A maioria desses artistas (e vários "intelectuais") certamente conhece e divulga apenas um marxismo vulgar e repetem "mantras" a partir disto. Isto é muito diferente de conhecer e escrever com profundidade sobre a teoria de Marx. É importante fazer essa diferenciação para que não pareça estar atacando espantalhos pseudo marxistas.
Segue um trecho de um ensaio de Paulo Roberto de Almeida sobre esta questão, e o link para o arquivo inteiro em PDF.
Falácias acadêmicas, 15: o modo repetitivo de produção do marxismo vulgar no BrasilPaulo Roberto de Almeida*
Resumo: Descrição do fenômeno da degeneração do marxismo em
universidades brasileiras, mediante o acúmulo de pastiches de má qualidade da
obra original, o que resulta na emergência de um “modo repetitivo de
produção”, consistindo na assemblagem de slogans derivados da fonte inicial,
mas sem qualquer conexão com a realidade do mundo corrente. Exposição das
falácias mais comuns nesse tipo de vulgarização, que constitui uma contrafação
do verdadeiro marxismo.
Palavras-chave: Marxismo, capitalismo, imperialismo, alienação acadêmica,
falácia.
1. Uma falácia persistente: a deformação do marxismo nas academias Existe, no mundo acadêmico das humanidades – em especial na América Latina e, com certa ênfase, no Brasil –, uma categoria de repetidores mecânicos do marxismo, basicamente superficiais, que jamais deveriam merecer qualquer inclusão nessa escola de pensamento, que é ainda funcional para fins da moderna teoria social. Eles são os atuais representantes daqueles papagaios de pirata já imortalizados no cinema e na literatura: ficam em cima dos ombros de algum personagem principal, captam algumas migalhas de seu pensamento – pescadas em manuais de segunda mão – e se contentam em repetir slogans de fácil memorização: luta de classes, exploração, burguesia, imperialismo, mais-valia, acumulação ampliada, e assim segue, numa repetição infinita que chega a ser enfadonha. O que poderia ser tolerado em romances de aventura fica, no entanto, mais problemático quando se trata de trabalho intelectual que deveria ser, supostamente, de qualidade. Este é o quadro que encontramos hoje em várias faculdades brasileiras de humanidades, geralmente nas públicas, mas em várias privadas também.
Tenho encontrado vários representantes do gênero, tanto em minhas andanças e lides acadêmicas, quanto em contato com estudantes (alguns desesperados), que me escrevem para reclamar de alguns desses papagaios de pirata que ficam despejando conceitos abstratos sobre essa classe de passivos ouvintes, obrigados a conviver com o que se poderia chamar de “marquissismo” vulgar. Cabe, no entanto, antes de qualquer análise mais detalhada desse lamentável fenômeno típico da mediocrização crescente de nossas academias, distinguir formalmente os papagaios repetidores dos verdadeiros representantes da espécie: é o que fazemos numa primeira seção, dedicando as seções subsequentes à listagem dos slogans mais frequentes e fornecendo algumas evidências sobre esse tipo de prática, que pode ser enquadrado na categoria mais geral da desonestidade intelectual (ou da ingenuidade inculta, pura e simples). O que fazem, o que pregam e o que praticam os atuais representantes universitários dos antigos papagaios de piratas não deixa de constituir aquilo que já foi chamado de “falácias acadêmicas”, ou seja, equívocos conceituais e erros de lógica elementar, que se situam no seguimento de uma série já longa (mas, ainda assim,apenas em seu início) dedicada às falácias mais comuns nesse meio. Que fique claro, portanto, que o que está em causa aqui não é o marxismo, enquanto tal, ou seja, a eventual validade heurística da metodologia materialista para fins analíticos – embora isso possa ser igualmente objeto de críticas epistemológicas –, mas a contrafação do marxismo, ou sua utilização de modo primário e superficial nas “análises” acadêmicas de baixa qualificação substantiva.
2. Marxistas e “marquissistas”: duas espécies, de duas classes diferentes
Seria útil, portanto, antes de examinar a segunda espécie, ou seja, os praticantes do que foi chamado de “modo repetitivo de produção”, reconhecer os méritos analíticos da velha escola de pensamento, que continua ainda a prestar bons serviços à academia de boa qualidade, como nos prova ainda um sociólogo que muitos dos repetidores colocariam no campo dos pensadores de “direita”; trata-se de Raymond Aron, especificamente em sua obra sobre o marxismo de Marx. Antes que algum desses repetidores mecânicos pense em descartar Aron como um mero representante do pensamento conservador, caberia lembrar que ele foi um arguto analista de Marx e, no plano econômico, dizia ser um “keynesiano com alguma nostalgia do liberalismo econômico”, querendo dizer com isso que achava inevitável, nas sociedades abertas da modernidade, um papel significativo para o Estado no ordenamento econômico e social.
A missão principal de Raymond Aron, durante toda a sua vida de intelectual, foi a defesa da ordem liberal clássica – ou seja, das modernas economias de mercado e das democracias formais – contra a ameaça de sovietização da Europa ocidental, bastante real na época da Guerra Fria. Liberdades democráticas e propriedade privada eram os pilares dessa ordem, como ele não deixou de sublinhar em vários escritos seus, cabendo também registrar seus demais trabalhos de natureza geopolítica, sobre o equilíbrio do terror nos enfrentamentos bipolares da era nuclear. Visto em retrospecto, ou seja, pelo registro dos experimentos do socialismo real na parte centro-oriental do continente, a disseminação do modelo socialista soviético ao conjunto da Europa só poderia prometer aquilo que foi servido aos povos cominados do leste europeu: um regime de penúrias materiais, de controle absoluto sobre as vidas privadas, uma ordem totalitária, de ausência completa das liberdades mais elementares, enfim, um sistema baseado na mentira, na fraude intelectual e na coerção física dos indivíduos (sem que seja preciso mencionar novamente os milhões de mortos produzidos ao longo do tempo).
Curioso que tendo em vista toda essa materialidade atualmente disponível para quem deseje se informar, tantos papagaios repetidores do marxismo vulgar no Brasil continuem a defender não apenas o socialismo histórico, enquanto sistema econômico e social possível, mas também seu pequeno avatar numa ilha do Caribe, que só trouxe miséria, repressão e sofrimento aos seus habitantes. Aparentemente, esses papagaios distraídos ficaram na janela contemplando a estratosfera, enquanto a história real se desenrolava no mundo real, sem qualquer reflexo em suas digressões abstratas: queda do muro de Berlim, derrocada do socialismo e da União Soviética, marcha acelerada em direção ao capitalismo na China, eleições em todas as partes e crescente perda de legitimidade das poucas ditaduras remanescentes em alguns cantos do mundo (tanto é que ditadores potenciais precisam “fabricar” eleições e plebiscitos para justificar seus regimes autoritários). Nada disso parece abalar ou mudar convicções arraigadas, o que...
Restante no link:
http://www.periodicos.uem.br/ojs//EspacoAcademico/article/viewFile/13823/7221 Paulo Roberto de Almeida é Doutor
em Ciências Sociais, Mestre em Planejamento
Econômico, Diplomata de carreira.