cultural que encontramos, de forma mais clara e ostensiva, a fisionomia do paradigma. Os valores, crenças e tabus que integram o sistema cultural, legitimam, no imaginário social e na própria compreensão do que é economia, política e relações sociais, o paradigma do Estado hegemônico.
Nas áreas política e econômica, os valores dominantes são todos referidos ao Estado:

    * Bem Comum - objetivo do Estado
    * Justiça Social - responsabilidade do Estado
    * Desenvolvimento - missão e obra do Estado
    * Criação de empregos- obrigação do Estado

Por outro lado, no que respeita à atividade econômica, ao longo da nossa história, sua valoração tem sido oposta à lógica econômica:

    * Trabalho - sinal de inferioridade social
    * Riqueza - condição ilegítima, injusta
    * Juro, Rendimento - especulação
    * Lucro - exploração, ganância
    * Sucesso - resultado da sorte, da herança ou de outros fatores desvinculados do trabalho

Finalmente, crenças socialmente legitimadas como a função tutelar do Estado em relação à sociedade, a modernidade e o desenvolvimento sem sacrifícios, o dever do Estado de resolver nossos problemas individuais revestem aquela hegemonia de justificativa moral. Fecha-se assim o círculo que protege e sustenta o paradigma.
Por um lado ele está presente em todos os sistemas da sociedade, ocupando suas posições chaves e se cristalizando numa representação cultural idealizada que lhe confere legitimidade e superioridade moral, por outro, o consenso tácito e histórico que existe entre as forças políticas (de esquerda, direita ou de centro) sobre a legitimidade do paradigma, faz com que a disputa esteja circunscrita aos "modelos de organização política", jamais sobre o paradigma.

http://www.politicaparapoliticos.com.br/politica.php?c=23&s=64&tx=2604
Uma verdade ou um ser podem ser vistos de vários pontos, porém a verdade e o ser estão acima de pontos de vista.

 

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