Autor Tópico: Debatendo questões difíceis - o advogado do diabo.  (Lida 1193 vezes)

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Offline AlienígenA

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Debatendo questões difíceis - o advogado do diabo.
« Online: 24 de Outubro de 2016, 10:37:53 »
Bom dia pessoal,

Minha filha me pediu ajuda para formular argumentos para um debate de filosofia sobre um capítulo de um livro de Peter Singer (Todos os Animais são Iguais), coitada.

Basicamente, ela precisa apontar falhas na infalível argumentação acerca da razão pela qual o princípio ético que sustenta a igualdade humana exige uma idêntica atitude igualitária para com os animais.

Após muita pesquisa só consegui encontrar críticas razoáveis ao utilitarismo, principalmente John Rawls, mas que, em princípio, ainda não li, não parece ajudar muito na questão fundamental.
 
Se alguém puder ajudar nesta inglória tarefa, indicando autores, textos ou uma direção a seguir, seria muito, muito, muito bom.  :)

Não abri o tópico só por isso, no entanto. Gostaria de debater possíveis implicações não tão óbvias, tanto econômicas quanto ecológicas e até mesmo éticas, principalmente a médio/longo prazo, do abandono gradual da alimentação onívora.

São muitas as dúvidas que me ocorreram e não estou conseguindo fazer um resumo, então para começar: é prudente depender quase exclusivamente da agricultura frente a ameaças de mudanças climáticas abruptas devido ao aquecimento global? Quero dizer, um ciclo ruim, devido a uma combinação de fatores do tipo "tempestade perfeita" não poderia ser catastrófico para a humanidade, ou melhor dizendo, muito mais catastrófico do que se ocorresse atualmente?

Offline JJ

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Re:Debatendo questões difíceis - o advogado do diabo.
« Resposta #1 Online: 24 de Outubro de 2016, 10:50:44 »
Bom dia pessoal,

Minha filha me pediu ajuda para formular argumentos para um debate de filosofia sobre um capítulo de um livro de Peter Singer (Todos os Animais são Iguais), coitada.

Basicamente, ela precisa apontar falhas na infalível argumentação acerca da razão pela qual o princípio ético que sustenta a igualdade humana exige uma idêntica atitude igualitária para com os animais.




Todo sistema ético é relativo e depende simplesmente  da escolha individual de valores  (e enfatizando e relembrando que  valores são essencialmente subjetivos).  A partir dessa subjetiva escolha de valores  parte-se, caso queira,  para a escolha do sistema ético que mais se adeque a esses valores (obviamente espera-se que a pessoa escolha um que seja coerente). 


Falar em falha na argumentação do Peter Singer eu considero quase impossível (o cara é uma sumidade em sua  área de especialização, e é extremamente duvidoso que ele tenha cometido erros de lógica argumentativa, que um estudante ou professor comum possam apontar),  o que eu acho possível é uma pessoa argumentar  que simplesmente  não acolhe  tais e tais valores, e assim simplesmente dizer que como não acolhe tais valores, então prefere escolher outro sistema ético que esteja conforme os seus valores livremente escolhidos.




« Última modificação: 24 de Outubro de 2016, 10:52:49 por JJ »

Offline Lorentz

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Re:Debatendo questões difíceis - o advogado do diabo.
« Resposta #2 Online: 24 de Outubro de 2016, 10:54:48 »
São muitas as dúvidas que me ocorreram e não estou conseguindo fazer um resumo, então para começar: é prudente depender quase exclusivamente da agricultura frente a ameaças de mudanças climáticas abruptas devido ao aquecimento global? Quero dizer, um ciclo ruim, devido a uma combinação de fatores do tipo "tempestade perfeita" não poderia ser catastrófico para a humanidade, ou melhor dizendo, muito mais catastrófico do que se ocorresse atualmente?

Sim, é perfeitamente possível depender da agricultura. Até porque a carne que comemos vem em sua maioria de animais que dependem da mesma agricultura, mas com muito mais desperdício e impacto ambiental. Se pararmos de comer pelo menos a carne bovina e compensarmos com peixe e aves, já reduzimos em muito o impacto ambiental.

Se houver a "tempestade perfeita", vai faltar carne igualmente, talvez com um pequeno delay em relação ao resto dos alimentos.
"Amy, technology isn't intrinsically good or bad. It's all in how you use it, like the death ray." - Professor Hubert J. Farnsworth

Offline JJ

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Re:Debatendo questões difíceis - o advogado do diabo.
« Resposta #3 Online: 24 de Outubro de 2016, 11:18:11 »
Estes trabalhos acadêmicos  (arquivos em PDF)  certamente serão uteis:


http://www.uece.br/cmaf/dmdocuments/Dissertacoes2008_direito_Vida_Peter_Singer.pdf
Introdução...07
Capítulo I – Utilitarismo Clássico e Peter Singer..................................................... .....11
 1.1. Introdução ao Utilitarismo............................................... ....................................11
 1.2. Utilitarismo proposto por Jeremy Bentham.................................................... .....14
 1.3. Utilitarismo proposto por John Stuart Mill....................................................... ...31
 1.4. Utilitarismo e Epicurismo................................................. ...................................44
 1.5. Utilitarismo e Deontologismo.............................................. ...............................46
 1.6. Influência do Utilitarismo de Bentham e Mill no pensamento de Singer...........50
1.6.1. Semelhanças................................................ ...................................50
1.6.2. Divergências............................................... ...................................51
Capítulo II – Fundamentos conceituais do pensamento de Peter Singer a respeito do
tema Direito à Vida ...54
2.1. Introdução ao pensamento de Singer..................................................... .............55
2.1.1. Quatro preposições básicas.................................................... ........55
2.1.2. Utilitarismo............................................... .....................................56
2.1.3. Noções básica de Ética Prática.................................................... ..57
2.2. Igualdade e suas implicações................................................ ..............................61
2.3. Conceito de Especismo.................................................. .....................................63
2.4. Estatuto moral dos animais.................................................... .............................68
2.4.1. Argumentos Conservadores.............................................. .............69
2.4.2. Argumentos Bem-estaristas...........................................................71
2.4.3. Argumentos Abolicionistas............................................. ..............72
2.5. Pessoas não-humanas.........................................................................................74
2.6. Conceito de Pessoa..................................................... ........................................75
2.7. Argumentos a favor do Direito à Vida somente para Pessoas............................77
2.7.1. Frustração das preferências............................................... ............78
2.7.2. Efeito do assassinato sobre as pessoas..........................................78



http://www.centrodefilosofia.com/uploads/pdfs/philosophica/17_18/3.pdf
DA IGUALDADE.
PETE R SINGER E A DEFESA ÉTICA
DOS ANIMAIS CONTRA O ESPECISMO*

Singer constrói a proposta ética de inclusão dos animais na consideração
moral, por um lado, na perspectiva da crítica às tradições religiosas
e filosóficas antropocêntricas e hierarquizantes das quais somos herdeiros,
e, por outro lado, na perspectiva do ideal da igualdade apregoado
desde a modernidade pela mesma filosofia que fomenta o especismo,1
 o preconceito contra seres de outras espécies. Sem perder de vista a exigência
de coerência com o princípio da universalizabilidade, da general i…
http://www.centrodefilosofia.com/uploads/pdfs/philosophica/17_18/3.pdf






ÉTICA PRÁTICA
PETER SINGER

Tradução Álvaro Augusto Fernandes
Revisão Científica Cristina Beckert e Desidério Murcho
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
Sociedade Portuguesa de Filosofia
Gradiva
Filosofia Aberta
Título original inglês:
Practical Ethics
1993, by Cambridge University Press
Tradução: Álvaro Augusto Fernandes
Revisão do texto: Manuel Joaquim Vieira
Impressão e acabamento: Tipografia Lugo, Ltda.
http://www.afag.com.br/professorrubens/artigos%20e%20outros/Peter%20Singer%20-%20%C9tica%20pr%E1tica(286p)%20++.pdf



O valor do meio ambiente segundo Peter Singer
Igor Zanoni Constant Carneiro Leão#
 Denise Maria Maia**
RESUMO - O texto apresenta uma mostra do pensamento do filósofo ético Peter Singer, um
dos mais importantes pensadores sobre questões como meio ambiente e direitos dos animais,
propondo uma forma sustentável de vida na atualidade.
Palavras-chave: Meio ambiente. Ética contemporânea. Sustentabilidade.
A economia e a ética confluem em diversas áreas relevantes na atualidade, uma das
quais são os direitos do meio ambiente. Este problema foi abordado pelo filósofo australiano
Peter Singer em seu importante livro Ética Prática. Este é um problema que diz respeito ao
nosso dia a dia e que tem ganhado importância nos últimos 50 anos. Trata-se de um problema
ético relevante na medida em que um ser racional deve levá-lo em conta considerando quais
são as responsabilidades que temos para com o meio ambiente e para o bem-estar das gerações
futuras que herdarão a Terra.
http://revistas.ufpr.br/ret/article/viewFile/26919/17940






https://repositorio.ufrn.br/jspui/bitstream/123456789/16518/1/AnselmoCO_DISSERT.pdf
FUNDAMENTOS DA FILOSOFIA MORAL DE
PETER SINGER

CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO................................................. ................................10
CAPÍTULO 2 - PETER SINGER E A REORIENTAÇÃO NA FILOSOFIA
MORAL DE LÍNGUA INGLESA NA DÉCADA DE 1970 ..........................................16
CAPÍTULO 3 - O QUE A ÉTICA NÃO É NA CONCEPÇÃO
DE PETER SINGER..................................................... .............................................25
3.1 NATURALISMO................................................ ...................................................25
3.2 INTUICIONISMO ........................................................... ......................................32
3.3 RELATIVISMO E SUBJETIVISMO SIMPLES.................................................... ..44
3.4 EMOTIVISMO...48
CAPÍTULO 4 – O QUE A ÉTICA É NA CONCEPÇÃO DE PETER SINGER:
A INFLUÊNCIA DO PRESCRITIVISMO UNIVERSAL E DO
UTILITARISMO CLÁSSICO ........................................................... ..........................54
4.1 O PRESCRITIVISMO UNIVERSAL DE R. M. HARE............................................54
4.1.2 A critica de John Mackie à universalizabilidade ...............................................64
4.1.3 A crítica de Peter Singer ao prescritivismo universal........................................68
4.2 O UTILITARISMO CLÁSSICO: J. BENTHAM E J. S. MILL...................................71
CAPÍTULO 5 – A ORIGEM DA ÉTICA E A UNIVERSALIZABILIDADE NA
FILOSOFIA MORAL DE PETER SINGER..................................................... ...........81
5.1 DA ORIGEM NATURAL DO COMPORTAMENTO SOCIAL ENTRE
OS ANIMAIS SOCIAIS À ÉTICA E À UNIVERSALIZABILIDADE...............................81
5.1.1 A natureza do altruísmo ........................................................... ........................89
5.1.2 A escada rolante da razão...................................................... ........................101
5.2 UNIVERSALIZABILIDADE ........................................................... .....................109
CAPÍTULO 6 – O PRINCÍPIO DE IGUAL CONSIDERAÇÃO DE
INTERESSES (PICI) NA FILOSOFIA MORAL DE PETER SINGER......................121
6.1 INTERESSES E SENCIÊNCIA ........................................................... ...............125
6.2 SERES SENCIENTES................................................. ......................................131
6.3 PESSOAS E SERES SENCIENTES (CONSCIENTES)
QUE NÃO SÃO PESSOAS.................................................... ..................................135
6.4 CARACTERÍSTICAS INDIVIDUAIS, CAPACIDADES
MENTAIS SUPERIORES E INTERESSES................................................. .............138
6.5 VALOR DA VIDA DE UMA PESSOA..................................................... .............146
CAPÍTULO 7 – RAZÕES PARA AGIR MORALMENTE.........................................156
7.1 RAZÕES QUE APELAM AO INTERESSE PRÓPRIO........................................162
7.2 VIDA ÉTICA E SENTIDO DA VIDA ........................................................... .........170
CAPITULO 8 – CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................... ......179
REFERÊNCIAS...186
https://repositorio.ufrn.br/jspui/bitstream/123456789/16518/1/AnselmoCO_DISSERT.pdf




http://tede.biblioteca.ufpb.br/bitstream/tede/5588/1/arquivototal.pdf
Analisamos a ética prática de Peter Singer a partir de sua própria ..... “Investigação Concernente aos Princípios da Moral”, na qual estabelece um sistema de.



« Última modificação: 24 de Outubro de 2016, 11:21:36 por JJ »

Offline AlienígenA

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Re:Debatendo questões difíceis - o advogado do diabo.
« Resposta #4 Online: 24 de Outubro de 2016, 13:33:19 »
Bom dia pessoal,

Minha filha me pediu ajuda para formular argumentos para um debate de filosofia sobre um capítulo de um livro de Peter Singer (Todos os Animais são Iguais), coitada.

Basicamente, ela precisa apontar falhas na infalível argumentação acerca da razão pela qual o princípio ético que sustenta a igualdade humana exige uma idêntica atitude igualitária para com os animais.




Todo sistema ético é relativo e depende simplesmente  da escolha individual de valores  (e enfatizando e relembrando que  valores são essencialmente subjetivos).  A partir dessa subjetiva escolha de valores  parte-se, caso queira,  para a escolha do sistema ético que mais se adeque a esses valores (obviamente espera-se que a pessoa escolha um que seja coerente). 


Falar em falha na argumentação do Peter Singer eu considero quase impossível (o cara é uma sumidade em sua  área de especialização, e é extremamente duvidoso que ele tenha cometido erros de lógica argumentativa, que um estudante ou professor comum possam apontar),  o que eu acho possível é uma pessoa argumentar  que simplesmente  não acolhe  tais e tais valores, e assim simplesmente dizer que como não acolhe tais valores, então prefere escolher outro sistema ético que esteja conforme os seus valores livremente escolhidos.

Foi a primeira sugestão que dei, mas parece que essa não é exatamente uma opção, já que o debate é sobre o capítulo mencionado, a proposta ali elaborada e lógica por trás dela. Como, no capítulo, Singer parte dos pressupostos para a defesa dos direitos das mulheres, negros e outras minorias, para chegar à defesa dos direitos dos animais, é quase um beco sem saída pegar a tangente.

Citar
Estes trabalhos acadêmicos  (arquivos em PDF)  certamente serão uteis:

Valeu! Vou passar o material para ela.  :ok:   

Offline AlienígenA

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Re:Debatendo questões difíceis - o advogado do diabo.
« Resposta #5 Online: 24 de Outubro de 2016, 15:57:30 »
São muitas as dúvidas que me ocorreram e não estou conseguindo fazer um resumo, então para começar: é prudente depender quase exclusivamente da agricultura frente a ameaças de mudanças climáticas abruptas devido ao aquecimento global? Quero dizer, um ciclo ruim, devido a uma combinação de fatores do tipo "tempestade perfeita" não poderia ser catastrófico para a humanidade, ou melhor dizendo, muito mais catastrófico do que se ocorresse atualmente?

Sim, é perfeitamente possível depender da agricultura. Até porque a carne que comemos vem em sua maioria de animais que dependem da mesma agricultura, mas com muito mais desperdício e impacto ambiental. Se pararmos de comer pelo menos a carne bovina e compensarmos com peixe e aves, já reduzimos em muito o impacto ambiental.

Se houver a "tempestade perfeita", vai faltar carne igualmente, talvez com um pequeno delay em relação ao resto dos alimentos.

Quando eu disse "depender quase exclusivamente da agricultura" quis dizer exatamente isso, com o consumo de carne, incluindo peixes e aves e, consequentemente seus derivados, tornando-se pontual e isolado - algo bizarro.

Um ficcional hipotético cenário onde a humanidade fosse gradualmente aderindo ao vegetarianismo até o ponto em que a demanda incentivasse o investimento financeiro a migrar massivamente para a agricultura, terminando por determinar um estilo de vida praticamente vegano, tornando a domesticação animal quase restrita à criação de estimação. 

Offline Pregador

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Re:Debatendo questões difíceis - o advogado do diabo.
« Resposta #6 Online: 25 de Outubro de 2016, 00:53:35 »
O argumento seria que animais não podem ser equiparados as minorias, que são categorias humanas. O Direito é predominantemente antropocêntrico, inclusive o ambiental. Sobre Rawls, na verdade, a sociedade escolhe alguns valores morais fundamentais sob os quais se fundam a sociedade e mesmo em sua teoria da justiça os valores fixados como de igual respeito e consideração para com os outros claramente se refere aos homens. A questão alimentar se reproduz na natureza, somos onívoros e, portanto, comemos carne. Não comer carne é questão de escolha, corolário do direito de liberdade. Em que pese autores como dworkin afirmem que existem verdades morais objetivas, isso somente pode ser aceito entro de uma teoria da ciência moral, cujos valores sempre serão escolhidos por um critério racional, mas de escolha. É uma questão de opção entre um ou outro modelo de sociedade e igualdade. Seja como for, não há como ignorar nossa responsabilidade para com os animais, na condição de único ser do planeta capaz de raciocinar sobre isso. Logo, embora possamos optar por continuar a comer carne, temos de tomar todas as medidas possíveis para amenizar ao máximo o sofrimento deles.
"O crime é contagioso. Se o governo quebra a lei, o povo passa a menosprezar a lei". (Lois D. Brandeis).

Offline AlienígenA

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Re:Debatendo questões difíceis - o advogado do diabo.
« Resposta #7 Online: 25 de Outubro de 2016, 09:05:48 »
O argumento seria que animais não podem ser equiparados as minorias, que são categorias humanas. O Direito é predominantemente antropocêntrico, inclusive o ambiental. Sobre Rawls, na verdade, a sociedade escolhe alguns valores morais fundamentais sob os quais se fundam a sociedade e mesmo em sua teoria da justiça os valores fixados como de igual respeito e consideração para com os outros claramente se refere aos homens. A questão alimentar se reproduz na natureza, somos onívoros e, portanto, comemos carne. Não comer carne é questão de escolha, corolário do direito de liberdade. Em que pese autores como dworkin afirmem que existem verdades morais objetivas, isso somente pode ser aceito entro de uma teoria da ciência moral, cujos valores sempre serão escolhidos por um critério racional, mas de escolha. É uma questão de opção entre um ou outro modelo de sociedade e igualdade. Seja como for, não há como ignorar nossa responsabilidade para com os animais, na condição de único ser do planeta capaz de raciocinar sobre isso. Logo, embora possamos optar por continuar a comer carne, temos de tomar todas as medidas possíveis para amenizar ao máximo o sofrimento deles.

A isso Singer chama de especismo, justamente o que aborda no capítulo em questão - equiparando-o ao sexismo. Ele comenta que quando uma autora (não me lembro o nome agora) publicou no século XIII (acho) o livro Defesa dos Direitos das Mulheres suas ideias foram consideradas absurdas, dando origem a publicação anônima da sátira Defesa do Direito das Bestas que visava refutar aquelas ideias mostrando que elas podiam ir um passo a frente. Faz muito sentido a argumentação dele. É muito bem conectada.

Quanto à "escolha de valores morais" é ainda mais complicado porque aí cai no relativismo e a coisa desanda de vez.

No fim de semana, enquanto debatíamos o assunto, minha filha fez um comentário capcioso - foi, inclusive, o que me trouxe aqui. Ela disse algo como: a única falha que encontro na argumentação de Singer é que ela se baseia no homem ideal. Isso imediatamente me lembrou de debates que li, acho que aqui mesmo no fórum, sobre o marxismo. Foi inevitável traçar paralelos, não entre os dois filósofos, mas entre os seus simpatizantes. Imaginei como que seria da vida dos onívoros num mundo predominantemente vegano. Daí, lembrei do que o próprio utilitarismo prega - as ações são julgadas por suas consequências, não por suas motivações. Ainda não elaborei direito a ideia, nem comentei com ela - achei que podia atrapalhar mais do que ajudar - mas pretendo fazê-lo quanto tiver tempo. Não acho que vai sair nada que preste daí, mas não posso evitar, despertou meu interesse.   

Offline Pregador

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Re:Debatendo questões difíceis - o advogado do diabo.
« Resposta #8 Online: 25 de Outubro de 2016, 11:08:43 »
O argumento seria que animais não podem ser equiparados as minorias, que são categorias humanas. O Direito é predominantemente antropocêntrico, inclusive o ambiental. Sobre Rawls, na verdade, a sociedade escolhe alguns valores morais fundamentais sob os quais se fundam a sociedade e mesmo em sua teoria da justiça os valores fixados como de igual respeito e consideração para com os outros claramente se refere aos homens. A questão alimentar se reproduz na natureza, somos onívoros e, portanto, comemos carne. Não comer carne é questão de escolha, corolário do direito de liberdade. Em que pese autores como dworkin afirmem que existem verdades morais objetivas, isso somente pode ser aceito entro de uma teoria da ciência moral, cujos valores sempre serão escolhidos por um critério racional, mas de escolha. É uma questão de opção entre um ou outro modelo de sociedade e igualdade. Seja como for, não há como ignorar nossa responsabilidade para com os animais, na condição de único ser do planeta capaz de raciocinar sobre isso. Logo, embora possamos optar por continuar a comer carne, temos de tomar todas as medidas possíveis para amenizar ao máximo o sofrimento deles.

A isso Singer chama de especismo, justamente o que aborda no capítulo em questão - equiparando-o ao sexismo. Ele comenta que quando uma autora (não me lembro o nome agora) publicou no século XIII (acho) o livro Defesa dos Direitos das Mulheres suas ideias foram consideradas absurdas, dando origem a publicação anônima da sátira Defesa do Direito das Bestas que visava refutar aquelas ideias mostrando que elas podiam ir um passo a frente. Faz muito sentido a argumentação dele. É muito bem conectada.

Quanto à "escolha de valores morais" é ainda mais complicado porque aí cai no relativismo e a coisa desanda de vez.

No fim de semana, enquanto debatíamos o assunto, minha filha fez um comentário capcioso - foi, inclusive, o que me trouxe aqui. Ela disse algo como: a única falha que encontro na argumentação de Singer é que ela se baseia no homem ideal. Isso imediatamente me lembrou de debates que li, acho que aqui mesmo no fórum, sobre o marxismo. Foi inevitável traçar paralelos, não entre os dois filósofos, mas entre os seus simpatizantes. Imaginei como que seria da vida dos onívoros num mundo predominantemente vegano. Daí, lembrei do que o próprio utilitarismo prega - as ações são julgadas por suas consequências, não por suas motivações. Ainda não elaborei direito a ideia, nem comentei com ela - achei que podia atrapalhar mais do que ajudar - mas pretendo fazê-lo quanto tiver tempo. Não acho que vai sair nada que preste daí, mas não posso evitar, despertou meu interesse.   

Mas acho que não é considerar que a argumentação dele seja absurda, mas apenas que podemos optar por não adotá-la. Não vejo problemas sobre a moral ser relativa, afinal, é muito difícil encontrar posições unânimes sobre vários assuntos, como o aborto e, inclusive, sobre comer carne. É possível dizer que duas opiniões distintas podem ser igualmente corretas, até mesmo pelo fato de que o que é considerado moral hoje, no passado não era. Moral fixa e dogmática é que é problema.

O problema do utilitarismo é vão descer o pau nele, sempre ao argumento de que a busca pela felicidade e satisfação do maior número possível de pessoas implicaria na desconsideração de uma minoria e, pelo primado da igualdade, não é simplesmente pelo fato de que uma maioria concorde com algo, que isso deva ser feito.

Sua filha pode trabalhar com as ideias de Kant, no sentido do ser e do dever ser. Se ela pugnar pela conceito relativo da moral, o dever ser nestas circunstâncias é também relativo. Só não vai ser em razão da transformação do dever ser numa regra jurídica, aí, neste caso, foi feita uma opção racional por adotar uma moral específica transformada num imperativo de conduta. Você é onívoro, mas deve ser vegetariano. Comer carne é proibido, assim como sua produção industrial para abate.

Outra linha de argumentação é a teológica cristã, no sentido de que, segundo a bíblia, Deus determinou o domínio do homem sobre todos os animais, logo, é nossa atribuição determinar o seu destino, logicamente, da forma mais justa possível e sem abusos.

Outro argumento é o do costume, da cultura e da tradição. Comer carne é algo inerente e muito importante em várias culturas humanas, como no caso dos gaúchos, por exemplo. O multiculturalismo determina o respeito pelas diferentes culturas, fixando-se apenas mínimos padronizados de comportamento ético, como alguns defender ser os direitos humanos, ou aquilo que consta na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Não pode existir uma imposição cultural sob pena de desrespeito a toda história, cultura e tradição de um povo, que é a própria essência humana.
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Offline JJ

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Re:Debatendo questões difíceis - o advogado do diabo.
« Resposta #9 Online: 25 de Outubro de 2016, 11:39:06 »
O argumento seria que animais não podem ser equiparados as minorias, que são categorias humanas. O Direito é predominantemente antropocêntrico, inclusive o ambiental. Sobre Rawls, na verdade, a sociedade escolhe alguns valores morais fundamentais sob os quais se fundam a sociedade e mesmo em sua teoria da justiça os valores fixados como de igual respeito e consideração para com os outros claramente se refere aos homens. A questão alimentar se reproduz na natureza, somos onívoros e, portanto, comemos carne. Não comer carne é questão de escolha, corolário do direito de liberdade. Em que pese autores como dworkin afirmem que existem verdades morais objetivas, isso somente pode ser aceito entro de uma teoria da ciência moral, cujos valores sempre serão escolhidos por um critério racional, mas de escolha. É uma questão de opção entre um ou outro modelo de sociedade e igualdade. Seja como for, não há como ignorar nossa responsabilidade para com os animais, na condição de único ser do planeta capaz de raciocinar sobre isso. Logo, embora possamos optar por continuar a comer carne, temos de tomar todas as medidas possíveis para amenizar ao máximo o sofrimento deles.

A isso Singer chama de especismo, justamente o que aborda no capítulo em questão - equiparando-o ao sexismo. Ele comenta que quando uma autora (não me lembro o nome agora) publicou no século XIII (acho) o livro Defesa dos Direitos das Mulheres suas ideias foram consideradas absurdas, dando origem a publicação anônima da sátira Defesa do Direito das Bestas que visava refutar aquelas ideias mostrando que elas podiam ir um passo a frente. Faz muito sentido a argumentação dele. É muito bem conectada.

Quanto à "escolha de valores morais" é ainda mais complicado porque aí cai no relativismo e a coisa desanda de vez.

No fim de semana, enquanto debatíamos o assunto, minha filha fez um comentário capcioso - foi, inclusive, o que me trouxe aqui. Ela disse algo como: a única falha que encontro na argumentação de Singer é que ela se baseia no homem ideal. Isso imediatamente me lembrou de debates que li, acho que aqui mesmo no fórum, sobre o marxismo. Foi inevitável traçar paralelos, não entre os dois filósofos, mas entre os seus simpatizantes. Imaginei como que seria da vida dos onívoros num mundo predominantemente vegano. Daí, lembrei do que o próprio utilitarismo prega - as ações são julgadas por suas consequências, não por suas motivações. Ainda não elaborei direito a ideia, nem comentei com ela - achei que podia atrapalhar mais do que ajudar - mas pretendo fazê-lo quanto tiver tempo. Não acho que vai sair nada que preste daí, mas não posso evitar, despertou meu interesse.   

Mas acho que não é considerar que a argumentação dele seja absurda, mas apenas que podemos optar por não adotá-la. Não vejo problemas sobre a moral ser relativa, afinal, é muito difícil encontrar posições unânimes sobre vários assuntos, como o aborto e, inclusive, sobre comer carne. É possível dizer que duas opiniões distintas podem ser igualmente corretas, até mesmo pelo fato de que o que é considerado moral hoje, no passado não era. Moral fixa e dogmática é que é problema.

O problema do utilitarismo é vão descer o pau nele, sempre ao argumento de que a busca pela felicidade e satisfação do maior número possível de pessoas implicaria na desconsideração de uma minoria e, pelo primado da igualdade, não é simplesmente pelo fato de que uma maioria concorde com algo, que isso deva ser feito.


Não existe um único sistema utilitarista e/ou consequencialista. E o Peter Singer sabe muito bem desta primitiva objeção a sistemas consequencialistas, não me lembro como  mas ele tem resposta para sair desse problema.  E de qualquer modo é bom lembrar que não existe sistema ético perfeito que seja 100% livre de problemas.



Sua filha pode trabalhar com as ideias de Kant, no sentido do ser e do dever ser. Se ela pugnar pela conceito relativo da moral, o dever ser nestas circunstâncias é também relativo. Só não vai ser em razão da transformação do dever ser numa regra jurídica, aí, neste caso, foi feita uma opção racional por adotar uma moral específica transformada num imperativo de conduta. Você é onívoro, mas deve ser vegetariano. Comer carne é proibido, assim como sua produção industrial para abate.


Aconselho a ficar longe de sistemas éticos deontológicos, eles tendem a ser lixo, pois  não levam em consideração as consequências de suas ações. Se ao seguir uma ação previamente  classificada  como boa, mas como consequência 100 pessoas (ou mais) forem torturadas e mortas.  Esse sistema ético burro dirá que você fez a coisa certa.

Para perceber como sistemas deontológicos podem ser burros e maléficos,  basta  lembrar que sistemas éticos de algumas religiões importantes são sistemas deontológicos. 

Dá pra ter uma ideia como um sistema ético deontológico pode ser  um grande lixo.



Outra linha de argumentação é a teológica cristã, no sentido de que, segundo a bíblia, Deus determinou o domínio do homem sobre todos os animais, logo, é nossa atribuição determinar o seu destino, logicamente, da forma mais justa possível e sem abusos.



Tô falando.  Se usar isso aproveita para lembrar que  esse sistema ético deontológico aprova pena de morte para quem catar lenha no sábado. Aprova matar "bruxas" por praticarem "bruxaria".  Aprova apedrejar filhas desobedientes. Aprova genocídio de povos que não cultuam o deus  "certo" (mata tudo: mulheres, crianças, homens e até os bichos de criação e estimação). 

E aprova penas eternas com  tortura  para quem não acreditar nas mensagens desta religião.





« Última modificação: 25 de Outubro de 2016, 11:49:45 por JJ »

Offline AlienígenA

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Re:Debatendo questões difíceis - o advogado do diabo.
« Resposta #10 Online: 26 de Outubro de 2016, 08:00:04 »
O argumento seria que animais não podem ser equiparados as minorias, que são categorias humanas. O Direito é predominantemente antropocêntrico, inclusive o ambiental. Sobre Rawls, na verdade, a sociedade escolhe alguns valores morais fundamentais sob os quais se fundam a sociedade e mesmo em sua teoria da justiça os valores fixados como de igual respeito e consideração para com os outros claramente se refere aos homens. A questão alimentar se reproduz na natureza, somos onívoros e, portanto, comemos carne. Não comer carne é questão de escolha, corolário do direito de liberdade. Em que pese autores como dworkin afirmem que existem verdades morais objetivas, isso somente pode ser aceito entro de uma teoria da ciência moral, cujos valores sempre serão escolhidos por um critério racional, mas de escolha. É uma questão de opção entre um ou outro modelo de sociedade e igualdade. Seja como for, não há como ignorar nossa responsabilidade para com os animais, na condição de único ser do planeta capaz de raciocinar sobre isso. Logo, embora possamos optar por continuar a comer carne, temos de tomar todas as medidas possíveis para amenizar ao máximo o sofrimento deles.

A isso Singer chama de especismo, justamente o que aborda no capítulo em questão - equiparando-o ao sexismo. Ele comenta que quando uma autora (não me lembro o nome agora) publicou no século XIII (acho) o livro Defesa dos Direitos das Mulheres suas ideias foram consideradas absurdas, dando origem a publicação anônima da sátira Defesa do Direito das Bestas que visava refutar aquelas ideias mostrando que elas podiam ir um passo a frente. Faz muito sentido a argumentação dele. É muito bem conectada.

Quanto à "escolha de valores morais" é ainda mais complicado porque aí cai no relativismo e a coisa desanda de vez.

No fim de semana, enquanto debatíamos o assunto, minha filha fez um comentário capcioso - foi, inclusive, o que me trouxe aqui. Ela disse algo como: a única falha que encontro na argumentação de Singer é que ela se baseia no homem ideal. Isso imediatamente me lembrou de debates que li, acho que aqui mesmo no fórum, sobre o marxismo. Foi inevitável traçar paralelos, não entre os dois filósofos, mas entre os seus simpatizantes. Imaginei como que seria da vida dos onívoros num mundo predominantemente vegano. Daí, lembrei do que o próprio utilitarismo prega - as ações são julgadas por suas consequências, não por suas motivações. Ainda não elaborei direito a ideia, nem comentei com ela - achei que podia atrapalhar mais do que ajudar - mas pretendo fazê-lo quanto tiver tempo. Não acho que vai sair nada que preste daí, mas não posso evitar, despertou meu interesse.   

Mas acho que não é considerar que a argumentação dele seja absurda, mas apenas que podemos optar por não adotá-la. Não vejo problemas sobre a moral ser relativa, afinal, é muito difícil encontrar posições unânimes sobre vários assuntos, como o aborto e, inclusive, sobre comer carne. É possível dizer que duas opiniões distintas podem ser igualmente corretas, até mesmo pelo fato de que o que é considerado moral hoje, no passado não era. Moral fixa e dogmática é que é problema.

A argumentação dele não tem nada de absurda, muito ao contrário. Acho que houve alguma confusão.

O problema não é sobre a moral ser relativa, até porque isso é fato. O problema é recorrer ao relativismo moral no debate. Além do quê, seria uma fuga do tema em si, que é o conteúdo do capítulo.

Citar
O problema do utilitarismo é vão descer o pau nele, sempre ao argumento de que a busca pela felicidade e satisfação do maior número possível de pessoas implicaria na desconsideração de uma minoria e, pelo primado da igualdade, não é simplesmente pelo fato de que uma maioria concorde com algo, que isso deva ser feito.

Só que no caso, é menos uma questão de maximização do bem estar geral e mais uma questão de minimização do sofrimento animal.

Citar
Sua filha pode trabalhar com as ideias de Kant, no sentido do ser e do dever ser. Se ela pugnar pela conceito relativo da moral, o dever ser nestas circunstâncias é também relativo. Só não vai ser em razão da transformação do dever ser numa regra jurídica, aí, neste caso, foi feita uma opção racional por adotar uma moral específica transformada num imperativo de conduta. Você é onívoro, mas deve ser vegetariano. Comer carne é proibido, assim como sua produção industrial para abate.

Pensei nisso, mas não há porque excluir as demais espécies do contexto.

Citar
Outra linha de argumentação é a teológica cristã, no sentido de que, segundo a bíblia, Deus determinou o domínio do homem sobre todos os animais, logo, é nossa atribuição determinar o seu destino, logicamente, da forma mais justa possível e sem abusos.

Acho que isso está fora de cogitação, ela tem muito pouco apreço por essa linha.

Citar
Outro argumento é o do costume, da cultura e da tradição. Comer carne é algo inerente e muito importante em várias culturas humanas, como no caso dos gaúchos, por exemplo. O multiculturalismo determina o respeito pelas diferentes culturas, fixando-se apenas mínimos padronizados de comportamento ético, como alguns defender ser os direitos humanos, ou aquilo que consta na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Não pode existir uma imposição cultural sob pena de desrespeito a toda história, cultura e tradição de um povo, que é a própria essência humana.

Essa é uma das linhas a considerar, no sentido de buscar evitar atropelos.

Obrigado, vou passar o tópico para ela ler no fim de semana.



Offline AlienígenA

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Re:Debatendo questões difíceis - o advogado do diabo.
« Resposta #11 Online: 26 de Outubro de 2016, 08:17:01 »

Tô falando.  Se usar isso aproveita para lembrar que  esse sistema ético deontológico aprova pena de morte para quem catar lenha no sábado. Aprova matar "bruxas" por praticarem "bruxaria".  Aprova apedrejar filhas desobedientes. Aprova genocídio de povos que não cultuam o deus  "certo" (mata tudo: mulheres, crianças, homens e até os bichos de criação e estimação). 

E aprova penas eternas com  tortura  para quem não acreditar nas mensagens desta religião.


Você não viu nada. O tema do debate para o próximo semestre é "Carta a Uma Nação Cristã" e adivinhe qual lado ela vai ter que defender? Eu ri.

Offline Freya

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Re:Debatendo questões difíceis - o advogado do diabo.
« Resposta #12 Online: 26 de Outubro de 2016, 15:04:51 »
A questão do especismo é delicada. Realmente não há razões para causar tortura e sofrimento em outras espécies apenas pelo fato de que somos a espécie dominante; é uma questão de empatia aos seres sencientes que possuem um sistema nervoso e, portanto, sentem dor e emoções. Mas a pregação quase fanática do movimento vegano não é razoável e seus argumentos não se sustentam após uma breve análise, e o que resta é apenas apelo à emoção.

Um dos argumentos básicos é o sofrimento animal, uma vez que supostamente não necessitamos nos alimentar de proteína animal, algo que é bem questionável dado que evoluímos sob uma dieta onívora e nem todas as pessoas têm o organismo preparado para mudar a alimentação sem prejudicar a saúde. Isso sem mencionar o alto custo financeiro mesmo para aqueles que suportam essa mudança. E nessa mesma esfera argumentativa, entra também os impactos ambientais (efeito estufa pelo desmatamento, emissão de gases, utilização de recursos naturais etc.) da agropecuária, e que também são bem questionáveis, já que a simples diminuição do consumo e evitamento de desperdício já reduziriam consideravelmente esses impactos, não necessitando, assim, da eliminação total de consumo de proteína animal. Além do mais, nunca vi um estudo sério que demonstrasse a sustentabilidade de produção de alimentos de origem vegetal em escala global sem causar impactos; um cálculo que demonstre a viabilidade da produção de proteína vegetal em quantidade suficiente de ingestão diária para a população mundial, bem como uma análise dos recursos hídricos empregados, a manutenção do solo etc.

Dito isso, voltemos à questão moral.

Diminuindo o consumo e evitando o desperdício, diminui-se a demanda e, consequentemente, a produção exagerada que, por ser muito grande, não comporta a criação de forma "humanizada". Logo, o problema do sofrimento animal na indústria se resolve com educação para um consumo moderado, legislação e fiscalização (excesso faz até mal), e não com a abolição do consumo.

Mas, é aí que entra o argumento  mais fraco, na minha opinião, sobre o "especismo". Obviamente nem tudo que é natural é bom ou moral, mas de fato não se pode negar que a vida nesse planeta funciona assim: para sobreviver temos que matar, não há como existir sem gerar algum impacto e sem ceifar vidas sencientes. Essas são as regras da vida aqui, e temos que aprender a lidar com isso se não quisermos inventar dietas estapafúrdias de alimentação pela energia solar e outras baboseiras incosequetes. Outra coisas bem diferente é a forma como vamos conduzir a matança.

O que vejo é que aqueles que advogam o especismo na alimentação e exploração de outras espécies, esquecem-se que, inevitavelmente, matamos e exploramos o tempo todo outros seres para que possamos sobreviver, e quando determinam que matar vacas, porcos e galinhas é imoral, antiético ou "especismo", estão na verdade é valorando vidas, como se umas fossem mais importantes e dignas de serem preservadas do que outras, e isso é uma moral pessoal e, portanto, não há razoabilidade em colocá-la como um imperativo categórico, tampouco comparar à assassinos especistas os que pensam diferente e não se importam em comer vacas.

Explico: compadecer-se da vida do ser senciente "x" ou do ser "y" é uma questão moral puramente individual. Portanto, não há, neste caso, uma moral "preferível" a ser aplicada a todos, até porque, como eu disse, de uma forma ou de outra nós matamos para viver. Nós sentimos pena de matar vacas, mas não nos importamos em olhar por onde andamos para não esmagar uma formiga; alguns monges budistas tibetanos mudam suas rotas para evitar molestar as formigas e seu trabalho.

Sendo assim, nesse caso não importa se é ou não relevante comer carne, ainda que para algumas pessoas ela não seja necessária> O que é reprovável moralmente não é matar a vaca para comer sua carne ou criá-la com esse intuito, e sim a maneira como a indústria - que só visa lucro - trata os animais para conseguir atender a uma demanda absurda de consumo, gerada também pelo desperdício. Mas, se alguém, por conta de sua moral individual, achar que é errado matar vacas, essa pessoa tem toda a liberdade do mundo para não matar vacas, só não é razoável julgar os outros que pensam diferente e tão pouco sentir-se superior por "não matar" ou "não gerar sofrimento animal", uma vez que, lembremo-nos, nós geramos sofrimento animal inclusive a outros seres humanos quando consumimos produtos fruto de trabalho escravo infantil, por exemplo. E por isso é irracional comparar a exploração de outras espécies ao sexismo e à escravidão, pois é óbvio que devemos prezar pela manutenção da nossa espécie, isso faz parte da vida.

Sim, de fato, sempre matamos no processo de alimentação, mesmo que nos alimentemos somente de arroz e feijão.
Quantas vidas sencientes se perdem numa colheita de arroz para que apenas 1kg do cereal seja extraído? Quantas vidas sencientes se perdem numa colheita de soja para abastecer uma cidade vegana de apenas 1000 habitantes, por exemplo? Quantas pessoas a vida de 1 só boi (de abate humanitário) é capaz de alimentar? Uma vida senciente vale mais que a outra? Ou nos compadecemos mais pelos seres que são mais parecidas conosco, já que milhões de insetos e pequenos animais morrem diariamente sem que isso nos choque, apenas porque não são peludinhos e fofinhos? E nem vou entrar no mérito sobre o nosso modo de vida e a as modificações no habitat humano.     
 
Portanto, essa conduta adotada por muitos movimentos veganos é inútil, é contraproducente aos objetivos que a causa visa atingir (diminuir o sofrimento animal na indústria), porque deixar de comer carne não vai evitar morte e sofrimento animal, e simplesmente tratar onívoros como assassinos imorais especistas não é algo inteligente, pois, dentro dessa lógica, "assassino" por "assassino" todos somos, basta estar vivo. E aí o que lhes resta é apelo à emoção, com documentários sádicos, e julgamento moral que parte exclusivamente de um referencial próprio, individual e subjetivo que eles tentam impor a todo mundo, exatamente como os religiosos, sem qualquer embasamento, e desrespeitando a liberdade individual dos demais membros a sociedade.

Rhyan

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Re:Debatendo questões difíceis - o advogado do diabo.
« Resposta #13 Online: 27 de Outubro de 2016, 18:21:59 »
Usa o livro A Revolução dos Bichos como crítica.

"Todos os animais são iguais mas uns são mais iguais que os outros."

Offline AlienígenA

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Re:Debatendo questões difíceis - o advogado do diabo.
« Resposta #14 Online: 28 de Outubro de 2016, 08:51:52 »
A questão do especismo é delicada. Realmente não há razões para causar tortura e sofrimento em outras espécies apenas pelo fato de que somos a espécie dominante; é uma questão de empatia aos seres sencientes que possuem um sistema nervoso e, portanto, sentem dor e emoções. Mas a pregação quase fanática do movimento vegano não é razoável e seus argumentos não se sustentam após uma breve análise, e o que resta é apenas apelo à emoção.

Um dos argumentos básicos é o sofrimento animal, uma vez que supostamente não necessitamos nos alimentar de proteína animal, algo que é bem questionável dado que evoluímos sob uma dieta onívora e nem todas as pessoas têm o organismo preparado para mudar a alimentação sem prejudicar a saúde. Isso sem mencionar o alto custo financeiro mesmo para aqueles que suportam essa mudança. E nessa mesma esfera argumentativa, entra também os impactos ambientais (efeito estufa pelo desmatamento, emissão de gases, utilização de recursos naturais etc.) da agropecuária, e que também são bem questionáveis, já que a simples diminuição do consumo e evitamento de desperdício já reduziriam consideravelmente esses impactos, não necessitando, assim, da eliminação total de consumo de proteína animal. Além do mais, nunca vi um estudo sério que demonstrasse a sustentabilidade de produção de alimentos de origem vegetal em escala global sem causar impactos; um cálculo que demonstre a viabilidade da produção de proteína vegetal em quantidade suficiente de ingestão diária para a população mundial, bem como uma análise dos recursos hídricos empregados, a manutenção do solo etc.

Dito isso, voltemos à questão moral.

Diminuindo o consumo e evitando o desperdício, diminui-se a demanda e, consequentemente, a produção exagerada que, por ser muito grande, não comporta a criação de forma "humanizada". Logo, o problema do sofrimento animal na indústria se resolve com educação para um consumo moderado, legislação e fiscalização (excesso faz até mal), e não com a abolição do consumo.

Mas, é aí que entra o argumento  mais fraco, na minha opinião, sobre o "especismo". Obviamente nem tudo que é natural é bom ou moral, mas de fato não se pode negar que a vida nesse planeta funciona assim: para sobreviver temos que matar, não há como existir sem gerar algum impacto e sem ceifar vidas sencientes. Essas são as regras da vida aqui, e temos que aprender a lidar com isso se não quisermos inventar dietas estapafúrdias de alimentação pela energia solar e outras baboseiras incosequetes. Outra coisas bem diferente é a forma como vamos conduzir a matança.

O que vejo é que aqueles que advogam o especismo na alimentação e exploração de outras espécies, esquecem-se que, inevitavelmente, matamos e exploramos o tempo todo outros seres para que possamos sobreviver, e quando determinam que matar vacas, porcos e galinhas é imoral, antiético ou "especismo", estão na verdade é valorando vidas, como se umas fossem mais importantes e dignas de serem preservadas do que outras, e isso é uma moral pessoal e, portanto, não há razoabilidade em colocá-la como um imperativo categórico, tampouco comparar à assassinos especistas os que pensam diferente e não se importam em comer vacas.

Explico: compadecer-se da vida do ser senciente "x" ou do ser "y" é uma questão moral puramente individual. Portanto, não há, neste caso, uma moral "preferível" a ser aplicada a todos, até porque, como eu disse, de uma forma ou de outra nós matamos para viver. Nós sentimos pena de matar vacas, mas não nos importamos em olhar por onde andamos para não esmagar uma formiga; alguns monges budistas tibetanos mudam suas rotas para evitar molestar as formigas e seu trabalho.

Sendo assim, nesse caso não importa se é ou não relevante comer carne, ainda que para algumas pessoas ela não seja necessária> O que é reprovável moralmente não é matar a vaca para comer sua carne ou criá-la com esse intuito, e sim a maneira como a indústria - que só visa lucro - trata os animais para conseguir atender a uma demanda absurda de consumo, gerada também pelo desperdício. Mas, se alguém, por conta de sua moral individual, achar que é errado matar vacas, essa pessoa tem toda a liberdade do mundo para não matar vacas, só não é razoável julgar os outros que pensam diferente e tão pouco sentir-se superior por "não matar" ou "não gerar sofrimento animal", uma vez que, lembremo-nos, nós geramos sofrimento animal inclusive a outros seres humanos quando consumimos produtos fruto de trabalho escravo infantil, por exemplo. E por isso é irracional comparar a exploração de outras espécies ao sexismo e à escravidão, pois é óbvio que devemos prezar pela manutenção da nossa espécie, isso faz parte da vida.

Sim, de fato, sempre matamos no processo de alimentação, mesmo que nos alimentemos somente de arroz e feijão.
Quantas vidas sencientes se perdem numa colheita de arroz para que apenas 1kg do cereal seja extraído? Quantas vidas sencientes se perdem numa colheita de soja para abastecer uma cidade vegana de apenas 1000 habitantes, por exemplo? Quantas pessoas a vida de 1 só boi (de abate humanitário) é capaz de alimentar? Uma vida senciente vale mais que a outra? Ou nos compadecemos mais pelos seres que são mais parecidas conosco, já que milhões de insetos e pequenos animais morrem diariamente sem que isso nos choque, apenas porque não são peludinhos e fofinhos? E nem vou entrar no mérito sobre o nosso modo de vida e a as modificações no habitat humano.     
 
Portanto, essa conduta adotada por muitos movimentos veganos é inútil, é contraproducente aos objetivos que a causa visa atingir (diminuir o sofrimento animal na indústria), porque deixar de comer carne não vai evitar morte e sofrimento animal, e simplesmente tratar onívoros como assassinos imorais especistas não é algo inteligente, pois, dentro dessa lógica, "assassino" por "assassino" todos somos, basta estar vivo. E aí o que lhes resta é apelo à emoção, com documentários sádicos, e julgamento moral que parte exclusivamente de um referencial próprio, individual e subjetivo que eles tentam impor a todo mundo, exatamente como os religiosos, sem qualquer embasamento, e desrespeitando a liberdade individual dos demais membros a sociedade.

O ponto do Singer, pelo menos no capítulo em questão, é evitar o sofrimento desnecessário, tanto na alimentação quanto na pesquisa científica, algo com que não há nem porquê discordar, exceto por motivos tão estapafúrdios, pelo menos, do meu ponto de vista, que nem vem ao caso. Ele nem entra na questão da matança.

O jeito vai ser pinçar pontos questionáveis na argumentação dele. Aproveitando que vai ter uma folga hoje - ela vai extrair os quatro sisos daqui a pouco - se não tiver contratempos, ela vai começar a parte escrita à tarde. Ela pensou em seguir algo nessa linha que você desenvolveu. Acho que o tópico vai ser útil.

Usa o livro A Revolução dos Bichos como crítica.

"Todos os animais são iguais mas uns são mais iguais que os outros."

Pensei nisso quando ela fez o comentário sobre o homem ideal.

Valeu pessoal!  :ok:

 

Offline Freya

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Re:Debatendo questões difíceis - o advogado do diabo.
« Resposta #15 Online: 28 de Outubro de 2016, 15:52:02 »
O ponto do Singer, pelo menos no capítulo em questão, é evitar o sofrimento desnecessário, tanto na alimentação quanto na pesquisa científica, algo com que não há nem porquê discordar, exceto por motivos tão estapafúrdios, pelo menos, do meu ponto de vista, que nem vem ao caso. Ele nem entra na questão da matança.

O jeito vai ser pinçar pontos questionáveis na argumentação dele. Aproveitando que vai ter uma folga hoje - ela vai extrair os quatro sisos daqui a pouco - se não tiver contratempos, ela vai começar a parte escrita à tarde. Ela pensou em seguir algo nessa linha que você desenvolveu. Acho que o tópico vai ser útil.

Sim sim, apenas acrescentei alguns pontos sustentados pelos veganos que, diga-se de passagem, enxergam Singer como um guru. rs

Offline AlienígenA

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Re:Debatendo questões difíceis - o advogado do diabo.
« Resposta #16 Online: 10 de Novembro de 2016, 09:34:37 »
Passando por aqui para agradecer, pessoal. Vocês ajudaram a criar um monstro!  :hihi:  Minha filha monopolizou o debate, praticamente só debateram ela e o professor (que nem era para participar, apenas coordenar). Não "venceu", mas surpreendeu, arrancando muitos elogios de um professor que nunca elogia. Está se achando.  ::)

Ela focou nos argumentos de Singer enquanto o restante da turma, tanto contra quanto a favor, focou no vegetarianismo. Dos dez pontos que o grupo dela teria que apresentar, ela ficou encarregada de três e foi selecionada para iniciar.

Eis o resumo escrito, se quiserem comentar:

1 – sobre a questão da equivalência entre os direitos das minorias e dos animais.

O direito não encontra, a meu ver, diferente do que defende Singer, sentido na senciência, mas sim no potencial de autodeterminação. Potencial, por englobar aqueles que por algum acidente encontrem-se impedidos de responder por si temporária ou definitivamente.

Uma vez que o direito é por definição antropocêntrico, isto é, fruto da capacidade de cognição, inerente a espécie humana - ou seja, só poderá ser exercido, de fato, por aqueles que tenham consciência da própria definição do termo, não faz sentido, a rigor, falar em direitos dos animais, mas sim em concessões.

Enquanto nós, humanos, em condições normais, independentemente de raça, credo ou sexo, somos capazes de escolher por nós mesmos, lutar pelo reconhecimento de nossos direitos e obter os meios exercê-los, ainda que contrariamente à vontade alheia ou da maioria, os animais dependerão das concessões que lhes fizermos.

Ao traçar um paralelo entre os direitos das minorias humanas e dos animais, ao contrário do que pretende, Singer pode, na verdade, estar abrindo um precedente perigoso, levando ao caminho inverso – a confundir direitos com concessões.
 
Os direitos das minorias, inerentes à própria condição humana, não devem ser confundidos com defesa do reconhecimento desses direitos e nem tão pouco esse reconhecimento ser entendido como uma concessão. Portanto, não procede, no meu entender, essa equiparação. Sendo essa uma de suas principais premissas, a conclusão torna-se questionável.

2 – sobre as diferenças entre indivíduos humanos não incorrer em diferentes direitos: aborto.

Escreve Singer: As diferenças existentes entre homens e mulheres são também inegáveis, estando os defensores dos direitos das mulheres conscientes de que estas diferenças podem dar origem a direitos diferentes. Muitas feministas defendem que as mulheres possuem direito de abortar. Ora, daí não se segue que essas feministas, defendendo a igualdade entre homens e mulheres, devam apoiar também o direito dos homens a abortar. Na medida em que os homens não podem fazer, não faz sentido falar de um direito respectivo. Na medida em que os cães não possuem as características necessárias para poderem votar, não faz sentido falar do direito que possuem de o fazer. Não há qualquer razão para que a libertação das mulheres ou libertação animal se envolvam nesses absurdos. Em ambos os casos a aplicação do princípio básico da igualdade não implica que tratemos ambos os grupos exatamente do mesmo modo, nem que tenhamos de lhes atribuir os mesmos direitos. O princípio básico da igualdade não exige igual tratamento, exige igual consideração.

No arranjo em que esse é entendido como um direito exclusivo da mulher, falar em um respectivo direito do homem, de fato, perde o sentido – mas porque este, na verdade, foi suprimido. Contudo, esse não é o único arranjo possível. Inclusive, do ponto de vista utilitarista, o melhor arranjo talvez devesse levar em consideração o direito à paternidade.

Escreve Singer: Cada um conta apenas por um e nunca por mais do que um. Os interesses de todo e qualquer indivíduo, afetados por uma ação qualquer, devem ser tidos na mesma conta e consideração que os interesses de qualquer outro indivíduo afetado da mesma maneira.

Assim, para que a comparação entre o "direito" do cão ao voto e o direito do homem ao aborto fizesse sentido, como quer Singer, esse teria que ser tão alheio ao aborto quanto aquele é ao voto. Mas enquanto o direito da mulher ao voto não afeta a vida do cão, seu direito ao aborto pode afetar a vida do homem.

É preciso considerar que esse é um tema controverso, onde os interesses envolvidos podem ser conflitantes. No arranjo em que a sacralidade da vida se sobrepõe, por exemplo, são considerados os direitos do nascituro. Caso no qual se enquadram diversos potenciais pais.

Normalmente o que ocorre onde o aborto é descriminalizado é que se a mulher decide ter o filho, independente da vontade do pai, esse fica obrigado a arcar com parte dos custos da criação, em função dos direitos desse filho. Já se a mulher decide abortar, independente da vontade do pai, ficam suprimidos seus direitos e os do feto.
 
Um arranjo onde o pai que o desejasse, pudesse se encarregar dos cuidados com o filho e sua criação após o nascimento, poderia ser entendido como um direito respectivo e não me parece que envolva, em princípio, nenhum absurdo.

3 – sobre o princípio básico da igualdade exigir igual tratamento e não igual consideração.

A partir da distinção entre direitos e concessões, baseada na autodeterminação, inerente à condição humana, primária à noção de equidade e não nas semelhanças ou diferenças, reais ou estatísticas entre indivíduos ou grupos humanos, como defende Singer, o princípio da igualdade dispensa a necessidade de igual consideração, para se basear no igual tratamento. Pois a essência da igualdade, na prática, encontra-se aí.  Só reconhecemos como iguais aqueles com os quais, de fato, nos identificamos, onde as diferenças e semelhanças, não afetam o direito, pois são secundárias.

« Última modificação: 10 de Novembro de 2016, 09:37:47 por AntipetistA »

Offline Buckaroo Banzai

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Re:Debatendo questões difíceis - o advogado do diabo.
« Resposta #17 Online: 10 de Novembro de 2016, 10:09:37 »
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Ao traçar um paralelo entre os direitos das minorias humanas e dos animais, ao contrário do que pretende, Singer pode, na verdade, estar abrindo um precedente perigoso, levando ao caminho inverso – a confundir direitos com concessões.

Uma vez eu até tinha citado isso de estritamente não serem "direitos dos animais", o que eu até achava uma diferença semi-cosmética, mas esse aspecto de possível fonte de problemas da confusão é interessante. Acho que mesmo aqui pelo fórum é possível garimpar umas frases de defensores de autoritarismo comunista que se encaixam nisso.

Offline AlienígenA

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Re:Debatendo questões difíceis - o advogado do diabo.
« Resposta #18 Online: 13 de Novembro de 2016, 10:58:15 »
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Ao traçar um paralelo entre os direitos das minorias humanas e dos animais, ao contrário do que pretende, Singer pode, na verdade, estar abrindo um precedente perigoso, levando ao caminho inverso – a confundir direitos com concessões.

Uma vez eu até tinha citado isso de estritamente não serem "direitos dos animais", o que eu até achava uma diferença semi-cosmética, mas esse aspecto de possível fonte de problemas da confusão é interessante. Acho que mesmo aqui pelo fórum é possível garimpar umas frases de defensores de autoritarismo comunista que se encaixam nisso.

Ela ralou um bocado para chegar a essa ideia. Leu uma porção de textos, falou do assunto até derreter meus ouvidos e escreveu até gastar o teclado, mas não ficou satisfeita. Só no fim do prazo, um dia antes do debate, decidiu voltar ao começo e tentar entender porque aquele paralelo soava estranho. A primeira conclusão dela, lá no começo, é que devia soar estranho por um resquício de especismo, mas combinando isso com a sugestão do Pregador [o Direito é predominantemente antropocêntrico] deduziu que podia ser algo mais sutil. Eureka! Conseguiu verbalizar a coisa. Em vez de elevar a condição animal, aquele paralelo parecia rebaixar a condição feminina, criando a sensação de uma classe inferior de gente. Era como se estivesse implícito que as mulheres não tem direitos, de fato, devido às diferenças de gênero, mas apenas merecem a consideração masculina. E se nela, que é mulher e, obviamente, discorda disso, já fazia esse efeito, naqueles que tem inclinação para concordar, poderia servir apenas para reforçar um ideia errada. O melhor foi que isso serviu, inclusive, para apaziguar pontos mal resolvidos sobre questões de gênero na cabeça dela. Por exemplo, a vulnerabilidade sexual fazia parecer que, pelo menos alguns dos alegados direitos femininos, se davam por concessão. E embora compreenda que, na prática, isso não muda nada, em tese, esclarece melhor as coisas. Terminou sendo um debate mais produtivo do que se imaginava, apesar da conclusão de que fazer ou não concessões aos animais é um direito humano, quando a intenção, do professor, ao menos, que é vegetariano, fosse a oposta - reforçar a noção de direitos dos animais.

Interessante você citar isso dos defensores do autoritarismo comunista, porque não consigo, desde o papo sobre o homem ideal, evitar traçar paralelos com o ativismo pelos direitos dos animais. Como ainda não pude elaborar melhor a ideia, estou com outras mais urgentes na fila, não sei se faz sentido.   

 

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