LIVRO O BABUÍNO DE MADAME BLAVATSKY (PETER WASHINGTON)
Antes da virada do século, a renegada aristocrata russa Helena Petrovna Blavatsky, conhecida simplesmente como Madame Blavatsky, aportou na América com uma nova teoria: o homem não descendia do macaco, mas sim de seres elevados espiritualmente. Em O Babuíno de Madame Balavatsky, Peter Washington conta a história desta excêntrica mulher e faz um estudo bem-humorado dos ideais religiosos, através dos anos até os dias de hoje. Washington consegue capturar a essência de Madame Blavatsky, que plantou a semente da Teosofia e, junto com Henry Steel Olcott, fundou a Sociedade Teosófica, catalisando o surgimento de uma série de congregações religioso-filosóficas por toda América, Inglaterra e Europa. Com competência, ele mostra que a ‘nova moda’ logo influenciaria gurus e nomes famosos do meio literário, como Oscar Wilde, Yeats e Shaw, transformando-se em uma verdadeira febre intelectual. O autor também aborda, em O Babuíno de Madame Blavatsky, a dificuldade de Olcott e Blavatsky em se aterem aos ideais teosóficos. Narrado em terceira pessoa, o livro é mais que uma história divertida e bem escrita sobre o nascimento de uma ideia. É uma parábola sobre o progresso de uma religião - desde a pureza do conceito até a criação de todo seu cerimonial. Washington aproveita para traçar, ainda, a ascensão e queda dos pensadores ocidentais, que buscaram no oriente uma nova forma de ver a vida. Tudo isso baseado em Madame Blavatsky. Peter Washington disseca, com precisão cirúrgica e habilidade literária, a vida de Blavatsky. A mulher pintada por Washington é cheia de nuances e extremamente convincente. O autor consegue ver o quão destemperada esta era, tanto na vida pessoal, como nas finanças. E é extremamente competente ao deixar transparecer isso tudo aos leitores.
Logo nas primeiras páginas de seu livro, Peter Washington mostra o impiedoso propósito de desmascarar os bastidores do desenvolvimento das correntes místicas originadas nos Estados Unidos e na Europa em meados do século 19. Ele cumpre brilhantemente essa promessa, denunciando tramas relacionadas a sexo, dinheiro e fraude entre gurus que pregavam castidade, desapego e integridade. Mas também consegue penetrar com profundidade no universo conceitual de diversas correntes do pensamento místico do Ocidente, com um surpreendente talento para lidar com as ambigüidades humanas. Se esse mergulho traz uma desconfortável transparência para muitas dessas instituições, comprova também, sem apelos irracionais ou místicos, que os homens têm profundas necessidades interiores a serem supridas.
Os criadores da Teosofia ou "ciência sagrada" foram o norte-americano Henry Olcott (1832-1907) e a russa Helena Petrovna Blavatsky. Eles conheceram-se nos EUA um ano antes de fundar a sociedade inspirada nas culturas hinduísta, xivaísta, egípcia e outras da Antiguidade. Seu objetivo era pesquisar e divulgar "as leis que governam o Universo". Havia, para eles, o pressuposto da existência de uma doutrina universal secreta e o de que todas as religiões são essencialmente uma mesma religião. A descoberta dessas leis universais se dava, segundo eles, por revelações feitas por espíritos que se manifestavam por cartas dirigidas a Blavatsky e a Olcott. Apesar dos fracassos iniciais, a Sociedade Teosófica logo conseguiu atrair nobres e outros endinheirados, que custearam a expansão da entidade e de suas filiais, além de viagens e hospedagens da sua dupla de fundadores para vários países.
O grande sucesso da tarefa a que Washington se propõe está na sua estratégia. Se ele tivesse apelado para o conhecimento científico para desqualificar os propósitos ou os fundamentos da Teosofia e de outras correntes místicas, o resultado seria inevitavelmente um diálogo de surdos, pois é nos fundamentos que estão as grandes diferenças entre o misticismo e a cientificidade. A eficiência de sua crítica está justamente em mostrar que os principais mentores dessas seitas - que enfatizavam a busca da autodisciplina física e mental, a fraternidade e o desapego dos valores materialistas - eram apenas seres humanos idênticos aos das mentiras e das trapaças da política e dos negócios.
Um casal de ex-seguidores de Blavatsky, e depois desafeto, revelou posteriormente papéis em branco idênticos aos das cartas em que eram "precipitadas" as mensagens dos supostos espíritos guardiães do planeta. As alegadas viagens de Blavatsky - cuja data de nascimento ainda é um mistério - ao Tibete e a outros lugares do Oriente são praticamente consideradas fatos improváveis por Washington. Além disso, a fundadora da Teosofia é apresentada como um ótimo contra-exemplo da ferrenha autodisciplina individual proposta por ela mesma, pois devorava diariamente ovos fritos boiando na manteiga e vários alimentos gordurosos. Extremamente sedentária e balofa, precisava às vezes ser içada por ganchos por não conseguir usar escadas.
Washington não restringe seu livro às peripécias da fundadora da Teosofia. Ele percorre também todo o caminho dos sucessores da dupla fundadora, como os britânicos Annie Besant (1847-1933), que fazia vista grossa aos problemas éticos e materiais da instituição, e Charles Leadbeater (1847-1934), sempre em encrencas por assédio sexual a rapazes da Europa à Austrália. O livro segue também a trajetória do indiano Jiddu Krishnamurti, que foi preparado por Besant e Leadbeater para ser um novo Cristo, mas pulou fora, dos russos George Gurdjieff e Peter Ouspensky, do austríaco Rudolf Steiner, fundador da Antroposofia, e vários outros.