Como a regulação do governo prejudica a medicina e contribui para a pseudociênciaPublicado em 5 de maio de 2016 | por Daniel Bier
Em 1900, a expectativa de vida média nos Estados Unidos era de apenas 47 anos, e uma em cada 10 crianças morriam antes de completar 1 ano. Hoje, a expectativa de vida está chegando a 80 anos, e a mortalidade infantil caiu para 0,5%. Vacinas têm levado à quase extinção doenças mortais como a pólio, varíola, sarampo, coqueluche, hepatite e tétano. Se houvesse um monumento à conquista humana, seria o de que existem tantas pessoas vivas e saudáveis ao seu redor – e tão poucas doentes ou morrendo.
A medicina moderna é um triunfo excepcional da inteligência e da cooperação humana. Como resultado de um desenvolvimento científico e econômico sem paralelos, o Ocidente tem erradicado doenças infecciosas, reduzido a mortalidade infantil drasticamente, e tem tido progressos no diagnóstico e tratamento de todos os tipos de enfermidade.
No entanto, a desconfiança na medicina baseada em evidências ainda é grande, e práticas pseudocientíficas continuam a prosperar às suas margens – apenas nos Estados Unidos, a medicina alternativa é um mercado que movimenta U$ 34 bilhões ao ano. Dado o inegável sucesso da medicina moderna, por que tantos a rejeitam em favor de remédios sem base científica? Enquanto a resposta, certamente, baseia-se em uma combinação de fatores, incluso os de caráter histórico, cultural e psicológico, a economia revela outro possível culpado pelo sucesso da pseudo-medicina: leis de licenciamento ocupacional.
O economista Milton Friedman, em seu livro “Capitalismo e Liberdade”, publicado em 1962, especulou a respeito do fator econômico por trás da aceitação pública da medicina charlatã. Friedman dizia que as regulamentações de licença para a prática médica criou um incentivo econômico para os substitutos à medicina convencional. Ele argumentava que o licenciamento cortou drasticamente a oferta profissionais médicos, direcionando os consumidores para alternativas não regulamentadas.
Sempre que se estabelece uma barreira para entrar em algum campo, se estabelece um incentivo para encontrar maneiras de contorná-la e, é claro, a medicina não é uma exceção. O surgimento das profissões de osteopatia e de quiropraxia não é algo desconexo à restrição para se ingressar na medicina. [...] Pelo contrário, cada uma delas representou, até certo ponto, uma tentativa de contornar a restrição de entrada [...] Estas alternativas possivelmente possuem uma qualidade inferior à que teria a prática médica, caso não houvesse tais restrições.
Friedman explicou que se as licenças cumprirem seu propósito – evitar a entrada de prestadores de serviços médicos marginais – então, para aqueles que não têm condições de pagar um médico, “a alternativa é a prática inexperiente por parte de alguém; ela pode ser realizada por pessoas que não tenham qualquer qualificação profissional.” Friedman certamente tinha razão em 1962, mas hoje, a demanda pela medicina alternativa vem principalmente de pessoas com mais recursos. A demanda por cuidados básicos é inelástica e subsidiada pelo estado assistencialista, enquanto a maior parte dos tratamentos médicos alternativos não é coberta pelo Medicaid [N.R.: Programa do governo dos EUA que subsidia a assistência com saúde para os mais pobres], e os pobres possuem menos renda disponível para gastos com quiropráticos, suplementos caros, e assim por diante. Em todo caso, o licenciamento reduz a oferta, elevando o preço da assistência médica e tornando seus substitutos mais atrativos. O campo é preenchido por charlatões e vendedores de remédios “milagreiros”, resultando em mais fornecedores desqualificados do que em uma situação onde o livre mercado prevalecesse, com certificações privadas competitivas.
O que é significativo em relação ao curandeiro e o homeopata não é apenas o fato de que eles tendem a ser mais baratos do que médicos diplomados, mas também porque eles frequentemente prometem, de forma fraudulenta, maiores benefícios pelos seus serviços do que aqueles que a medicina possa proporcionar. Esta situação parece indicar que as restrições impostas pelo governo sobre a oferta de assistência médica podem agravar as restrições postas pela realidade.
Em quase todo caso, o que a medicina alternativa está vendendo é, na verdade, uma resposta placebo, a qual é um fenômeno real, resultante de interações positivas com pessoas que se conhece, não importando se elas estejam usando jalecos ou cristais mágicos. Ao mesmo tempo, por conta da oferta reduzida, médicos extremamente qualificados gastam muito tempo tratando problemas menores. O tempo de que dispõem é extremamente valioso e demandado, criando altos custos de oportunidade para conversar com os pacientes. Além disso, por conta de terceiros, tais como o Medicare [N.R.: nome do sistema de seguros de saúde gerido pelo governo dos Estados Unidos da América e destinado às pessoas de idade igual ou maior que 65 anos ou que verifiquem certos critérios de rendimento] e a obrigatoriedade dos planos de saúde pagarem por quase todo procedimento médico, existe pouca competição entre os médicos, e quase nenhuma entre eles e os técnicos menos qualificados, que poderiam tratar problemas simples de forma efetiva e a um custo inferior, em um ambiente menos regulado.
Estes fatos nos permitem fazer duas previsões, que acredito terem fundamento. Primeiro, levando-se em conta as barreiras de entrada e o status de cartel dos médicos, a qualidade das interações pessoais deles com os pacientes é, provavelmente, menor do que seria de outro modo. (Por exemplo, um estudo revelou que os médicos ouvem os pacientes por apenas 23 segundos antes de interrompê-los.) Segundo, pessoas que vendem serviços alternativos ou substitutos competirão nessa margem através de uma abordagem mais amistosa, ouvindo mais, e prometendo resultados extremamente otimistas. O resultado é um efeito placebo para o paciente, e uma vasta indústria de provedores “alternativos” bem-intencionados, porém desqualificados, para a sociedade.
O fato lamentável é que a principal escassez de assistência médica é criada pela natureza: nem tudo pode ser consertado, e ninguém vive para sempre. Enquanto buscarmos a imortalidade, as pessoas continuarão a ser enganadas por charlatões prometendo a cura de todos os males e poções mágicas. É por isso que a demanda não atendida pelo tratamento perfeito é preenchida pela falsa oferta. Superstição e falta de realismo se abrigam nas lacunas de nosso conhecimento, e amistosos charlatões preenchem as margens da assistência médica, afirmando resolver todos os problemas que a medicina ainda não resolveu.
Parte disso é inevitável e, provavelmente, inofensivo, mas pode se revelar muito perigoso quando picaretas convencem pessoas doentes a beber água ao invés de tomar antibióticos ou estalar suas costas ao invés de fazer quimioterapia. Ao restringir a oferta de profissionais através do licenciamento e outras regulamentações, governos têm tornado mais difícil aos americanos o acesso à assistência médica, e assim, ironicamente, levando as pessoas a alternativas de qualidade ainda mais baixa em relação à boa medicina. As boas intenções dos reguladores raramente prevalecem sobre os incentivos econômicos. É tempo de combater a fraude com a liberdade: Elimine as barreiras de entrada e deixe as pessoas escolherem o nível de tratamento que seja bom para elas.
// Tradução de Saulo Henrique. Revisão de Ivanildo Santos III. |
Artigo OriginalDaniel Bier
É editor do fee.org.