Brasileiros se apegam à figura de Deus para enfrentar dificuldadesFonte:
BBC"Quem manda no meu mundo é Deus, porque infelizmente a gente tem Justiça, mas é lenta demais. A gente vive aqui é mais por milagre de Deus, porque é muito difícil aqui."Dona Maria da Glória, que mora em um acampamento de sem-terra no sertão de Minas Gerais, é mais uma que alimenta as estatísticas sobre a pobreza extrema no Brasil.
Ela é mulata, tem marido e 11 filhos. As estatísticas mostram que dois terços dos negros e mestiços são pobres e que os pobres têm mais filhos que os ricos. A única renda fixa da família de Maria é uma bolsa escola, no valor de R$ 15 mensais.
No Brasil existem hoje 55 milhões de pessoas vivendo em condição de pobreza extrema, com menos de meio salário mínimo por mês, segundo a mais recente pesquisa do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea). Dessas, 22 milhões são classificadas como indigentes, porque têm renda mensal inferior a meio salário mínimo.
A BBC Brasil foi atrás dessas pessoas para descobrir, então, quem manda no mundo delas.
Deus
Mamegio, outro morador do acampamento de Brejo dos Crioulos, formado por descendentes de quilombolas (ex-escravos que moravam em quilombos) no norte de Minas Gerais, também recorre a Deus quando pensa em quem comanda seu mundo.
"Quem comanda o mundo é Deus, e quem traz mudanças é o próprio Deus. Também tem as leis e os governadores, mas o autor é só Deus."
A resposta é típica de quem já está cansado de lutar ou esperar por uma decisão do governo na questão das terras.
Esta comunidade quilombola descobriu há apenas seis anos que tinha direito sobre a terra onde vive. Desde os anos 60, eles foram espremidos por fazendeiros que chegaram à região cercando terras e comprando fazendas e sítios por preços irrisórios.
Desesperança
Ana Paula foi ao acampamento pois não tinha dinheiro para o aluguel
Há alguns quilômetros dali, na periferia de Montes Claros (MG), cerca de 24 famílias vivem na Cidade de Deus, uma minifavela de barracas de lona erguida em um terreno invadido na beira da estrada.
Todos são desempregados e foram para lá por falta de dinheiro para pagar o aluguel, mas poucos recebem mais de um benefício do governo.
"Quem comanda meu mundo? Essa pergunta é difícil, né? Não tenho resposta não", diz Ana Paula de Queiroz, que se mudou para o assentamento há mais de um ano com os dois filhos, quando não teve mais dinheiro para pagar o aluguel.
Ana Paula é separada e a única "renda" fixa que tem é um litro de leite por dia, do programa Leite Pela Vida, do governo federal. Ana Paula vive de ajuda e de biscates, mas conta que nunca teve a carteira assinada.
Assim como ela, Paulo Cesar, pedreiro desempregado há quatro anos, também vive com pouco.
"É muito sofrido para a gente que vive aqui nessas barracas de lona, a gente fica muito esquecido", conta ele, que mora com a mulher e dois filhos em Cidade de Deus. A única fonte de renda fixa mensal que eles têm é de R$ 30, do Bolsa Família.
Em Cidade de Deus, é difícil encontrar pessoas que aparentam ter esperança, e Paulo Cesar espera que a resposta venha das autoridades.
Paulo Cesar espera que a resposta venha das autoridades
"Quem faz o meu mundo rodar? Acho que o governo e o presidente, que ele sabe o sofrimento da gente", diz ele.
Fé
Na cidade do Rio de Janeiro, Deus está com o cartaz alto no Complexo da Maré, que reúne 18 comunidades e fica próximo à Avenida Brasil.
"Quem comanda meu mundo é Deus. Sem ele, não tem como, só ele que fortalece mesmo, se a gente botar ele no meio, a gente consegue tudo, com dificuldade, mas consegue", diz Caio, um jovem de 16 anos que há 15 mora na Maré.
Caio é católico, freqüenta a igreja e faz parte de várias pastorais comunitárias. Ele convive diariamente com a violência e conta que não pode sair à noite por causa das disputas entre traficantes e policiais.
A violência também é citada pela moradora Maria da Conceição, mãe de sete filhos, desempregada e que vive com uma Bolsa Escola, um cheque cidadão e uma cesta básica que recebe da Light.
"Não tem liberdade onde nós estamos, daqui a pouco estamos correndo para não levar tiros. É uma guerra", diz ela.
Sem poder confiar na polícia para protegê-la, quem comanda o mundo de Dona Maria Conceição também é o divino.
"É Deus, né? A gente vive em torno dele, tem que seguir o que Deus permite, só isso."
Mas para outro morador, Claudio Barbosa, motorista de caminhão e vaqueiro, Deus e o governo não têm nada a ver com isso.
"Quem comanda meu mundo sou eu. Se eu não mudar, se eu não fizer por mim, ninguém mais vai fazer", conclui.