Essas coisas decorrem da possibilidade de um uso mais flexível em vez do original, de esquerda e direita.
Fica sendo algo meio como aquelas discussões teológicas onde de repente um fala, "para mim existe sim Deus, mas não é um cara numa nuvem, eu creio que Deus é uma energia."
Dentro do que o sujeito entende como "Deus" e como "energia", então "Deus existe." Da mesma forma, se a pessoa imagina que esquerdismo é gostar de vídeo games da SEGA e direitismo da Nintendo, então isso será a sua "realidade".
Uso flexível ok, mas não sejamos ingênuos. É normal que existam diferentes interpretações, outros pontos de vista, mas essa retórica de "nazismo de esquerda" parece ter sido construída mais a partir de um objetivo que de uma releitura isenta, mesmo que um tanto boboca.
Basta observar as fontes primárias que começam a disseminar ideias como esta: nenhum historiador, por exemplo. São sempre pessoas ligadas a movimentos ideológicos que estão sendo rotulados como extrema direita ou quase isso. Não é coincidência que a medida que vemos recrudescer no mundo o conservadorismo, a xenofobia, o racismo e também um tipo de nacionalismo ao mesmo tempo isolacionista e supremacista, os porta vozes destes interesses se afeiçoam, todos eles, a certos tipos de discursos revisionistas bastante convenientes para estes grupos.
Essa gente não é "neonazi". Neonazimo é outra coisa, muito embora os novos nazis naturalmente demonstrem simpatia por alt-rights e auto-denominados conservadores. Porque existem afinidades claras entre eles, e só isso já é motivo suficiente para que o nazismo deva ser convertido em uma ideologia de esquerda. Não é conveniente a um Le Pen, ou um Netanyahu, ou um Trump, um Bolsonaro, ou o cara lá da Hungria, o rótulo de extrema direita que remete a rótulos que produzem rejeição automática como fascismo e nazismo.
Além disso estas ideologias são invariavelmente simplistas, reducionistas e maniqueístas e portanto funcionam melhor - ou só funcionam - quando existe um inimigo, encarnação de todo o mal, a ser combatido. E se este inimigo não existir precisa ser criado: ele pode ser o judeu dos nazistas, os islâmicos, os imigrantes, os mexicanos, a globalização, a UE... e claro, o grande inimigo maior e
ubíquo, o fantasmagórico comunismo. Maniqueísmo é absolutamente necessário; tem que ser o bem contra o mal, o certo e o errado, então se colocam como a verdadeira direita, o bem, em oposição à perversa mostruosidade esquerdista. Mas aí como é que você vai ter o nazismo no departamento do bem, na direita? Não dá, é desconcertante, é preciso de qualquer jeito passar os nazistas pro outro lado. Pra vovô Olavo poder dizer: "É tudo comunista, porraaaaaa!!"
O perigo disso é uma nova caça às bruxas, e não me refiro ao macartismo mas àquela da inquisição mesmo. Porque comunistas, assim como bruxas, não existem. E se não existe qualquer um pode ser bruxa ou comunista. De acordo com a conveniência.
Além do mais inimigos imaginários são ótimos porque não só não podem te destruir como também não podem ser destruídos. Não é? Ao contrário do PT, que é real. Se os bolsonaristas acabarem com o PT selam o próprio destino, já que eles não oferecem muita coisa à sociedade além de serem a resistência ao petismo.
Mas o comunismo imaginário é invencível.