O dogmatismo tem mesmo muitas faces, rsrsrs....
Eu acho que você deveria prestar um pouco mais de atenção em Kant, pois isso me fez até rever alguns pontos em relação ao próprio Espiritismo.
Alguns remarks sobre o vídeo.
Primeiramente, vemos um mau uso da Navalha de Occam, pois a hipótese mais simples não necessariamente é a verdadeira. A Navalha de Occam é para cortar variáveis irrelevantes e melhorar a forma de exposição de uma mesma hipótese, mas não um meio de decidir entre hipóteses concorrentes dizendo: a mais simples é a verdadeira. Isso é falácia.
Será que só deveria aceitar aquilo que é falseável? Pois bem, concordo que a tese da existência e imortalidade da minha alma não são falseáveis. Mas a tese da inexistência e/ou mortalidade da minha alma também não são. E aí? Qual das duas não falseáveis eu devo escolher? Porque uma delas eu deverei obrigatoriamente escolher, e neste caso, a falta de capacidade de encontrar as evidências para a resposta não é justificativa para não escolher. Qual o critério?
É falsa também a afirmação de que eu devo presumir antes a inexistência de algo até provas em contrário, e não o oposto. Isso vai depender muito do objeto considerado e meu interesse prático. Eu concordo que é ingenuidade pressupor a existência de um dragão invisível na minha garagem antes de ter uma evidência contundente disso. Mas digo isso porque não tenho nenhum interesse prático em presumir a existência desse dragão, e então digo para mim mesmo que ele não existe até provas em contrário.
Mas há outras coisas que devemos antes presumir a realidade do que a irrealidade do objeto. Por exemplo, não lhe conheço e não sei da sua vida, de modo que não sei se você é honesto ou desonesto. Prefiro afirmar que você é honesto até que provem o contrário, do que o oposto.
No caso da existência de minha própria alma e sua imortalidade, vou presumi-la inexistente até provas em contrário, ou será que deveria presumi-la existente até provas em contrário?
Bem, dizer que não tenho uma alma é a mesma coisa que dizer que sou um mero aglomerado de átomos que um dia vai se dispersar. E isso é dizer para mim mesmo que sou uma mera “coisa” e não uma “pessoa”. Na dúvida, devo me assumir como "pessoa" ou como "coisa"? Na dúvida, devo considerar as outras pessoas como “pessoa” ou como “coisa”? Devo lhe considerar uma pessoa ou uma coisa?
Neste caso, eu não tenho muitas dúvidas em me afirmar uma pessoa até provas em contrário, e não o oposto (como querem os materialistas).
Afirmar que a minha alma não existe é, portanto, uma afirmação que produz um alto impacto negativo em minha própria dignidade (porque me reduz ao estado de um mero objeto), e é, por conseguinte, uma afirmação extraordinária, que demanda uma evidência extraordinária. Do contrário, vou admitir a minha alma, sua imortalidade (assim como a existência de Deus) até provas em contrário, para não cair no fatalismo.
O Sean Caroll apresentou alguns argumentos. Mas são provas capazes de me fazer renunciar à minha própria dignidade?
Uma coisa que parece incompreensível para ele é como algo imaterial (minha alma) poderia mover algo material (o meu braço, por exemplo). Bem, primeiramente, acho que devemos elucidar o que se deve entender por “imaterial” no nosso contexto.
Quando recorremos a Kant, vemos que existe uma grande diferença entre o mundo como ele é em si mesmo, e o mundo como ele nos aparece, depois deter interagido com os nossos sentidos e ganhar a forma que o processamento do nosso cérebro lhe dá.
E se começarmos a avançar (ou regredir, dependendo do ponto de vista) na divisão da matéria, não é difícil perceber que a estrutura mais simples da matéria é e sempre será, para nós, suprassensível. O que a torna sensível é justamente a sua aglomeração e formação de compostos. Mas a conclusão disso é que mesmo o mundo que entendemos como material (ou fenomênico) é totalmente suprassensível em essência (em si).
A alma é definida como sendo de natureza simples e autodeterminada (livre). Nada disso pode ser fenômeno para nós, pois nada de simples é concebível pela nossa mente (tudo é em princípio divisível) e também, para nós, não há efeitos sem causas (a despeito das bizarrices e extravagâncias da física quântica que afirma que há e que já detectou), de modo que nunca encontraremos um efeito sem causa (ou que tenha causa em si mesma) em um laboratório.
Desse modo, a alma, se existir, nunca pode ser para nós um fenômeno. Se existir, para nós ela será sempre suprassensível, o que remete ao conceito de imaterialidade, ou seja, algo que existe, mas que não pode ser para nós um fenômeno.
Como a própria matéria em si é também suprassensível, com a única diferença de que não é livre, não é inviável que exista algo como uma alma no domínio do suprassensível. Esse argumento não prova a existência da alma, mas prova ao menos a sua possibilidade.
E como as matérias não livres conseguem interagir externamente entre si, porque um objeto livre (como a alma) não poderia afetar exteriormente a matéria e dirigi-la?
O Sean Carroll também fala das memórias. Mas quem disse que a nossa memória precisa estar gravada apenas no cérebro? Por quê não também no perispírito, que é também uma espécie de corpo material suprassensível? E por que não na própria alma? Porque embora a alma deva ser pensada como simples (indivisível, individual), a sua consciência pode variar segundo graus que vão desde o quase zero até o infinito. Em outras palavras: deve haver bastante espaço para guardar tudo.
Desse modo, essa crítica do Sean Carroll simplesmente não tem objeto, porque ele está tratando de coisas que "ultrapassam os limites da natureza para entrar numa região onde nada existe que as suas garras dogmáticas possam agarrar e deter" (KANT, CRPura).
E a cereja do bolo é quando ele afirma categoricamente que não há vida após a morte do nosso corpo. Isso simplesmente não pode ser provado (pelas razões acima expostas), e por outro lado todos nós temos um direito inalienável de acreditar em nossa alma, com coerência perante a nossa própria razão, e de manter as nossas esperanças de futuro, até que uma evidência contrária irrefutável nos seja apresentada. Só que sabemos que essa evidência nunca virá, porque é tão impossível provar que a nossa alma (e sua imortalidade) não existem quanto é impossível provar que existem.