« Online: 13 de Agosto de 2018, 11:12:58 »
Há cura para a polarização política
Cientistas políticos sugerem que não há uma fratura irremediável na sociedade brasileira
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“Não obstante a crescente importância dos sentimentos partidários na determinação do comportamento dos eleitores no pleito presidencial, não há evidências de que tal movimento estaria associado a um aumento da polarização”, afirmam os cientistas políticos André Borges, da Universidade de Brasília, e Robert Vidigal, da Stony Brook University, num estudo publicado em abril.
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Confirmaram a constatação anterior: mais da metade do eleitorado não se identifica com nenhum dos dois polos partidários, parcela que chegou a 70% em 2014. “Eleitores indiferentes que não distinguem claramente PT e PSDB constituem o segmento numericamente mais importante do eleitorado e, portanto, de maior relevo para as estratégias partidárias”, escrevem. Partidários extremos, que representam a polarização de modo mais agudo, flutuam entre 17% e 21%.
A identificação partidária se dá, mais que entre petistas e tucanos, entre petistas e antipetistas. “Metade do eleitorado antipetista não simpatiza com o PSDB ou simplesmente não conhece ou não possui informação suficiente para avaliar o principal adversário do PT”, afirma o estudo.
Ao investigar a posição dos eleitores sobre diferentes questões, como cotas, redistribuição de renda, impostos ou privatizações, constataram não haver diferenças significativas nos dois polos. As únicas estatisticamente notáveis, em cotas e privatizações, são irrisórias. Isso desmente a noção de que a sociedade brasileira esteja cindida ao meio.
Mais que isso, os antipetistas que não simpatizam com os tucanos, em vez de representar uma nova direita, se aproximavam mais das bandeiras de esquerda do próprio PT. “Mesmo em questões que dividem tucanos e petistas, a exemplo das cotas raciais, não é possível encontrar diferenças expressivas entre os antipetistas e os eleitores mais fortemente identificados com o PT”, dizem.
Ao analisar a evolução das preferências ao longo do tempo, não constataram acirramento na polarização. “Não há evidências concretas relativas a um suposto aumento da polarização partidária nos últimos anos”, afirmam. “Pelo contrário, as diferenças atitudinais entre petistas e tucanos são de pequena monta, e a distância ideológica entre os extremos da escala de partidarismo se reduziu ao longo do tempo.”
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“Não há como saber se a votação de Bolsonaro reflete, de fato, um crescimento do eleitorado conservador ou se se trata apenas de resultado conjuntural da fragmentação da centro-direita e da ausência de um candidato tucano sólido”, dizem Abreu e Vidigal nas conclusões.
Eles se mantêm céticos: “Só se pode falar em polarização quando se verifica crescimento dos eleitores em ambos os extremos do espectro ideológico e redução concomitante da viabilidade eleitoral de candidaturas centristas. Essa hipótese nos parece extremamente improvável e, certamente, não pode ser corroborada a partir das pesquisas eleitorais”.
Tanto Mello quanto Abreu e Vidigal nos dão motivos para algum otimismo. Não que o Brasil tenha passado incólume pela maior crise política desde a redemocratização. Mas as feridas estão mais no sistema político que na sociedade. Mesmo que a polarização possa ter se agravado, não há nenhum sinal de que seja irremediável.
https://g1.globo.com/mundo/blog/helio-gurovitz/post/2018/08/13/a-cura-para-a-polarizacao-politica.ghtmlConclusão
Com base em evidências observacionais e pesquisas recentes na política brasileira,
submetemos ao teste empírico hipóteses presentes na literatura que apontam para um
crescimento da polarização partidária do eleitorado, alimentada pela estrutura da
competição presidencial. Demonstramos a fragilidade empírica dessas hipóteses,
especialmente no que diz respeito a um suposto crescimento da direita entre o eleitorado.
Além disso, ao contrário do que se supõe, a maioria dos indivíduos está do mesmo lado
sobre temas políticos.
A polarização partidária entre as elites pode influenciar a saliência de temas
políticos no público de massa, o que, por sua vez, influencia a importância dos temas
políticos e do partidarismo nos sistemas de crença dos cidadãos ordinários. Porém, esse
não é certamente o caso do Brasil, uma vez que a distância ideológica entre as bancadas
dos partidos no Congresso se reduziu ao longo do tempo (Zucco, 2012). Ademais, a
polarização no Brasil está limitada a um subconjunto do público, em grande parte
constituído por partidários fortes que estão cientes das diferenças entre PT e PSDB.
A evolução do posicionamento ideológico dos eleitores petistas, tucanos e
antipetistas independentes demonstra, em primeiro lugar, uma crescente convergência
ideológica do eleitorado, provavelmente em razão do movimento do PT em direção ao
centro do espectro político. Em segundo lugar, e contrariamente à hipótese de uma
associação entre o antipetismo e o crescimento da direita, observamos que o eleitorado
antipetista é bastante heterogêneo, não apresentando perfil ideológico claro. Em particular,
o grupo de antipetistas independentes se diferencia ainda menos dos petistas do que os
eleitores que apresentam simpatias mais intensas pelo PSDB. Em outras palavras, o
crescimento do antipetismo parece estar mais relacionado a avaliações negativas de parte
do eleitorado com respeito aos governos do PT – o que, por sua vez, impacta diretamente
a reputação do partido – do que propriamente a um crescimento de uma direita
conservadora e extremista, como suposto por Couto (2014).
Como último ponto, cabe ressaltar que, se, por um lado, as evidências
apresentadas neste artigo comprovam que as simpatias partidárias são fator explicativo
importante do comportamento eleitoral (como encontram Braga e Pimentel Jr., 2011;
Ribeiro, Carreirão e Borba, 2011, 2016), por outro lado, não cabe falar em consolidação
do sistema partidário presidencial no eleitorado. O crescimento do grupo de eleitores
antipetistas independentes ao mesmo tempo em que se manteve em patamares elevados
no período em análise o percentual de votantes indiferentes sugere, ao contrário, que parte
expressiva dos eleitores brasileiros não apresenta disposição em apoiar de forma
consistente nenhum dos dois principais partidos na arena presidencial. De fato, os
antipetistas independentes são o segmento com maior tendência a apoiar terceiros
candidatos no 1o turno, buscando alternativas ao PT fora do campo peessedebista. Além
disso, dada a relevância numérica do grupo de indiferentes, que nas últimas eleições se
dividiu entre o PT, o PSDB e a “terceira via” (porém com clara vantagem para os petistas),
é evidente que nenhum candidato presidencial pode pensar seriamente em vitória sem
conseguir o apoio desse segmento do eleitorado. Nesse sentido, conforme já notado por
vários outros autores (Borges, 2015; Borges e Lloyd, 2016; Cortez, 2009; Limongi e
Guarnieri, 2014), a predominância do PT e do PSDB na arena presidencial resulta
provavelmente menos do enraizamento desses partidos no eleitorado e mais da capacidade
dessas organizações de coordenar de forma eficiente alianças nacionais e subnacionais.
Os céticos poderão argumentar que nossa análise não permite entender o
fenômeno Bolsonaro, candidato de extrema-direita que aparece agora (dezembro de 2017)
com cerca de 15% nas pesquisas de intenção de voto para presidente em 2018. Sobre
isso, cabe notar que pesquisas realizadas com tanta antecedência têm capacidade preditiva
limitada. Não há como saber se a votação de Bolsonaro reflete, de fato, um crescimento
do eleitorado conservador ou se se trata apenas de resultado conjuntural da fragmentação
da centro-direita e da ausência de um candidato tucano sólido. Por fim, só se pode falar
em polarização quando se verifica crescimento dos eleitores posicionados em ambos os
extremos do espectro ideológico e redução concomitante da viabilidade eleitoral de
candidaturas centristas. Essa hipótese nos parece extremamente improvável e,
certamente, não pode ser corroborada a partir das pesquisas eleitorais lançadas no
momento em que escrevemos este artigo.
As evidências que apresentamos demonstram, de fato, que o segmento
majoritário de eleitores indiferentes não apresenta perfil ideológico claramente
diferenciado, o que cria incentivos para que os candidatos à presidência busquem evitar a
adoção de posições extremas ou controversas, construindo amplas e heterogêneas alianças
eleitorais que resultam na diluição dos apelos ideológicos. O mesmo raciocínio pode ser
aplicado ao grupo de eleitores antipetistas independentes: ainda que rejeitem o PT, esse
grupo não se diferencia significativamente dos simpatizantes do partido. Em resumo, em
combinação com o sistema de dois turnos, que induz fortemente os partidos a mobilizar o
eleitor mediano, desfavorecendo candidaturas extremistas, a distribuição das preferências
do eleitorado brasileiro torna improvável um cenário de aumento da polarização partidária
nos próximos anos, não obstante os diagnósticos (equivocados) a respeito do crescimento
do eleitorado de extrema-direita no Brasil.
André Borges – Universidade de Brasília, Instituto de Ciência Política.
E-mail: <andrebc@unb.br>.
Robert Vidigal – Universidade de Brasília, Instituto de Ciência Política.
E-mail: <robertleehc@gmail.com>.
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs//op/article/view/8652276/17933
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Qualquer sistema de pensamento pode ser racional, pois basta que as suas conclusões não contrariem as suas premissas.
Mas isto não significa que este sistema de pensamento tenha correspondência com a realidade objetiva, sendo este o motivo pelo qual o conhecimento científico ser reconhecido como a única forma do homem estudar, explicar e compreender a Natureza.