"Mané na aceção de indivíduo inepto, bobo, não é exclusivo do Rio de Janeiro. Segundo o dicionário Houaiss é comum a todo o Brasil e a regiões de Portugal. E é muito antigo: já vem atestado em 1889 no Dicionário de Vocabulos Brazileiros de Henrique Beaurepaire-Rohan. Transcrevo na grafia original:
Mané, s. m. individuo inepto, indolente, desleixado, negligente, palerma. Tambem dizem Manécôco e no Amazonas Manembro. || Etym. É apocope do termo Manêma, que tanto em tupi como em guarani, significa frouxo (Montoya) e mofino [desafortunado, covarde] (Voc. Braz.), o que está de accôrdo com a nossa definição. || É syn. De Bocó e Bocório, de que igualmente se usa no mesmo sentido depreciativo. || Obs. Ha o termo homonymo Mané, de que se serve a gente da plebe, como diminutivo de Manoel.
Antenor Nascente, mencionado no dicionário Houaiss, também dá manema, do tupi ma’nema, como origem de mané, mas por via diferente: manema é farinha grossa de mandioca, e por isso de menos préstimo que a fina; daí, segundo ele, a aceção de indivíduo inepto.
Mas o Houaiss diz que outra origem possível é simplesmente o nome Manuel. Em favor desta tese temos Heinz Kröll, Eufemismo e Disfemisno no Português Moderno (1984), capítulo III — Defeitos morais e mentais, secção 1. Estupidez e Imbecilidade (p. 39):
É bastante frequente nomes próprios de pessoas passarem a designar o estúpido. Escolhem-se para esse fim, por via de regra, os nomes mais vulgares ou então os nomes mais raros e um tanto ridículos. Assim por exemplo: […] joão, joão-da-horta, lopes, lucas (provavelmente por analogia fonética com louco e maluco), mané, manel, manécoco (Fial[ho de Almeida, Os] Gat[os] V, 250:… como neste País tudo continua a estar nas mãos de dez ou doze manécocos…), mané-jacá, mané-zé, manuel-da-horta […] zé-piegas, zé-quitólis, zé-da-véstia.
A mulher estúpida é chamada amélia, bazilinha, engrácia, maria-ingélica ou roberta.
A estes nomes, dos quais, com significado de imbecil, apenas alguns me são vagamente familiares, posso acrescentar toino, versão popular de António umas gerações atrás. (O pessoal no Priberam deve ser muita toino para não saber isso.) És mesmo toino significa és mesmo parvo, rústico, atrasado.
Por sua vez Luís da Câmara Cascudo, no seu Dicionário do Folclore Brasileiro, 1954, indica mané como variante de mané gostoso:
Boneco de engonço, com movimentos nas pernas e braços puxados por cordões. Brinquedo infantil. Antigo personagem do bumba-meu-boi. Homem tolo, imbecil, palerma, aparvalhado, sem vontade. É um mané gostoso! O mesmo que mané-coco, mané-besta, mané-de-Sousa, pai-mané. Beaurepaire Rohan (Vocabulário da Língua Brasileira, RJ 1889), fixando mané, diz ser apócope de manêma, significando no tupi-guarani mofino, frouxo, pulsilânime. Ocorre naturalmente a apócope do português “Manuel”, dito popularmente Mané, mané-tolo, mané-bestalhão, manezinho, etc. Beaurepaire Rohan informa que menembro é idêntico ao mané no vale do Amazonas.
Do que consegui encontrar, mané aparece na literatura apenas recentemente. Mané gostoso tem presença mais antiga. O autor brasileiro Ariano Suassuna, em Torturas de um Coração (1951), usa-o com o significado corrente de mané:
Vicentão: «O que tem aqui é moreno queimado! / Mas gente que não suporto / É esse tipo delicado e dengoso / O que é que as mulheres veem nesse mané-gostoso»
Benedito: «Mas Marieta, você gostar / Dum mané-gostoso desse!»
Encontramos uma ocorrência mais antiga, com um significado um pouco mais especializado, nos Anais da Câmara dos Deputados [do Brasil] — Vol 7 — p. 218 (1914):
Pois, quando todo mundo sabe que o nosso chamado Poder Legislativo não passa de um Mané gostoso, cujos cordões estão nas mãos do Presidente da Republica;
Mané-coco encontramos ainda mais atrás, mas em Portugal. Para além dos «dez ou doze manécocos» de Fialho de Almeida citado acima, o termo aparece em 1866 em «Uma Epístola de Garrett e o Porto» em Cavar em Ruinas de Camilo de Castelo Branco. A história (verdadeira?) é a seguinte Almeida Garrett (1799-1854) concorre a deputado pelo Porto, e um grupo de opositores anda à procura de razões contra ele. Descobrem um poema em que Garrett diz que «cockneys caixeiros, frades ignorantes» deturpam a beleza do Porto. O pessoal não sabe o que são «cocknéys», até que um ‘iluminado’ esclarece (grafia original):
—É que elle poz ao p’ra traz, metade da palavra que devia estar na dianteira. A palavra ás direitas é neyscôcks. O que elle quer é dizer que os caixeiros do Porto são Maneis-Côcos.
—Apoiado! É isso que elle quer dizer! Ulularam os eleitores da rua das Congostas.
Um aprendiz de inglez, filho de um dos javardos, observou que cocknéys caixeiros, queria dizer caixeiros de Londres.
O pae envergonhou-se da sandice do filho, e bateu-lhe com as proprias orelhas na cara.
Depois disto tudo, a minha opinião, que vale o que vale, é que a tendência para usar variantes de nomes próprios com sentido pejorativo teve quase de certeza o seu papel no surgimento, ou surgimentos, de mané como bobo. E não tem que haver uma raiz única: o ma’nema tupi e o mané gostoso podem perfeitamente ter ajudado a fixar esse significado de mané
Quanto a mané como um termo amigável para cara, gajo no Rio de Janeiro, aconteceu um fenómeno semelhante na ilha de Santa Catarina, onde mané(zinho) ou mané(zinho) da ilha foi adotado pelos próprios habitantes para se referirem a si mesmos. "
https://portuguese.stackexchange.com/questions/989/qual-%C3%A9-a-origem-de-man%C3%A9