Alguns(*) dizem que Chico “enriqueceu” a revelação primitiva, promulgada por Hippolyte Léon Denizard Rivail e atribuída à alta espiritualidade (confira no item 1), mas, examinando-se melhor o assunto fica difícil ver enriquecimento, mais fácil achar distorção.
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À guisa de exemplo, registro algumas invencionices do médium mineiro que demonstram tais distorções. Quem interessado pelo tema poderá citar outras.
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1. ERRATICIDADE versus CIDADES ALADAS. Allan Kardec propôs três situações para os espíritos: 1) encarnados, 2) errantes (ou desencarnados) e 3) puros. Os errantes vagam pelas imediações dos mundos que correspondem aos seus graus de evolução e, eventualmente, descansam em acampamentos (“espécies de bivaques”) onde recuperam as energias, conforme pode ser conferido no capítulo VI de o Livro dos Espíritos.
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Aí, veio Chico, inspirado por seu alterego André Luiz, e modificou tudo! Não foi mudancinha de nada, nada disso: Chico reescreveu o contido no LE sem que se conheça repúdio por parte da cúpula espírita, ou mesmo protesto. Ao contrário, a explicação para a reconstrução da história é dada num dos livros do médium mineiro:
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Os Espíritos disseram a Allan Kardec que, no mundo espiritual, viviam em “espécies de acampamentos, de campos para se repousar de uma muito longa erraticidade, estado sempre um pouco penoso”.
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Não se podia, é verdade, dar largas à imaginação para especular acerca do que seriam realmente, essas espécies de acampamentos, por falta de referências mais claras que induzissem a idealização de comunidades de Espíritos habitando cidades estruturadas em edificações de natureza sólida, sobre terreno fértil à vegetação, e em tudo com estreita semelhança ao que conhecemos na Crosta.
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Mas, a partir das informações veiculadas por André Luiz, passado o espanto natural que as revelações causaram, reconheceu-se que não poderia ocorrer de forma diferente.
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Habituados, durante muitos séculos, à idealização do Céu e do Inferno, em termos sem correspondência com as expressões contidas nas obras da Codificação, nos recusávamos a aceitar o óbvio. Se o Espírito sobrevivia ao corpo, e provas dessa sobrevivência foram abundantes a partir do surgimento da Doutrina Espírita, e se, por outro lado, os Espíritos nos asseguravam que nos reuniríamos em famílias e em agrupamentos, e que a vida continuava sem grandes mudanças depois da morte física, por que haveria de ser tão discrepante em relação aos moldes da vida terrena?
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Pelas recordações da vida espiritual, organizamos a vida terrena, e André Luiz nos mostra que esta é uma cópia imperfeita daquela.
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(Cidade no Além – Chico Xavier e Heigorina Cunha)
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2. MARCIANOS ESTULTOS versus ULTRAINTELIGENTES. Kardec fora informado, pela alta espiritualidade, que os habitantes de Marte eram bestas-feras, em tudo inferiores aos da Terra. Já os marcianos de Chico eram dotados de inteligência acima da dos humanos e poderes que os terráqueos não possuem. É fato que o primeiro a se insurgir contra os marcianos trogloditas foi Flammarion: no Livro de Urânia o astrônomo francês descreve, no que teria sido um sonho mediúnico, os nativos de Marte totalmente diversos dos noticiados a Kardec pelos espíritos. E foi em Flammarion que Francisco Xavier se inspirou para construir seu modelo de marciano! Tão patente é a influência do astrônomo nas lucubrações de Chico que até palavra igual à contida em “Urânia” foi reprisada pelo mineiro. Confira:
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FLAMMARION: “Aqui não se come, nunca se comeu, não se comerá jamais. A criação tem-se desenvolvido gradual, pacifica, nobremente, do modo pelo qual começara. Os organismos se nutrem, isto é, renovam suas moléculas, por simples respiração, qual o fazem as árvores terrestres, cada uma de cujas folhas é um pequeno estômago. - Na tua cara Pátria, não se pode viver um só dia sem a condição de matar. Entre vós outros a lei de vida é a lei de morte. Aqui, a ninguém jamais acudiu a idéia de matar, sequer, um pássaro.
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Vós outros sois todos, mais ou menos, carniceiros. Tendes os braços cheios de sangue; os estômagos estão repletos de vitualhas.” (Livro de Urânia)
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CHICO XAVIER: “Assegurou-me, ainda, o desvelado mentor espiritual, que a humanidade de Marte evoluiu mais rapidamente que a da Terra e que desde os pródromos da formação dos seus núcleos sociais, nunca precisou destruir para viver, longe das concepções dos homens terrenos cuja vida não prossegue sem a morte e cujos estômagos estão sempre cheios de vísceras e de vitualhas de outros seres da criação.” (Cartas de Uma Morta)
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3. PLURALIDADE DOS MUNDOS HABITADOS. Todo espírita que se preze acredita piamente na doutrina da pluralidade dos mundos habitados, bem, nem todos: Flammarion, amicíssimo de Kardec, tinha ideias próprias a respeito e advogou que somente alguns orbes cósmicos acoitariam vida. Outra divergência séria (considerando que Kardec, em tese, estaria sendo assessorado por espíritos da mais alta categoria) reside na alegação de Rivail de que a forma humana seria o padrão das vidas no universo, ideia que Flammarion não admitia:
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KARDEC: 55. São habitados todos os globos que se movem no espaço?
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“Sim e o homem terreno está longe de ser, como supõe, o primeiro em inteligência, em bondade e em perfeição. Entretanto, há homens que se têm por espíritos muito fortes e que imaginam pertencer a este pequenino globo o privilégio de conter seres racionais. Orgulho e vaidade! Julgam que só para eles criou Deus o Universo.”
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Deus povoou de seres vivos os mundos, concorrendo todos esses seres para o objetivo final da Providência. Acreditar que só os haja no planeta que habitamos fora duvidar da sabedoria de Deus, que não fez coisa alguma inútil. Certo, a esses mundos há de ele ter dado uma destinação mais séria do que a de nos recrearem a vista. Aliás, nada há, nem na posição, nem no volume, nem na constituição física da Terra, que possa induzir à suposição de que ela goze do privilégio de ser habitada, com exclusão de tantos milhares de milhões de mundos semelhantes.ção. Entretanto, há homens que se têm por espíritos muito fortes e que imaginam pertencer a este pequenino globo o privilégio de conter seres racionais.
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Orgulho e vaidade! Julgam que só para eles criou Deus o Universo.” Deus povoou de seres vivos os mundos, concorrendo todos esses seres para o objetivo final da Providência. Acreditar que só os haja no planeta que habitamos fora duvidar da sabedoria de Deus, que não fez coisa alguma inútil. Certo, a esses mundos há de ele ter dado uma destinação mais séria do que a de nos recrearem a vista. Aliás, nada há, nem na posição, nem no volume, nem na constituição física da Terra, que possa induzir à suposição de que ela goze do privilégio de ser habitada, com exclusão de tantos milhares de milhões de mundos semelhantes. (Livro dos Espíritos)
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“8. [...]Tomada a Terra por termo de comparação, pode-se fazer idéia do estado de um mundo inferior, supondo os seus habitantes na condição das raças selvagens ou das nações bárbaras que ainda entre nós se encontram, restos do estado primitivo do nosso orbe. Nos mais atrasados, são de certo modo rudimentares os seres que os habitam.
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Revestem a forma humana, mas sem nenhuma beleza. Seus instintos não têm a abrandá-los qualquer sentimento de delicadeza ou de benevolência, nem as noções do justo e do injusto.
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A força bruta é, entre eles, a única lei. Carentes de indústrias e de invenções, passam a vida na conquista de alimentos. Deus, entretanto, a nenhuma de suas criaturas abandona; no fundo das trevas da inteligência jaz, latente, a vaga intuição, mais ou menos desenvolvida, de um Ente supremo. Esse instinto basta para torná-los superiores uns aos outros e para lhes preparar a ascensão a uma vida mais completa, porquanto eles não são seres degradados, mas crianças que estão a crescer.
[...]
9. Nos mundos que chegaram a um grau superior, as condições da vida moral e material são muitíssimo diversas das da vida na Terra. Como por toda parte, a forma corpórea aí é sempre a humana, mas embelezada, aperfeiçoada e, sobretudo, purificada. O corpo nada tem da materialidade terrestre e não está, conseguintemente, sujeito às necessidades, nem às doenças ou deteriorações que a predominância da matéria provoca. Mais apurados, os sentidos são aptos a percepções a que neste mundo a grosseria da matéria obsta. A leveza específica do corpo permite locomoção rápida e fácil: em vez de se arrastar penosamente pelo solo, desliza, a bem dizer, pela superfície, ou plana na atmosfera, sem qualquer outro esforço além do da vontade, conforme se representam os anjos, ou como os antigos imaginavam os manes nos Campos Elíseos. Os homens conservam, a seu grado, os traços de suas passadas migrações e se mostram a seus amigos tais quais estes os conheceram, porém, irradiando uma luz divina, transfigurados pelas impressões interiores, então sempre elevadas. Em lugar de semblantes descorados, abatidos pelos sofrimentos e paixões, a inteligência e a vida cintilam com o fulgor que os pintores hão figurado no nimbo ou auréola dos santos. (Evangelho Segundo o Espiritismo)
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FLAMMARION: “Os mundos atualmente não são todos habitados . A época presente não tem importância maior do que as precedentes e nem sobre as que lhe hão de seguir.
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Tais mundos foram habitados no passado, milhares de séculos; tais outros sê-lo-ão no futuro, em milhares de séculos. Um dia, nada restará da Terra, e as suas próprias ruínas estarão destruídas. Mas o Nada jamais substituirá o Universo. Se as coisas e os seres não renascessem das suas cinzas, não existiria uma única estrela no Céu, pois, desde a eternidade pretérita, todos os sóis estariam extintos, datando toda a Criação da eternidade. A duração total da Humanidade representa um momento no Tempo eterno.
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A vida terrestre não é o tipo das outras vidas . Ilimitada diversidade reina no Universo. Há mansões onde o peso é intenso, onde a luz é desconhecida, onde o tato, o olfato e o ouvido são os únicos sentidos; onde, não se tendo formado o nervo óptico, todos os entes são cegos. Outras há onde o peso é apenas sensível; onde os entes são tão leves e tão tênues que seriam invisíveis para olhos terrestres; onde sentidos de extrema delicadeza revelam a Espíritos privilegiados sensações vedadas à Humanidade terrestre.”
(Livro de Urânia)
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Apesar de ter arrastado asa para o lado de Flammarion, no que tange à pluralidade dos mundos habitados Chico ficou com Kardec (conquanto tenha incluido nessa doutrina coisas que o codificador não postulou), defendendo a sapiência dos espíritos ante às limitações da tosca ciência humana, conforme “Emmanuel” lhe explicou:
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PLURALIDADE DOS MUNDOS HABITADOS
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Emmanuel
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Questão nº55
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Enquanto o homem se encaminha para a Lua, estudando-a de perto, comove-nos pensar que a Doutrina Espírita se referia à pluralidade dos mundos habitados, precisamente há mais de um século.
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Acresce notar, ainda, que os veneráveis orientadores da Nova Revelação, guiando o pensamento de Allan Kardec, fizeram-no escrever a sábia declaração: "Deus povoou de seres vivos todos os mundos, concorrendo esses seres ao objetivo final da providência."
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Sabemos hoje que moramos na Via-Láctea - a galáxia comparável a imensa cidade nos domínios universais. Essa cidade possui mais de duzentos milhões de sóis, transportando consigo planetas, asteróides, cometas, meteoros, aluviões de poeira e toda uma infinidade de turbilhões energéticos.
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[...]
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Mas os espelhos telescópicos do homem já. conseguem assinalar a existência de milhões e milhões de outras galáxias, mais ou menos semelhantes nossa, a se espraiarem na vastidão do Universo.
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Até agora, neste breve lembrete, nos reportarmos simplesmente ao campo fisico observável pelos homens encarnados, atreitos, como natural, ao raio reduzido da percepção que lhes própria, sem nos referirmos às esferas espirituais mais complexas que rodeiam cada planeta, quanto cada sistema.
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Nesse critério, vamos facilmente encontrar, em todos os círculos cósmicos, os seres vivos da asserção de Kardec, embora a instrumentação do homem não os divise a todos. Eles se desenvolvem através de inimagináveis graus evolutivos, cabendo-nos reconhecer que, em aludindo à pluralidade dos mundos habitados, não se deverá olvidar a gama infinita das vibrações e os estados múltiplos da matéria.
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Temos, assim, no espaço incomensurável, mundos-berços e mundos-experiências, mundos-universidades e mundos-templos, mundos-oficinas e mundos-reformatórios, mundos-hospitais e mundos-prisões.
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(De "Religião dos Espíritos", de Francisco Cândido Xavier, pelo Espírito Emmanuel)
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Diante das muitas incrementações que Chico tascou na doutrina creio válida a indagação do título. Uns poucos intelectuais espíritas se manifestam contra as modernizações feitas por Xavier, mas a grande massa espírita as acata festivamente!
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Para que este texto inicial não se alongue demasiadamente fico por aqui, caso a conversa prospere outras informações serão acrescentadas.