AI VAI PARTE DE UMA AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROMOVIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL CONTRA A UNIÃO E O CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA:
"IV - DOS FATOS
Nos autos da representação n.º 1.16.000.001383/2003-79, formulada por Lívia Regina de Figueiredo ao MPF, constatou-se que, há várias décadas, os testes psicológicos são utilizados no Brasil sem a devida comprovação de sua validade e precisão, ou seja, de que prestem ao fim a que se destinam, auxiliar no diagnóstico de distúrbios de natureza comportamental.
É imperioso ressalvar que os testes psicológicos têm sido largamente utilizados como instrumentos de detecção de distúrbios mentais, finalidade para a qual são imprestáveis.
Em 25 de setembro de 2.002, a Revista ISTOÉ publicou uma matéria sobre a eficácia dos testes psicológicos usados no Brasil, cuja trecho, por ser pertinente, transcreve-se abaixo:
"É a primeira vez em mais de três décadas que os 160 testes psicológicos existentes no Brasil - alguns criados há 40 anos - serão submetidos a um controle de qualidade. Enquanto isso continuam a ser aplicados, sem passarem pelo crivo do Conselho ou Ministério da Saúde. 'Não podemos garantir que sejam eficazes', diz Furtado [à época Presidente do Conselho Federal de Psicologia]".
O controle a qual a reportagem se refere foi criado por meio da Resolução CFP n.º 25/2001, de 30 de novembro de 2001, ( esta Resolução foi alterada pela Resolução 02 de 2003 - ou ) do Conselho Federal de Psicologia, visando regulamentar a elaboração, comercialização e o uso dos testes psicológicos, porém, conforme será demonstrado, o CFP não detém competência para normatizar questões de saúde pública, como a presente, embora venha – ILEGALMENTE – se utilizando da norma em questão para analisar e aprovar os referidos testes.
Os testes psicológicos são um dos instrumentos de que o psicólogo se utiliza com o objetivo de fazer o diagnóstico e, a partir dele poder fazer o prognóstico . Essa previsão encontra-se no art. 13, da Lei n.º 4.119/62, que dispõe sobre os cursos de formação em Psicologia e regulamenta a profissão de Psicólogo.
Não bastasse o fato de ser um dos meios de se fazer o diagnóstico, os testes psicológicos, como é de conhecimento público, são utilizados de forma ampla em vários segmentos da sociedade, tais como: relações do trabalho, educação, clínica, de trânsito, jurídica, de esporte, processos de adoção, vítimas e testemunhas ameaçadas, entre outras, sempre voltados para a análise da saúde mental das pessoas. Daí a necessidade de serem submetidos a rigoroso controle e fiscalização por parte do Estado, a fim de verificar se preenchem condições mínimas de validade e precisão.
Apesar das evidências de que se trata de um produto que envolve risco para a saúde pública, o Ministério da Saúde, durante décadas, tem se mantido omisso em relação a questão.
Uma grave constatação derivada das investigações foi a de que as Editoras que publicam testes psicológicos assumiram o controle da qualidade dos mesmos (conforme documentos acostados aos autos), usurpando um papel cuja execução é exclusiva do Estado.
É o que se depreende da informação publicada em 20/10/2003 no site da Editora Vetor, conforme abaixo se transcreve:
"Fundada em setembro de 1966 com o objetivo específico de publicar novos testes psicológicos no Brasil, a Vetor Editora Psico-Pedagógica Ltda., vem cumprindo fielmente os objetivos para os quais foi idealizada.
Prestigiou incondicionalmente o autor psicólogo brasileiro, publicando seus testes, estimulando através de apoio e participação novas pesquisas em várias partes do país, participando de Congressos e patrocinando eventos nas universidades.
Ainda que não seja atribuição de uma Editora assumiu com os seus autores a realização de pesquisas em todo o território nacional sobre os produtos que edita, procurando mantê-los atualizados". (grifamos)
Tamanho empenho decorre do fato de que, para as editoras, os testes psicológicos não passam de mais um produto comercial, não sendo razoável supor que elas tenham isenção o suficiente para conduzir pesquisas sobre os mesmos. Isso as impede de ter uma atuação imparcial acerca do quanto um determinado teste realiza a medição daquilo para o qual foi idealizado. "Trata-se de um lucrativo segmento do mercado editorial", conforme publicou a Revista ISTO É, na reportagem já mencionada.
Em outro texto publicado pela Editora Vetor, no mesmo site e data acima mencionados, fica muito clara a omissão do Poder Público em fiscalizar a validade e precisão dos testes psicológicos, dando margem a que as editoras assumissem este mister:
"Departamento de Pesquisa e Estatística - Este Departamento tem por objetivo dar padrões estatísticos para todos os testes editados pela Vetor. Recebido o material original, depois de examinado e aprovado, é feita uma primeira edição para efeitos de experimentação na população a que se destina. À (sic) partir daí, são sugeridas ao autor as modificações necessárias até que o teste atinja sua forma ideal".
Afora a constatação de que as editoras invadiram competência do Ministério da Saúde, ao assumirem o “controle” da eficácia de testes psicológico, constatou-se igualmente que elas também invadiram competência atribuída ao Comitê de Ética em Pequisa, do Conselho Nacional de Saúde (competência do CNS ).
Com efeito, ao realizar-se "uma primeira edição [dos novos testes] para efeitos de experimentação na população", nada mais estavam fazendo, as editoras, do que experiências envolvendo o ser humano, a teor do que dispõe o item III.2 da Resolução n.º 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, que trata de diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos:
"III.2 Todo procedimento de qualquer natureza envolvendo o ser humano, cuja aceitação não esteja ainda consagrada na literatura científica, será considerado como pesquisa e, portanto, deverá obedecer às diretrizes da presente Resolução. Os procedimentos referidos incluem entre outros, os de natureza instrumental, ambiental, nutricional, educacional, sociológica, econômica, física, psíquica ou biológica, sejam eles farmacológicos, clínicos ou cirúrgicos e de finalidades preventiva, diagnóstica ou terapêutica".
Todo esse descontrole vinha ocorrendo sob a vigência da já aludida Resolução CFP n.º 25/2001, do Conselho Federal de Psicologia, que apesar de não ter competência para o ato, teve a pretensão de regulamentar a elaboração, a comercialização e o uso dos testes psicológicos.
Prova cabal do total descontrole que permeia a criação, aplicação e controle dos testes psicológicos pode ser, de forma cristalina, vista nos presentes autos. Ao passo em que a controvérsia cingia-se à aplicação dos testes psicológicos no concurso para a Polícia Federal, respondeu a Instituição responsável pelas provas, o que segue:
“Os editais de concursos públicos são feitos com fundamento nas leis que dispõem sobre os cargos em questão, não sendo obrigados a cumprir resoluções de órgãos de classe, como entende o representante, Todavia, os testes aplicados são aprovados pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), CONFORME DETERMINAM AS Resoluções nºs 25/2001 e 01/2002 do CFP.” (fl. 123 do ICP 1.16.1000.001383/2003-79).
Tal resposta, ofetada em 29 de agosto de 2002, dá a entender que, embora desnecessária, teria havido aprovação dos testes pelo CFP.
Concordamos parcialmente com a instituição.
Realmente, é desnecessário o controle pelo referido Conselho, por tudo que temos sustentado já que seria atribuição do Ministério da Saúde, mas, ainda aí, há outra inverdade. Vejamos a resposta do Conselho Federal de Psicologia ofertada em 17 de outubro de 2002, dois meses após, portanto:
“(...) temos a informar inicialmente que ainda não foram concluídas as etapas previstas na Resolução do CFP Nº 25/2001, referentes ao processo de avaliação dos testes editados no Brasil e que, por essa razão, não existe ato deste Conselho Federal aprovando ou reprovando quaisquer desses instrumentos.” (grifamos).
O descalabro é total !!!!!!!!
Inexiste controle do poder público, condição essencial e legal para a validade e garantia mínima de eficácia dos testes. Por outro lado, as instituições argumentavam com o controle do CFP, o que jamais havia ocorrido e assim deveria continuar, já que não lhe compete tal atribuição. Todavia, como já informado, recentemente o CFP tem-se proposto a controlar tais testes, também razão de ser desta ação.
Dando continuidade a instrução do feito, o MPF requisitou ao Senhor Ministro de Estado da Saúde, entre outras, as seguintes informações:
"a)Se o Ministério da Saúde regulamenta o registro, validação e fiscalização dos testes psicológicos;
b)(...) se os testes psicológicos seriam também objeto de pesquisa envolvendo seres humanos, a merecer os cuidados deste Ministério;"
O Ministério da Saúde encaminhou documento elaborado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa do Conselho Nacional de Saúde, a qual prestou os seguintes esclarecimentos:
"2. A Res. CNS 196/96 trata de diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos, portanto abrange pesquisas da área de psicologia, que podem incluir validação de testes psicológicos que ainda não tenham comprovação científica de sua aplicabilidade"
Informando, ainda, na mesma ocasião, o teor do art. 1º da Resolução n.º 011, de 20 de novembro de 1997, do Conselho Federal de Psicologia que estabelece o seguinte:
" Art. 1º - Todo psicólogo que esteja desenvolvendo pesquisa em métodos ou técnicas não reconhecidas no campo da Psicologia, deverá ter protocolo de pesquisa aprovado por Comitê e Ética em Pesquisa reconhecido pelo Conselho Nacional de Saúde, conforme Resolução CNS 196/96 ou legislação que venha a substituí-la".
De acordo com o acima preceituado, a incompetência do CFP para validar testes psicológicos resta evidente, já que tais testes envolvem pesquisas com seres humanos e, assim, devem ter o protocolo de pesquisa aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa.
Mesmo tendo ciência da necessidade de aprovação dos testes psicológicos pelo Comitê de Ética em Pesquisa, o CFP usurpou a competência do Ministério da Saúde para editar a Resolução CFP n.º 25/2001, que, assim, não surte nenhum efeito, como aliás, afirmou o CESPE no trecho já colacionado a esta inicial, que abaixo novamente reproduzimos:
"Os editais de concursos públicos são feitos com fundamento nas leis que dispõem sobre os cargos em questão, não sendo obrigados a cumprir resoluções de órgãos de classe (...)"