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Revolução verde puxada pelo Estado
« Online: 28 de Março de 2016, 18:52:58 »
Revolução verde puxada pelo Estado

Por Mariana Mazzucato

As discussões sobre construir um futuro verde costumam basear-se na necessidade de melhorar a geração de energia a partir de fontes renováveis. Esse, no entanto, é apenas o primeiro passo. Mecanismos melhores para armazenar e liberar essa energia - quando o sol não brilha e o vento não sopra ou quando os carros elétricos estão em movimento - também são cruciais. E, ao contrário da opinião geral, é o setor público que vem mostrando o caminho rumo a soluções eficientes.

Desde o desenvolvimento comercial das baterias de íons de lítio - as baterias recarregáveis comuns em bens eletrônicos de consumo - no início dos anos 90, o desafio de armazenar e liberar a energia de forma suficientemente eficiente para que fontes de energia sustentáveis sejam alternativas viáveis aos combustíveis fósseis vem se revelando complicado. Esforços de bilionários empreendedores como Bill Gates e Elon Musk para superar esse desafio foram foco de muitas especulações entusiasmadas da mídia. Então, quantos bilionários são necessários para trocar uma bateria?

A resposta, como se vê, é nenhum. No início do mês, Ellen Williams, diretora da Agência de Projetos de Pesquisa Avançada-Energia (Arpa-E, na sigla em inglês), parte do Departamento de Energia dos Estados Unidos, anunciou que sua agência havia superado os bilionários. A Arpa-E, declarou Williams, havia encontrado "alguns santos graais das baterias", o que vai permitir "criar uma abordagem totalmente nova para a tecnologia de baterias, fazer com que funcione e fazer com que seja comercialmente viável".

Embora tenha elogiado os feitos de Musk, Williams fez distinções profundas entre suas abordagens. Musk empenhou-se na produção em grande escala e "uma tecnologia de bateria existente, muito potente". A Arpa-E, em contraste, buscava inovações tecnológicas em seu sentido mais puro: "criar novas formas de fazer". E eles "estão bastante convencidos" que algumas de suas tecnologias "têm potencial para serem significativamente melhores".

Para muitas pessoas, o acontecimento pode parecer surpreendente. Afinal, o setor privado há muito é considerado como a fonte mais importante de inovação da economia. Essa percepção, contudo, não é totalmente precisa.

Na verdade, grandes figuras empreendedoras da história frequentemente estiveram sobre os ombros do Estado empreendedor. O falecido fundador e executivo-chefe da Apple, Steve Jobs, foi um empresário inteligente, mas todas as tecnologias que tornam o iPhone "inteligente" foram desenvolvidas com financiamento estatal. É por isso que Gates declarou que apenas o Estado, na forma de instituições públicas como a Arpa-E, pode mostrar o caminho para avanços revolucionários na energia.

É crucial perceber aqui que não se trata do Estado como administrador desempenhando esse papel; em vez disso, trata-se do Estado empreendedor em ação, criando mercados, em vez de apenas consertando-os. O Estado, com liberdade de experimentação e uma abordagem com missões bem definidas - na qual se compreende que fracassos são inevitáveis e até bem-vindos, já que são condição do processo de aprendizado - tem melhores condições de atrair os maiores talentos e ir atrás de inovações radicais.

Naturalmente, liderar uma revolução verde não vai ser uma tarefa fácil. Para serem bem-sucedidas, as agências públicas vão ter de superar obstáculos significativos.

Vejamos a Arpa-E, que foi criada em 2009 como parte do pacote de estímulos econômicos do presidente dos EUA, Barack Obama. Embora ainda em sua infância, a agência - baseada no modelo da Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa (Darpa), há muito estabelecida - já se mostrou muito promissora. E, depois do compromisso assumido por Obama e outros 19 líderes mundiais na conferência contra as mudanças climáticas realizada em dezembro em Paris, de dobrar o investimento público em pesquisas em energia "verde", a Arpa-E parece encaminhada a ganhar um impulso bem-vindo em seu financiamento.

A Arpa-E, contudo ainda carece da capacidade de criar e modelar novos mercados que a Darpa, por exemplo, tem. Isso representa um obstáculo importante, porque a agência trabalha em um setor que continua em seus estágios iniciais. Embora o desenvolvimento de tecnologias de energia solar e eólica tenha recebido grande impulso na década de 70, ambos ainda são marcados por incertezas de mercado e tecnológicas. A infraestrutura existente de energia goza de fortes vantagens por já estar presente, enquanto os mercados não apreciam a sustentabilidade de forma adequada nem avaliam o custo do desperdício e da poluição de forma correta.

Diante dessas incertezas, o setor empresarial não vai entrar no mercado até terem sido feitos os investimentos mais arriscados e que exijam mais capital ou terem sido emitidas sinalizações políticas sistemáticas e coerentes. Os governos precisam, portanto, agir de forma decisiva para fazer os investimentos necessários e emitir os sinais certos.

Um ponto crucial é que os governos também precisam instalar salvaguardas para assegurar que o Estado empreendedor, por seus esforços, colha uma fatia apropriada das recompensas. No passado, isso podia ocorrer por via tributária indireta (com a maior arrecadação que a inovação trazia ao entrar no mercado). A maior taxa marginal, entretanto, não está nem perto do nível em que estava nos anos 50, quando a Nasa, principal exemplo de inovação patrocinada pelo Estado, foi criada nos EUA (na época, a maior taxa marginal era de 91%). Graças ao lobby dos capitalistas de risco do Vale do Silício, o imposto sobre ganhos de capitais caiu 50% na metade final da década de 70. O aumento do uso de patentes no início da cadeia produtiva - por motivos "estratégicos", como se alega - enfraquece essa via indireta.

É claro que participantes do setor privado, como Gates e Musk, são parceiros essenciais para impulsionar a revolução verde. À medida que assumam um maior papel na comercialização e aplicação da tecnologia de armazenamento de bateria, eles vão ganhar sua fatia justa nas recompensas. Mas a Arpa-E (ou seus investidores-anjo, os contribuintes americanos) também não deveriam ter algum retorno por seu investimento pioneiro - e arriscado?

Em alguns países, como Israel (com seu programa Yozma) e Finlândia (com seu fundo Sitra), o governo mantém uma participação nas inovações financiadas pelo Estado. Isso permite que o Estado empreendedor continue a investir, catalisando a próxima onda de inovações. Por que os países ocidentais resistem tanto a essa ideia tão sensata?

Mariana Mazzucato é professora de economia da inovação na Science Policy Research Unit, da University of Sussex, e autora de "O Estado Empreendedor: Desmascarando o Mito do Setor Público vs. o Setor Privado". Copyright: Project Syndicate, 2016.

www.project-syndicate.org

http://www.valor.com.br/opiniao/4492264/revolucao-verde-puxada-pelo-estado

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Offline JJ

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Re:Revolução verde puxada pelo Estado
« Resposta #1 Online: 28 de Março de 2016, 19:52:01 »

A propósito o Estado americano também tem forte influência em outros avanços tecnológicos:


Redução do papel do Estado na economia sempre foi mito


Apesar de todas as manchetes sobre a volta do Estado à economia, ele nunca se retirou, e os EUA são o maior exemplo disso, afirma Linda Weiss, especialista em desenvolvimento e professora do Departamento de Governo e Relações Internacionais da Universidade de Sydney (Austrália).

Por Claudia Anutes, na Folha de S. Paulo

Weiss cita especificamente a política de inovação tecnológica americana, organizada por meio de encomendas da área militar do governo, como exemplo do que chama de "ativismo estatal" que nunca diminuiu nas economias mais ricas.

Weiss afirma que a China está adaptando o modelo americano para começar a produzir tecnologias próprias, e sugere que o Brasil estude o exemplo. Ela deu entrevista à Folha depois de participar, no Rio de Janeiro, de seminário no Instituto de Economia da UFRJ sobre Reposicionamentos Estratégicos, Políticas e Inovação em Tempo de Crise. Abaixo, os principais trechos.

FOLHA - A senhora diz que não é possível falar em volta do Estado à economia porque ele nunca foi embora. Pode explicar?

LINDA WEISS - A ideia predominante no debate sobre a globalização e a sua relação com as opções de política econômica é que o Estado foi posto numa camisa de força e recuou da economia.

Fez isso para atrair investimentos num mundo de capitais móveis. O melhor governo é o que reduz impostos e regulações. O Estado atua nas margens da economia, sem presença ativa e muito menos desenvolvimentista. Contesto essa ideia olhando para o que os Estados mais poderosos vêm fazendo.

FOLHA - E quais são os principais exemplos?

WEISS - O primeiro é o paradoxo de que a desregulamentação requer rerregulamentação. Por exemplo, o governo privatiza, mas acaba se tornando muito ativo na arena regulatória, criando agências.
Isso de certo modo aumentou o envolvimento do Estado, sem necessariamente passar pelas autoridades executivas, que têm que responder ao eleitorado.

FOLHA - Mas, no mercado financeiro, houve menos regulamentação, não?

WEISS - Houve uma opção por não regulamentar. Foi uma opção movida a razões nacionalistas, porque tanto o Reino Unido quanto os EUA viam o setor financeiro como o que liderava a projeção do seu poder na arena econômica internacional.
Com Wall Street de um lado e a City do outro, para eles fazia sentido ser liberais.
O Japão fez o mesmo, de modo diferente. Ao desregulamentarem o setor financeiro, os burocratas quiseram manter sua presença e escreveram as regras com esse objetivo, sem permitir mais autorregulamentação.

Além disso, há uma forma de ativismo que é a intervenção recorrente do Estado para resgatar o sistema bancário em crises. O que vemos hoje não é excepcional, é parte do padrão da internacionalização das finanças nos últimos 200 anos.

FOLHA - Que outros exemplos a senhora reuniu?

WEISS - Um fundamental é no campo da inovação e da tecnologia. Na OMC (Organização Mundial do Comércio), os Estados líderes escreveram normas que lhes dão margem para promover sua indústria nascente, ao mesmo tempo em que reduziram essa margem para países em desenvolvimento.

As regras da OMC permitem políticas de subsídio à ciência e tecnologia, que é a forma da indústria nascente nas chamadas economias de conhecimento intensivo.
Você vê intervenções muito focadas dos governos dos Estados Unidos, da Europa e do Japão no setor de alta tecnologia, incluindo comunicação e informação, novos materiais, novas energias. São áreas vistas como plataformas de sua prosperidade futura.

FOLHA - Como a senhora compararia o ativismo estatal nos EUA e na Europa com o na Ásia?

WEISS - Eu diria que o ativismo asiático está acima do radar, os países da região não se envergonham de mostrar que têm política industrial. As populações também apoiam o uso do poder do Estado na economia. No caso dos EUA, não há consenso sobre o ativismo estatal. Então, ele aparece abaixo do radar. A área que explica de onde vieram as inovações nos EUA, país que é líder em alta tecnologia, é a máquina de encomendas ligada ao setor militar.

Os EUA construíram um sistema formidável de inovação baseado no fato de responderem por 50% dos gastos militares mundiais. Dessa forma existe apoio popular e político, porque a linguagem usada é a da segurança nacional. Esse sistema de encomendas públicas de inovações é tão importante que os europeus agora estão vendo como podem adaptar a seu próprio setor civil. A China está fazendo a mesma coisa.

FOLHA - Como a China está seguindo o exemplo dos EUA?

WEISS - A China, por exemplo, quer desenvolver sua própria indústria de software e está usando encomendas de tecnologia para isso. Ela está definindo o que é uma empresa chinesa com base no "Buy American" [cláusula do pacote de estímulo econômico aprovado nos EUA no início deste ano].

Para o "Buy American", uma empresa americana tem pelo menos 50% de capital americano, está baseada nos EUA e usa trabalhadores americanos. Essa é a definição que os chineses estão usando em sua estratégia de compras governamentais, com o objetivo de construir sua própria indústria de alta tecnologia. [No Brasil, a emenda constitucional nº 6 acabou em 1995 com a distinção entre empresas de capital nacional e capital estrangeiro].

FOLHA - Apesar do ativismo estatal, o Estado de bem-estar social diminuiu?

WEISS - Quando olhamos os números da OCDE [Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, que reúne cerca de 30 países industrializados], vemos que o Estado previdenciário na verdade cresceu.

O gasto total aumentou em média de 26% para 40% do PIB entre 1965 e 2006. E o componente social desse gasto aumentou de 15% para 22% em 30 anos. Houve reestruturações no destino do dinheiro, mas não declínio.

FOLHA - Mas o Estado como produtor recuou, não?

WEISS - Sim, claro. Mas é enganoso ver isso como enfraquecimento do Estado. Quando os serviços eram públicos, qual era o papel do Estado, afinal?
Mandar contas de luz e gás?
Não era exatamente um ator no sentido do desenvolvimento.

FOLHA - A resistência que vemos hoje nos EUA ao envolvimento estatal com o sistema de saúde não é paradoxal?

WEISS - Esse debate mostra que o sistema político americano não legitima um programa civil de tecnologia. O Programa de Tecnologia Avançada, civil, teve vida curta no governo Clinton [1993-2001] e recentemente perdeu seu orçamento.
É principalmente por meio do setor militar que são criadas estruturas híbridas, agências com função de investimento e que não são nem puramente públicas nem privadas em seu comportamento. Elas fazem essas encomendas de alta tecnologia.

FOLHA - E como os produtos chegam ao mercado civil?

WEISS - Não há uma cerca entre a Defesa e o setor civil. A CIA (Agência Central de Inteligência dos EUA), por exemplo, tem seu próprio fundo de investimento e assume participações em empresas privadas. Financia tecnologia que é usada para objetivos militares, mas também tem que ser viável comercialmente.

FOLHA - Que observações a senhora fez sobre a posição do Brasil nesse debate?

WEISS - Foi interessante ouvir outro dia que a política industrial brasileira tem dois pontos problemáticos: a falta de uma política agressiva para a exportação de manufaturados e a política de compras governamentais, que não teria decolado.
Sugiro trazer o caso americano para debate no Brasil. As compras governamentais são um instrumento poderoso de desenvolvimento. O importante é separar as compras ordinárias, como papel e mobília, das encomendas de tecnologia, de algo que ainda não existe.

Nisso você estabelece uma competição entre quem pode produzir tal coisa e como o Estado pode ajudar. Não é só o governo dizendo como deve ser, mas há uma interação.
De um só programa americano, o Small Business Innovation Research Program, de onde vieram nomes como a Microsoft, centenas de firmas receberam financiamento. Não são somas grandes, poderiam ser US$ 750 mil, por exemplo, para levar a tecnologia da fase da ideia na cabeça ao protótipo.

O programa foi lançado em 1982, quando nos EUA temia-se perder a corrida tecnológica para Japão e Alemanha, e envolve muitas agências governamentais, incluindo o Instituto Nacional de Saúde -que faz encomendas ao setor farmacêutico e de biotecnologia-, a Nasa e a Defesa.
« Última modificação: 28 de Março de 2016, 19:54:32 por JJ »

Offline JJ

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Re:Revolução verde puxada pelo Estado
« Resposta #2 Online: 28 de Março de 2016, 19:57:05 »

Mas é bom lembrar que no Brasil nós devemos ter um certo cuidado com essas ideias, pois a tendência de corrupção dos políticos brasileiros e a leniência do nosso  sistema penal  torna tal opção mais  arriscada para nós.




 

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