Quase o mesmo é dito de quem viveu no período da ditadura de 1964 a 1985.
É verdade. Mas existem algumas diferenças interessantes que deveriam ser observadas quando se faz a comparação da nostalgia pelos tempos da ditadura no Brasil e a nostalgia dos tempos de ditadura de lá.
Boa parte da saudade que se tem dos anos 70 e 80, por quem viveu este período, não está relacionada com coisas proporcionadas pela ditadura militar. É saudade de uma outra atmosfera: uma vida mais calma, do trânsito menos frenético, da vida com mais segurança, menos competitiva, sem bullying nas escolas, da qualidade musical, do futebol vistoso dos craques quando quase todo clube grande tinha um craque jogando com a 10, etc, etc... E tudo isso teria existido com ou sem o golpe de 64. Com exceção, talvez, daquelas coisas proporcionadas pelo crescimento econômico no período do "milagre", mas que depois cobrou seu preço em dívida externa e numa estatização inflacionária.
Mas possivelmente é também muito de nostalgia da própria juventude. Aquele tipo de saudade que é comum à todas as gerações.
Os antigos alemães orientais também têm este mesmo tipo de sentimento, e se lembram com carinho de muitas coisas que viveram na infância e juventude e que hoje já não existem. Infâncias e juventudes que por acaso foram vividas na Alemanha Oriental.
Eu acho que só quem foi jovem em um campo de concentração nazista não tem saudade, porque até pessoas que viveram suas juventudes durante os anos da guerra costumam se reportar a este tempo transparecendo certa nostalgia.
Com relação à antiga Alemanha socialista, essa nostalgia é tão presente que já cunharam até um termo pra isso: "Ostalgie".
Ou lestalgia.
E a lestalgia, em grande parte, não deve ser algo muito diferente do que a milicostalgia de muitos aqui. Só que, segundo pesquisas, entre 10% e 15% de alemães sentem falta de aspectos da vida na Alemanha Oriental que estavam relacionados com o modo de vida em uma sociedade socialista, e que desapareceram juntamente com o muro. Diferentemente da milicostalgia, que é saudade de coisas que não tinham nenhuma relação com se estar vivendo sob um regime militar.
Ostalgie é um neologismo alemão, combinando as palavras Ost(leste) e Nostalgie– podendo, portanto. ser traduzido como "lestalgia". Contudo somente entre 10% e 15% dos 16 milhões de pessoas que vivenciaram a tentativa de um Estado socialista, entre 1949 e 1990, gostariam de voltar aos tempos da RDA – como constataram as pesquisas de diversos institutos de opinião alemães. A maioria está contente por gozar mais bem-estar e liberdade hoje, numa Alemanha reunificada, do que sob o regime comunista.
Lestalgia é uma moda que tem durado na Alemanha e movimenta um grande mercado de consumidores buscando produtos e souvenirs da velha Alemanha Oriental, mas pra pouco mais de 10% é mais do que isso: estes prefeririam voltar no tempo e viver de novo como na RDA! Mesmo com a Alemanha de hoje estando longe de poder ser considerada um país ruim pra se viver. Muito pelo contrário!
10% não é que se chama de maioria, mas nem por isso devemos desqualificar os motivos dessa minoria de maneira simplória, como estão fazendo estes outros foristas aí em cima: o cidadão oriental vivia uma vida desacelerada, de pouco stress. Ele não se preocupava muito com o futuro porque o comunismo alemão poderia oferecer pouco, mas esse pouco era "automático". O Estado encaminhava a criança para a escola, da escola para a especialização, da especialização para o emprego, do emprego para a aposentadoria. E nesse caminho ele tinha a segurança de que manter e criar os filhos seria "automático" também.
E embora o Estado estimulasse a caguetagem, paradoxalmente valorizava também a solidariedade e camaradagem entre as pessoas, em contraste com o estímulo capitalista de uma busca egóica de sucesso pessoal, o "sucesso" representando mais a forma como o indivíduo será visto pela sociedade do que o bem estar e a felicidade alcançado pelo indivíduo. Bem estar e felicidade, os quais ele é até induzido a sacrificar na busca desse ideal de sucesso.
Este é um modelo que produz certas "neuroses sociais" que se manifestam de maneira sutil em "sintomas sociais" como essa cultura de bullying nas escolas ( par dar um exemplo ), um tipo de comportamento que não existia nas escolas da RDA. Do outro lado, o modelo totalitário também era responsável por neuroses, como o medo e a paranoia que atormentavam a vida de muitas pessoas.
È claro que não queremos pagar o preço que os alemães pagaram para ter algumas coisas que poderíamos invejar do socialismo, mas é interessante poder examinar uma sociedade como a da Alemanha Ocidental como um contraponto com o nosso próprio estilo de vida, para através desse contraponto poder perceber o que há de patológico no nosso próprio modelo, porque, como diz um
ditado: "O peixe é o último a saber que vive dentro d´água."
As coisas só se revelam pelo contraste, pois se não existisse escuridão ninguém teria consciência da luz.
http://www.dw.com/pt-br/lestalgia-a-saudade-da-vida-na-alemanha-oriental/a-18002219