« Online: 01 de Junho de 2019, 14:00:31 »
Porque a “Teoria das Janelas Quebradas” deveria ser substituída por uma “Teoria das Propriedades Abandonadas” - e suas implicações para o Brasil.
Em 1982, a Teoria das Janelas Quebradas foi publicada no The Atlantic pelos pesquisadores James Q. Wilson e George Kelling. Um dos artigos mais citados na Historia da criminologia, a teoria chegou a ser chamada de “a Bíblia do policiamento”, e suas descobertas foram aplicadas em muitas cidades ao redor do mundo. Ao passo em que há evidências de que um número maior de policiais per capita reduz a violência, no entanto, a relação entre pequenos delitos contra a propriedade (como pichações e vandalismo, que correspondem a tal “janela quebrada”) e os crimes violentos ainda permanece polêmica. E novas descobertas apontam que longe de ser a “janela quebrada” que causa a criminalidade, ela é na verdade produto de uma realidade que causa tanto degradação urbana quanto aumentos nos indices de criminalidade: o abandono de propriedades.
Essa mudança de perspectiva vem das pesquisas do criminologista John MacDonald e do epidemiologista Charles Branas, que inspirados pelo enunciado original das Janelas Quebradas (“A piece of property is abandoned, weeds grow up, a window is smashed”), resolveram pesquisar o impacto da primeira condição sobre a criminalidade. Para isto, realizaram dois experimentos na cidade da Filadelfia, EUA:
No primeiro deles, eles examinaram crimes violentos no entorno de 2.356 prédios abandonados. Um conjunto de seiscentos e setenta e seis prédios foi reparado pelos proprietários; o resto não. Todos os meses, durante um período de três anos entre 2010 e 2013, os pesquisadores compararam os níveis de crimes violentos no entorno dos edifícios reparados com os níveis de crimes violentos no entorno de um grupo de edifícios do mesmo tipo e geograficamente próximos, que permaneciam em condições precárias.
O segundo experimento comparou o crime violento em torno de terrenos baldios. Segundo a pesquisa da equipe, havia 49.690 desses terrenos na Filadélfia. A Sociedade de Horticultura da Filadelfia havia consertado pelo menos 4.436 deles, o que significava que havia limpado lixo e destroços, registrado a terra, plantado grama e árvores para criar um ambiente parecido com um parque, e instalado cercas baixas com aberturas para facilitar o uso recreativo e deter o despejo ilegal. Novamente, Branas e seus colegas compararam os locais reparados com um conjunto de propriedades similares abandonadas. Neste estudo, eles mediram o crime anualmente, durante uma década inteira, de 1999 a 2008.
Os resultados foram impressionantes: uma queda de 39% dos crimes violentos no entorno dos prédios consertados em relação aos que permaneceram abandonados, e de 5% no entorno dos terrenos baldios que foram transformados em jardins. Mais do que isso, os resultados indicaram que a violência não foi transferida para regiões vizinhas, mas realmente desapareceu; os resultados também duraram muito mais do que nos experimentos que simplesmente prendiam pequenos criminosos. Segundo as estimativas dos pesquisadores: “Consertos simples de prédios abandonados e terrenos baldios geraram estimativas conservadoras de entre US $ 5,00 e US $ 26,00 em benefícios líquidos para os contribuintes e entre US $ 79,00 e US $ 333,00 para a sociedade em geral, para cada dólar investido”.
E como isto pode ser aplicado ao Brasil? Bem, além de seu obvio custo humano, estima-se que o Brasil gasta, anualmente, 91 bilhões de dólares ou quase 4% do PIB com o crime. Assim sendo, o desvio de parte desses recursos para a reparação de propriedades urbanas abandonadas, assim como medidas que desincentivem o abandono de propriedades - como um IPTU progressivo para propriedades vagas sem a devida manutenção - e em alguns casos confisco e leilão de tais edifícios e terrenos poderiam economizar bilhões de reais e inúmeras vidas. Isto, claro, ainda desconsiderando as externalidades que não foram medidas por esse estudo em particular, mas que sabemos que existem, como a relação de terrenos e prédios abandonados com a transmissão de doenças e pragas, incluindo Zika, dengue, leptospirose, etc. Ou seja, é uma descoberta que pode muito nos beneficiar.
Link com mais informações:
https://www.newyorker.com/books/page-turner/the-other-side-of-broken-windows

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